Não acreditava naquilo que podia ver depois de tantos anos de buscas, privações e desafios. Talvez seus olhos estivessem lhe pregando uma peça novamente, assim como já lhe ocorrera várias vezes desde que sua missão começara, desde que colocara todas as suas forças para recuperar aquilo que lhe era mais caro. As mãos que seguravam o comunicador já danificado pelo tempo e que há muito estava silencioso, sua única esperança e alento por todo aquele tempo, tremiam devido à surpresa – e ao nervosismo.
- Daniel... – Foi tudo o que pôde dizer.
Apesar de todo o tempo que havia passado, eram os mesmos olhos. O mesmo olhar dirigido a ela, a mesma surpresa, a vontade de correr e jogar-se em seus braços, de dizer que não havia passado tempo nenhum e estavam prontos para recomeçar do ponto onde haviam parado. Que ela ainda era a aluna do sexto ano da Academia, que todas as noites fugia dos alojamentos para encontrá-lo nos jardins e verem juntos as estrelas, que ele ainda era o melhor aluno do décimo-segundo e penúltimo ano.
Mas, muito além dos dez anos que separavam aqueles tempos dos dias atuais, havia um turbilhão de acontecimentos. Depois de um ano da missão de seu amado, o comunicador pessoal que parara de funcionar trazendo notícias estranhas e diferentes daquelas oficiais repassadas aos alunos da Academia, a luta e desafios para se tornar pilota das Forças Especiais – tivera de enfrentar as limitações de seu próprio corpo, como a vertigem na falta de gravidade, até muitos professores e colegas para conseguir pilotar – e todos os fatos da guerra – as lutas, mortes e baixas.
E, agora que finalmente estava frente a frente com o homem que nunca deixara de amar, as próprias roupas denotavam as mudanças: ela, com os trajes de pilotagem da Aliança Terrestre; ele, com as roupas simples dos combatentes da União Marciana. Um desertor. Um dos pilotos mais promissores das forças terrestres transformado em desertor. Suas ordens claras para o encontro com desertores seria tirar sua pistola do coldre e atirar sem hesitar, mas sabia muito bem que a explicação pela deserção era muito mais profunda do que as ordens recebidas.
- Stella...
Estava definitivamente surpreso. Se sobrevivera ao ataque que destruíra seu esquadrão, se sobrevivera ser capturado e tudo o que passara desde então no solo marciano tinha ocorrido por sua vontade de reencontrá-la e, posteriormente, tirá-la da Academia para que pudessem viver juntos em algum lugar isolado. Depois, passou a lutar por um ideal que parecia esquecido naquele mar de sangue derramado e metal retorcido: justiça. No sentido de que toda aquela guerra talvez fosse contra um inimigo errado, contra as pessoas erradas. Talvez porque terrestres e marcianos fossem tão iguais em essência que não fazia sentido nenhum continuar toda aquela destruição. Aquilo que ambos almejavam, a terra prometida, talvez estivesse mais perto do que podia parecer ou mesmo que eles pudessem supor.
Os trajes de sua antiga amada o espantaram: era a mais alta divisão de pilotos da Aliança, aquela aonde apenas aqueles que nasceram para a pilotagem podiam estar. Pelo que se lembrava, tudo indicava que Stella seria uma oficial de base, já que não apresentara aptidão para a pilotagem. Teria ela tentado seguir seus passos? A estrelinha se tornara uma supernova?
- Não pensei que as coisas pudessem mudar tanto quando nos reencontrássemos. – A vontade era a de se jogar nos braços do amado, mas havia coisas muito maiores do que sua própria vontade em jogo.
- Estou surpreso em vê-la com este uniforme, Stella.
- Se tive forças para enfrentar tudo o que enfrentei, foi pela vontade de te reencontrar. Mas agora... Não sei o que há comigo. Sou pilota da Aliança, você é mais do que membro da União, é um desertor! Minhas ordens são claras para matar os desertores...
- Poderia matá-la por estarmos em lados opostos, mas não o desejo. Aliás, mesmo nós dois estando em território neutro, eu poderia levá-la como minha cativa e cobrar um resgate. Talvez a libertação de alguns de nossos líderes. Mas não desejo fazê-lo.
A oficial da Aliança apalpava a arma em sua cintura, enquanto o membro da União fazia o mesmo por seu lado. Era o maior desejo de ambos trocar um abraço, um beijo, dizerem baixinho ao pé do ouvido tudo aquilo que tinham feito naqueles dez anos, mas muito mais do que os seres, as posições que ocupavam, os lados que tinham abraçado eram maiores do que suas próprias identidades.
- Faz dez anos desde que nos vimos pela última vez... Já não sou uma menina e você já não é aquele jovem de olhos brilhantes e futuro promissor.
- Não me esqueço de seu olhar naquele dia. Fazendo todo o esforço do mundo para ficar séria como convinha a uma aluna, mas com a alma destroçada. Pude ver suas lágrimas sem que precisasse chorar.
- Eu sei... – Stella olhou para o chão com um sorriso tímido, mas logo recompôs-se. – Mas agora as posições mudaram.
- Não, Stella, elas nunca mudaram. Nós sempre fomos peças em um tabuleiro, somos fantoches das pessoas muito acima de nós, daqueles realmente responsáveis por essa guerra. Estamos todos lutando contra o inimigo errado, enquanto as buchas de canhão morrem, os verdadeiros senhores da guerra se divertem nas cidades douradas de Titã. Para eles somos apenas peças que podem ser repostas, não muito mais do que acessórios de suas armas de brinquedo. São eles os semeadores da discórdia, é por causa de todo o maldito dinheiro para manter aquele paraíso dourado que tudo isso está acontecendo!
- Você agora está do outro lado, Daniel. É um desertor do lado dos desertores... Você teve de ver as plantações queimadas pelas frotas marcianas e posteriormente crianças morrendo de fome? Ou já se esqueceu de sua própria infância, dos fogos no céu para permitirem que tivessem uma vida! E tudo isso culpa daqueles que abandonaram nosso planeta à míngua e depois de séculos de reestruturação querem tomá-lo de volta! Você acha isso justo? Acha justo que na época da crise eles desapareçam e quando os frutos brotam eles retornem, sendo que nada tiveram de sofrer?
- E você não entendeu que a diáspora foi necessária? Caso não houvesse uma partida, hoje em dia nem mesmo existiríamos? E não foi pela sede de lucros de uma pequena parcela que a situação ambiental da Terra se tornou insustentável? Parcela essa que depois de passar algum tempo em Marte, partiu para suas cidades douradas e deixou o povo que procurava uma nova vida numa terra sem lei? Deixou crianças morrendo de fome enquanto seus pais eram assassinados por um pedaço de chão? Que a única esperança de salvação acabasse por se tornar um caos ainda maior do que aquele de onde tentaram fugir?
- E para isso deve-se destruir a vida de outras pessoas? Não foi você mesmo que disse que tudo isso é um jogo daqueles que estão acima de nós? Pois muito bem: por que não romper com esse jogo? Sabe por que tive forças para superar os primeiros anos de Academia, ou você já se esqueceu? Não queria que outras crianças tivessem o mesmo destino que eu, perder seus pais para uma guerra com essas proporções. Não queria que houvesse mais órfãos de guerra como eu, queria contribuir para que as pessoas tivessem uma vida de paz! Mesmo que para isso fosse necessário que três ou quatro perecessem, mas fosse pelo bem de todos os outros! Até o dia em que esse inferno puder ter fim!
Daniel olhou para o chão rapidamente. O reencontro sempre estivera em seus pensamentos, não deixara de pensar em nenhum dia dos últimos dez anos como seria ter sua Stella novamente a seu alcance. “Sua”... Como se não tivessem ocorrido tantas e tantas coisas naquele período. Como se não estivessem em lados opostos numa guerra muito maior do que eles próprios. Como se não fossem peças opostas que se confrontavam em um tabuleiro, com a função de anularem-se mutuamente.
O pensamento comum a ambos era o quanto tinham esperado e ansiado por esse dia, mas quando ele finalmente chegara, já não tinham a mínima certeza. O que efetivamente sentiam um pelo outro naquele exato momento? Além de toda a paixão juvenil e de um ideal para seguir em frente, qual era a resposta para todas as questões de anos e as vontades guardadas por todo aquele tempo?
A única certeza era a de que não havia uma resposta. Em silêncio, contemplavam um sonho envelhecido pelos anos e circunstâncias. Por mais que tivessem vontade de se abraçar, beijar e repetir que todos os esforços valeram a pena, havia muito mais envolvido do que simplesmente um reencontro de casais. Eram dois mundos – ou seriam duas faces de uma coisa só? – em colisão, sendo que ambos já tinham escolhido qual era seu lado na disputa.
Mas talvez ainda houvesse lugar para antigos ideais. Talvez ainda fosse permitido à oficial da Aliança e ao membro da União continuar sua história individual do ponto onde tinham parado, uma década antes.
Isso se o mundo acima deles permitisse.
***
Daniel e Stella já estiveram aqui antes.
Talvez estejam novamente no futuro.
terça-feira, dezembro 20, 2005
terça-feira, novembro 29, 2005
Crianças da Noite
A música agitada comum àquele lugar dominava o ambiente, o que tornava quase impossível o estabelecimento de qualquer diálogo entre duas pessoas naquele lugar, assim como luzes coloridas eram refletidas na fumaça gerada por gelo seco e mesmo cigarros. Os olhos procuravam entre as pessoas distraídas em dançar, flertar ou consumir alucinógenos uma garota em especial, que sabia estar naquele lugar naquela noite.
Não foi difícil encontrá-la – e aquilo não era tão típico de seu comportamento? Estava dançando como se o mundo fosse acabar no momento seguinte, em cima de um degrau, as mãos lascivamente apoiadas em uma pilastra logo em sua frente. Os saltos plataforma das sandálias destacavam ainda mais o corpo miúdo, assim como a saia de borracha preta que deixava pouco a ser imaginado, o corpete vermelho e o enorme crucifixo em seu pescoço. Era o estilo de uma adolescente entre o gótico e o fetichista.
A maneira como se insinuava enquanto dançava seria capaz de seduzir até mesmo algum objeto inanimado, não demoraria muito para que ela conseguisse cumprir seu objetivo. Precisou ser rápido – e ter uma dose de coragem extra – para subir no degrau exíguo e começar a dançar, seu corpo próximo ao dela, suas mãos segurando a cintura de sílfide, os quadris que se aproximavam em um movimento semelhante ao que fariam caso estivessem a sós em uma cama...
O homem aproximou seus lábios do ouvido da moça e disse, suavemente:
- Criança da noite...
A música eletrônica em um volume altíssimo não a impediu de ouvir as palavras, de sorrir para
seu interlocutor e responder:
- Todos nós o somos...
Uma das mãos percorreu o caminho abaixo da cintura da garota, enquanto a outra fazia o rumo inverso. Coube a ela apenas sorrir e continuar dançando, dessa vez, caso isso fosse possível, de uma maneira ainda mais lasciva do que a anterior.
- Um corpo produzido para a sedução e para o pecado... – Ele voltou a sussurrar em seu ouvido.
Ela apenas sorriu.
- O limiar entre pecado e prazer é mínimo... E às vezes é apenas questão de ponto de vista...
Continuaram a dançar, os corpos seguindo o compasso ditado pelas batidas da música.
- Está aqui não para procurar um parceiro, mas sim uma presa, estou certo?
Ela simplesmente sorriu.
- É tudo uma questão de ponto de vista, não?
A garota virou-se. Precisou erguer os olhos para poder ver melhor o homem sombrio e sisudo que a apertava junto de si. Continuou a dançar, insinuando-se cada vez mais, aproveitando a música e o ambiente.
- Filha das Trevas, criatura demoníaca que se esgueira pelas sombras... Há quantos séculos não tenta os filhos dos humanos? Não seduz jovens em lugares como esses apenas para provar de seu sangue...
A moça parou de dançar. Fitou um tanto surpresa os olhos que a encaravam seriamente e apenas disse, enquanto sorria um tanto cinicamente:
- Não sabe o que é sentir o gosto da eternidade em seus lábios...
Foi a vez dele gargalhar e dizer levemente ao pé do ouvido da garota:
- E você saberá agora o que é a morte...
A música alta, a fumaça e as luzes coloridas camuflaram o corpo que se ajoelhava onde antes pouco dançava, os olhos vidrados pela surpresa, o pescoço cortado por uma adaga rápida e imprevisível. Antes que qualquer pessoa percebesse que estava ali, certamente já teria virado pó e encerrado sua existência neste mundo...
A boate já não o interessava mais. A única música que escutava era o som de alguns poucos carros que passavam pelo asfalto; a única luz, a lua cheia que eclipsava as luzes da cidade. Mais um dia de sua luta, mais uma missão para banir para o inferno os demônios deste mundo. Teria de enviar um relatório para a Ordem de São Miguel de suas atividades de eliminação, sem dúvida a bela e fetichista garota estaria incluída no próximo.
Afinal, era sua missão escolhida quando ordenara-se.
Padre Alexander Harker. Caçador de vampiros.
***
O título original era "murder on the dancefloor", mas ficaria muito na cara :D
Até a próxima ;-)
Não foi difícil encontrá-la – e aquilo não era tão típico de seu comportamento? Estava dançando como se o mundo fosse acabar no momento seguinte, em cima de um degrau, as mãos lascivamente apoiadas em uma pilastra logo em sua frente. Os saltos plataforma das sandálias destacavam ainda mais o corpo miúdo, assim como a saia de borracha preta que deixava pouco a ser imaginado, o corpete vermelho e o enorme crucifixo em seu pescoço. Era o estilo de uma adolescente entre o gótico e o fetichista.
A maneira como se insinuava enquanto dançava seria capaz de seduzir até mesmo algum objeto inanimado, não demoraria muito para que ela conseguisse cumprir seu objetivo. Precisou ser rápido – e ter uma dose de coragem extra – para subir no degrau exíguo e começar a dançar, seu corpo próximo ao dela, suas mãos segurando a cintura de sílfide, os quadris que se aproximavam em um movimento semelhante ao que fariam caso estivessem a sós em uma cama...
O homem aproximou seus lábios do ouvido da moça e disse, suavemente:
- Criança da noite...
A música eletrônica em um volume altíssimo não a impediu de ouvir as palavras, de sorrir para
seu interlocutor e responder:
- Todos nós o somos...
Uma das mãos percorreu o caminho abaixo da cintura da garota, enquanto a outra fazia o rumo inverso. Coube a ela apenas sorrir e continuar dançando, dessa vez, caso isso fosse possível, de uma maneira ainda mais lasciva do que a anterior.
- Um corpo produzido para a sedução e para o pecado... – Ele voltou a sussurrar em seu ouvido.
Ela apenas sorriu.
- O limiar entre pecado e prazer é mínimo... E às vezes é apenas questão de ponto de vista...
Continuaram a dançar, os corpos seguindo o compasso ditado pelas batidas da música.
- Está aqui não para procurar um parceiro, mas sim uma presa, estou certo?
Ela simplesmente sorriu.
- É tudo uma questão de ponto de vista, não?
A garota virou-se. Precisou erguer os olhos para poder ver melhor o homem sombrio e sisudo que a apertava junto de si. Continuou a dançar, insinuando-se cada vez mais, aproveitando a música e o ambiente.
- Filha das Trevas, criatura demoníaca que se esgueira pelas sombras... Há quantos séculos não tenta os filhos dos humanos? Não seduz jovens em lugares como esses apenas para provar de seu sangue...
A moça parou de dançar. Fitou um tanto surpresa os olhos que a encaravam seriamente e apenas disse, enquanto sorria um tanto cinicamente:
- Não sabe o que é sentir o gosto da eternidade em seus lábios...
Foi a vez dele gargalhar e dizer levemente ao pé do ouvido da garota:
- E você saberá agora o que é a morte...
A música alta, a fumaça e as luzes coloridas camuflaram o corpo que se ajoelhava onde antes pouco dançava, os olhos vidrados pela surpresa, o pescoço cortado por uma adaga rápida e imprevisível. Antes que qualquer pessoa percebesse que estava ali, certamente já teria virado pó e encerrado sua existência neste mundo...
A boate já não o interessava mais. A única música que escutava era o som de alguns poucos carros que passavam pelo asfalto; a única luz, a lua cheia que eclipsava as luzes da cidade. Mais um dia de sua luta, mais uma missão para banir para o inferno os demônios deste mundo. Teria de enviar um relatório para a Ordem de São Miguel de suas atividades de eliminação, sem dúvida a bela e fetichista garota estaria incluída no próximo.
Afinal, era sua missão escolhida quando ordenara-se.
Padre Alexander Harker. Caçador de vampiros.
***
O título original era "murder on the dancefloor", mas ficaria muito na cara :D
Até a próxima ;-)
terça-feira, novembro 22, 2005
Aceitação
Desde o meu primeiro momento, me senti como uma peça solta em um lugar que não era o seu.
As risadas de minhas irmãs ecoavam no ar, enquanto elas se davam as mãos e brincavam de roda entre as flores em um dia de verão. Os raios de sol refletidos nas pétalas macias das flores tornavam o ambiente ainda mais bonito e feliz, junto da alegria das garotas... Os vestidos coloridos também brilhavam e faziam com que elas se misturassem com as flores, como se fossem mais uma delas.
Vai ver até eram realmente flores, que só faziam sentido existir se estivessem junto delas. Ou melhor, todos éramos seres das flores. Para os humanos tínhamos muitos nomes, talvez o mais comum deles fosse fadas...
E nesse próprio nome já residia minha condição e minha diferença.
A maioria dos meus iguais eram mulheres. Minhas irmãs, que dançavam alegremente em minha frente, cujas asas brilhavam banhadas de sol, eram mulheres. Conheço muito bem minha posição: somos seres da natureza e funcionamos de acordo com suas regras, minha função neste mundo é a de, quando for o momento, ajudar a Rainha a produzir mais irmãs. É para isso – e somente para isso – que os pouquíssimos machos de nossa espécie existem, para tornarem-se consortes.
A maioria das pessoas costuma resignar-se com o destino que a natureza lhe impõe, mas não conseguia aceitar o meu, apesar de conhecê-lo desde o momento em que despertei para este mundo. Gostaria de poder ser muito mais do que aquilo reservado para mim. Invejava a diversão de minhas irmãs, as risadas que ecoavam no ar enquanto estava eu sentado em uma folha. Elas tinham algo que eu nunca teria: podiam manipular os elementos e criar, com a força que a tudo rege e, por estar muito além da compreensão daqueles que vivem convencionou-se chamar de magia, novas coisas a partir do já existente.
Apesar de ter a aparência física bem semelhante à delas, não tinha a mesma força ou a mesma capacidade. O sentimento de não me aceitar, de querer um sentido maior para aquilo que eu sou, de querer lutar contra o que a própria natureza tinha reservado para mim, estava sempre presente em meu coração. Não sabia descrevê-lo, dar-lhe um nome, colocá-lo em uma categoria. Queria mudar, queria que minha realidade e existência fossem mais do que uma função não muito mais do que decorativa. Queria ir muito além da condição que meu gênero impunha, nem que para isso precisasse desafiar a minha própria natureza.
Queria apenas um lugar para mim, um lugar onde eu fosse uma peça que se encaixasse.
***
Até a próxima. ;-)
As risadas de minhas irmãs ecoavam no ar, enquanto elas se davam as mãos e brincavam de roda entre as flores em um dia de verão. Os raios de sol refletidos nas pétalas macias das flores tornavam o ambiente ainda mais bonito e feliz, junto da alegria das garotas... Os vestidos coloridos também brilhavam e faziam com que elas se misturassem com as flores, como se fossem mais uma delas.
Vai ver até eram realmente flores, que só faziam sentido existir se estivessem junto delas. Ou melhor, todos éramos seres das flores. Para os humanos tínhamos muitos nomes, talvez o mais comum deles fosse fadas...
E nesse próprio nome já residia minha condição e minha diferença.
A maioria dos meus iguais eram mulheres. Minhas irmãs, que dançavam alegremente em minha frente, cujas asas brilhavam banhadas de sol, eram mulheres. Conheço muito bem minha posição: somos seres da natureza e funcionamos de acordo com suas regras, minha função neste mundo é a de, quando for o momento, ajudar a Rainha a produzir mais irmãs. É para isso – e somente para isso – que os pouquíssimos machos de nossa espécie existem, para tornarem-se consortes.
A maioria das pessoas costuma resignar-se com o destino que a natureza lhe impõe, mas não conseguia aceitar o meu, apesar de conhecê-lo desde o momento em que despertei para este mundo. Gostaria de poder ser muito mais do que aquilo reservado para mim. Invejava a diversão de minhas irmãs, as risadas que ecoavam no ar enquanto estava eu sentado em uma folha. Elas tinham algo que eu nunca teria: podiam manipular os elementos e criar, com a força que a tudo rege e, por estar muito além da compreensão daqueles que vivem convencionou-se chamar de magia, novas coisas a partir do já existente.
Apesar de ter a aparência física bem semelhante à delas, não tinha a mesma força ou a mesma capacidade. O sentimento de não me aceitar, de querer um sentido maior para aquilo que eu sou, de querer lutar contra o que a própria natureza tinha reservado para mim, estava sempre presente em meu coração. Não sabia descrevê-lo, dar-lhe um nome, colocá-lo em uma categoria. Queria mudar, queria que minha realidade e existência fossem mais do que uma função não muito mais do que decorativa. Queria ir muito além da condição que meu gênero impunha, nem que para isso precisasse desafiar a minha própria natureza.
Queria apenas um lugar para mim, um lugar onde eu fosse uma peça que se encaixasse.
***
Até a próxima. ;-)
sábado, novembro 19, 2005
Terras Secretas: Capítulo 4 - A Chegada
Três pares de olhos atentos observavam as ondas do mar logo abaixo deles, o que causava uma certa sensação de desconforto momentâneo. Já fazia algumas horas que estavam naquele helicóptero, não estavam entendendo muito bem o que estava acontecendo, a única coisa que tinham certeza era de que o projeto Terras Secretas, tão falado por aqueles cientistas estranhos, tinha finalmente se iniciado. Melhor assim, quanto mais cedo começa, mais cedo termina; era o pensamento comum.
- Tô com fome. – Reclamou o adolescente magricelo de boné, apoiado em uma janela.
- E era ontem que finalmente José Manuel assumiria seu amor por Clara Regina e eu perdi o capítulo! – Uma adolescente gordinha disse, contrariada.
- Era ontem? E a Silvana, não tinha armado para Clara Regina e dito que estava esperando um filho do José Manuel? – Esquecendo-se da fome, Marcelo continuou a render o assunto.
- Não, no capítulo de anteontem o Ricardo a chantageou para que contasse o segredo para ele, assim os dois poderão juntos destruir Clara Regina e se apossar de sua fortuna!
- Ah, só...
Em seu canto, um adolescente ligeiramente acima do peso polia as grossas lentes de seus óculos com sua camiseta, suspirando profundamente ao ouvir o assunto discutido. Ignorância da massa cegada por tramas medíocres! Olhou rapidamente para seus braços após colocar os óculos. Tinha ouvido no dia anterior acerca de chips para interpretação da programação do jogo, mas não via marca nenhuma de onde poderiam ter sido implantados. Coisa estranha, não se lembrava de muita coisa também desde a reunião no dia anterior até o momento em que se dera conta de que estava em um helicóptero...
- Escutem... Acaso sentiram algum efeito colateral advindo da suposta incisão responsável pela implantação de chips em nosso organismo ontem?
- Putz, cara, do que que você ta falando? – Marcelo disse, erguendo uma sobrancelha inquisitoriamente.
- Acaso notou alguma reação anormal de seu organismo desde ontem?
- Pô cara, não tamos na escola não, não precisa falar essas coisas de matéria de aula que ninguém entende!
- Esquece, vai. – O garoto respondeu contrariado, voltando a procurar por alguma marca em seus pulsos. Teria de conviver com aquilo pelos próximos dias? A simples perspectiva lhe apavorava mais do que qualquer coisa que pudesse lhe ocorrer no tal jogo.
Por sua vez, uma menina morena adormecida encolhida na poltrona ouvia vozes ao longe... Talvez as vozes e o pequeno diálogo tinham despertado a voz de sua consciência. O que estava acontecendo? Tinha ido para a escola, depois saído com a Renata para o fliperama como sempre e depois... Não conseguia se recordar com exatidão. Parecia um sonho meio doido, tinha sido levada por seguranças até a fábrica de cosméticos, depois não conseguia se lembrar exatamente o que tinha acontecido. Ao abrir os olhos, sua mente demorou um pouco para interpretar o que estava acontecendo: Renata olhava para ela com uma expressão preocupada, dois meninos estranhos que nunca tinham visto olhavam pelas janelas e... hã... estava... em um... helicóptero?
- O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI?- Levantou em um pulo.
Os três outros acompanhantes do vôo assustaram-se com o grito repentino, enquanto Letícia se levantava e andava de um lado para o outro no exíguo vão entre as poltronas. O garoto de óculos no canto limitou-se a responder, com voz baixa e um tanto sarcástica:
- É tão complexo para um intelecto de indivíduos como vocês a simples percepção dos fatos? Estamos em um helicóptero em algum ponto sobre o Atlântico nesse momento.
- Não adianta vir bancar uma de cdf pra cima de mim não, seu idiota, não preciso desse blábláblá todo! – Letícia disse, avançando sobre ele já com os punhos fechados e se preparando para a pancada.
- Aqui não, sua maluca! – Marcelo puxou-a de volta para o banco. – Quer que a gente vire comida de tubarão?
- Letícia, ele tá certo, é melhor você ficar quieta agora, depois você resolve isso... – Renata disse, a preocupação totalmente perceptível em sua voz.
Ao perceber que realmente aquele não era momento de comprar brigas, a garota encolheu as pernas e abraçou-as em sue lugar, controlando-se para engolir toda a sua raiva. Era melhor chegarem onde quer que tivessem que chegar para depois acertar suas contas com aquele idiota que falava palavras complicadas só pra se mostrar.
Renata, por sua vez, olhava de um lado para o outro. Agora se lembrava, na reunião na noite anterior tinha um outro rapaz, mas só via aqueles dois ali! Será que estava enganada? Não, tinha certeza de que não, tinha visto!
***
Em algum ponto sobre o Atlântico, um helicóptero fazia barulhos ainda mais intensos do que o bater de hélices normal. Era pequeno, um modelo menor e mais antigo do que aquele em que os outros quatros jovens eram conduzidos até a ilha e estava sendo guiado pelo piloto automático. Havia apenas um tripulante a bordo, um garoto chamado Igor, que nesse momento, ao perceber além do barulho estranho um cheiro característico que queimado e ter a impressão de ter visto fumaça preta, teve por única reação ajoelhar-se no chão, juntar as mãos e dizer:
- Pai nosso que estais no céu...
Caso conseguisse terminar aquele dia vivo, já estaria muito satisfeito...
***
Depois de muito tempo e uma discussão produtiva entre Renata e Marcelo sobre fofocas de artistas – para desespero dos outros dois companheiros -, finalmente podiam ver um pontinho verde a frente que só fazia crescer. A noveleira, primeira a perceber a novidade, disse:
- Olhem, é a ilha!
- Finalmente – disse o menino de óculos.
- Já não era sem tempo – Letícia disse, ainda encolhida, sem olhar pela janela.
- Só, cara... – Marcelo comentou.
Quando finalmente se aproximaram, puderam ver várias árvores de um verde brilhante e convidativo, além de uma esplêndida cachoeira. Uma revoada de pássaros silvestres terminou de coroar o cenário perfeito, um ilha tropical paradisíaca bem ao gosto de milionários excêntricos construírem parques temáticos mais excêntricos ainda.
Sem maiores problemas o helicóptero aterrissou na pista de pouso e alguns seguranças meio parecidos com guarda-roupas padronizados abriram a porta do aparelho para que pudessem sair. Tudo dava a entender que eles estavam na cabine da máquina, mas eram tão discretos que nem se fizeram perceber...
A primeira reação de todos os quatro ao colocar finalmente os pés no solo foi arregalar os olhos para apreciar a bela vista – além de sentirem seus queixos caírem. Certamente era o lugar mais bonito que cada um deles já tinha visto na vida, era talvez o mais próximo do conceito comum de paraíso que podia haver. Só faltavam mesmo as palmeiras onde cantavam os sabiás, mas com sorte algum cientista do centro de observação se ateria a esse fato e as providenciaria.
Todo deslumbramento inicial foi rompido, porém, por um helicóptero meio torto, as asas com uma rotação estranha e muita fumaça e com o barulho característico de um fusca velho pousou e, mais do que depressa, um adolescente visivelmente aliviado abriu a porta - que se soltou e ficou no chão – e ajoelhou no solo, beijando-o sem parar:
- Senhor, obrigado pela graça alcançada... – Era tudo o que conseguia repetir.
Não demorou muito para que os seguranças o segurassem e levassem até junto de seus companheiros, jogando-o de qualquer jeito no chão, onde parou ajoelhado. Os outros quatro olharam espantados para a cena, ainda se acostumando com a idéia de estarem numa ilha paradisíaca após a longa viagem. Só foram definitivamente desligados do êxtase ao perceberem que os helicópteros davam partida e levantavam vôo, deixando-os sozinhos naquele lugar.
- Ei, esperem aí, vão nos deixar aqui desse jeito? – Letícia esbravejou.
- Pelo jeito já deixaram, né... – Renata comentou.
- Pô, cara... Que triste isso! – Resmungou Marcelo enquanto observava os helicópteros se tornarem pontinhos e posteriormente sumirem no horizonte.
- Obrigado, Deus, obrigado... – Era tudo o que Igor conseguia dizer.
O garoto de óculos, por sua vez, apenas suspirou. Após alguns minutos e a certeza de que ela aquilo mesmo, que realmente tinham sido deixados sozinhos naquele lugar, Igor puxou o assunto:
- Acho que seria legal nos apresentarmos... Meu nome é Igor.
- Marcelo.
- Renata.
- Letícia.
- Elton.
- E agora, o que fazemos? Uma fogueira, talvez? – Igor perguntou.
- E se tiver algum bicho perigoso aqui? – Marcelo perguntou, assustado.
- E você tem medo de bichos, sua frutinha? – Letícia disse, com um tom provocativo.
- Não sou frutinha!
- Ah, não... Nem chegou aqui e já está morrendo de medo de bichos!
- Quem deveria ter medo era você, você é menina, meninas têm medo de bichos!
- Eu vou te mostrar quem aqui tem medo de alguma coisa!
- Pessoal... – Renata disse antes da briga realmente esquentar. – Aquilo ali não é uma trilha?- Disse, apontando para uma direção.
- Talvez fosse conveniente segui-la. – Elton disse, coçando o queixo.
- Ta certo, cara. Vamos? – Igor disse, já seguindo na direção indicada.
Os cinco não mostraram resistência em segui-lo. A trilha era composta de pequenas pastilhas de pedra brilhantes, rodeada por florzinhas e vez ou outra eram acompanhados por borboletas. Não demorou muito para avistarem algumas construções que se pareciam com casas dispostas em um semicírculo, com um chafariz luminoso onde deveria ser o centro.
Apertaram o passo para chegar lá o mais rápido possível, mas foram surpreendidos por um acontecimento inesperado: na frente deles, onde antes não havia nada, materializou-se um ser grande, de pele escamosa, garras afiadas e grandes presas capazes de dilacerar corpos juvenis em questão de segundos!
- AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH! – Foi a única reação dos cinco adolescentes.
***
Atrasado, mas aqui. ;-)
- Tô com fome. – Reclamou o adolescente magricelo de boné, apoiado em uma janela.
- E era ontem que finalmente José Manuel assumiria seu amor por Clara Regina e eu perdi o capítulo! – Uma adolescente gordinha disse, contrariada.
- Era ontem? E a Silvana, não tinha armado para Clara Regina e dito que estava esperando um filho do José Manuel? – Esquecendo-se da fome, Marcelo continuou a render o assunto.
- Não, no capítulo de anteontem o Ricardo a chantageou para que contasse o segredo para ele, assim os dois poderão juntos destruir Clara Regina e se apossar de sua fortuna!
- Ah, só...
Em seu canto, um adolescente ligeiramente acima do peso polia as grossas lentes de seus óculos com sua camiseta, suspirando profundamente ao ouvir o assunto discutido. Ignorância da massa cegada por tramas medíocres! Olhou rapidamente para seus braços após colocar os óculos. Tinha ouvido no dia anterior acerca de chips para interpretação da programação do jogo, mas não via marca nenhuma de onde poderiam ter sido implantados. Coisa estranha, não se lembrava de muita coisa também desde a reunião no dia anterior até o momento em que se dera conta de que estava em um helicóptero...
- Escutem... Acaso sentiram algum efeito colateral advindo da suposta incisão responsável pela implantação de chips em nosso organismo ontem?
- Putz, cara, do que que você ta falando? – Marcelo disse, erguendo uma sobrancelha inquisitoriamente.
- Acaso notou alguma reação anormal de seu organismo desde ontem?
- Pô cara, não tamos na escola não, não precisa falar essas coisas de matéria de aula que ninguém entende!
- Esquece, vai. – O garoto respondeu contrariado, voltando a procurar por alguma marca em seus pulsos. Teria de conviver com aquilo pelos próximos dias? A simples perspectiva lhe apavorava mais do que qualquer coisa que pudesse lhe ocorrer no tal jogo.
Por sua vez, uma menina morena adormecida encolhida na poltrona ouvia vozes ao longe... Talvez as vozes e o pequeno diálogo tinham despertado a voz de sua consciência. O que estava acontecendo? Tinha ido para a escola, depois saído com a Renata para o fliperama como sempre e depois... Não conseguia se recordar com exatidão. Parecia um sonho meio doido, tinha sido levada por seguranças até a fábrica de cosméticos, depois não conseguia se lembrar exatamente o que tinha acontecido. Ao abrir os olhos, sua mente demorou um pouco para interpretar o que estava acontecendo: Renata olhava para ela com uma expressão preocupada, dois meninos estranhos que nunca tinham visto olhavam pelas janelas e... hã... estava... em um... helicóptero?
- O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI?- Levantou em um pulo.
Os três outros acompanhantes do vôo assustaram-se com o grito repentino, enquanto Letícia se levantava e andava de um lado para o outro no exíguo vão entre as poltronas. O garoto de óculos no canto limitou-se a responder, com voz baixa e um tanto sarcástica:
- É tão complexo para um intelecto de indivíduos como vocês a simples percepção dos fatos? Estamos em um helicóptero em algum ponto sobre o Atlântico nesse momento.
- Não adianta vir bancar uma de cdf pra cima de mim não, seu idiota, não preciso desse blábláblá todo! – Letícia disse, avançando sobre ele já com os punhos fechados e se preparando para a pancada.
- Aqui não, sua maluca! – Marcelo puxou-a de volta para o banco. – Quer que a gente vire comida de tubarão?
- Letícia, ele tá certo, é melhor você ficar quieta agora, depois você resolve isso... – Renata disse, a preocupação totalmente perceptível em sua voz.
Ao perceber que realmente aquele não era momento de comprar brigas, a garota encolheu as pernas e abraçou-as em sue lugar, controlando-se para engolir toda a sua raiva. Era melhor chegarem onde quer que tivessem que chegar para depois acertar suas contas com aquele idiota que falava palavras complicadas só pra se mostrar.
Renata, por sua vez, olhava de um lado para o outro. Agora se lembrava, na reunião na noite anterior tinha um outro rapaz, mas só via aqueles dois ali! Será que estava enganada? Não, tinha certeza de que não, tinha visto!
***
Em algum ponto sobre o Atlântico, um helicóptero fazia barulhos ainda mais intensos do que o bater de hélices normal. Era pequeno, um modelo menor e mais antigo do que aquele em que os outros quatros jovens eram conduzidos até a ilha e estava sendo guiado pelo piloto automático. Havia apenas um tripulante a bordo, um garoto chamado Igor, que nesse momento, ao perceber além do barulho estranho um cheiro característico que queimado e ter a impressão de ter visto fumaça preta, teve por única reação ajoelhar-se no chão, juntar as mãos e dizer:
- Pai nosso que estais no céu...
Caso conseguisse terminar aquele dia vivo, já estaria muito satisfeito...
***
Depois de muito tempo e uma discussão produtiva entre Renata e Marcelo sobre fofocas de artistas – para desespero dos outros dois companheiros -, finalmente podiam ver um pontinho verde a frente que só fazia crescer. A noveleira, primeira a perceber a novidade, disse:
- Olhem, é a ilha!
- Finalmente – disse o menino de óculos.
- Já não era sem tempo – Letícia disse, ainda encolhida, sem olhar pela janela.
- Só, cara... – Marcelo comentou.
Quando finalmente se aproximaram, puderam ver várias árvores de um verde brilhante e convidativo, além de uma esplêndida cachoeira. Uma revoada de pássaros silvestres terminou de coroar o cenário perfeito, um ilha tropical paradisíaca bem ao gosto de milionários excêntricos construírem parques temáticos mais excêntricos ainda.
Sem maiores problemas o helicóptero aterrissou na pista de pouso e alguns seguranças meio parecidos com guarda-roupas padronizados abriram a porta do aparelho para que pudessem sair. Tudo dava a entender que eles estavam na cabine da máquina, mas eram tão discretos que nem se fizeram perceber...
A primeira reação de todos os quatro ao colocar finalmente os pés no solo foi arregalar os olhos para apreciar a bela vista – além de sentirem seus queixos caírem. Certamente era o lugar mais bonito que cada um deles já tinha visto na vida, era talvez o mais próximo do conceito comum de paraíso que podia haver. Só faltavam mesmo as palmeiras onde cantavam os sabiás, mas com sorte algum cientista do centro de observação se ateria a esse fato e as providenciaria.
Todo deslumbramento inicial foi rompido, porém, por um helicóptero meio torto, as asas com uma rotação estranha e muita fumaça e com o barulho característico de um fusca velho pousou e, mais do que depressa, um adolescente visivelmente aliviado abriu a porta - que se soltou e ficou no chão – e ajoelhou no solo, beijando-o sem parar:
- Senhor, obrigado pela graça alcançada... – Era tudo o que conseguia repetir.
Não demorou muito para que os seguranças o segurassem e levassem até junto de seus companheiros, jogando-o de qualquer jeito no chão, onde parou ajoelhado. Os outros quatro olharam espantados para a cena, ainda se acostumando com a idéia de estarem numa ilha paradisíaca após a longa viagem. Só foram definitivamente desligados do êxtase ao perceberem que os helicópteros davam partida e levantavam vôo, deixando-os sozinhos naquele lugar.
- Ei, esperem aí, vão nos deixar aqui desse jeito? – Letícia esbravejou.
- Pelo jeito já deixaram, né... – Renata comentou.
- Pô, cara... Que triste isso! – Resmungou Marcelo enquanto observava os helicópteros se tornarem pontinhos e posteriormente sumirem no horizonte.
- Obrigado, Deus, obrigado... – Era tudo o que Igor conseguia dizer.
O garoto de óculos, por sua vez, apenas suspirou. Após alguns minutos e a certeza de que ela aquilo mesmo, que realmente tinham sido deixados sozinhos naquele lugar, Igor puxou o assunto:
- Acho que seria legal nos apresentarmos... Meu nome é Igor.
- Marcelo.
- Renata.
- Letícia.
- Elton.
- E agora, o que fazemos? Uma fogueira, talvez? – Igor perguntou.
- E se tiver algum bicho perigoso aqui? – Marcelo perguntou, assustado.
- E você tem medo de bichos, sua frutinha? – Letícia disse, com um tom provocativo.
- Não sou frutinha!
- Ah, não... Nem chegou aqui e já está morrendo de medo de bichos!
- Quem deveria ter medo era você, você é menina, meninas têm medo de bichos!
- Eu vou te mostrar quem aqui tem medo de alguma coisa!
- Pessoal... – Renata disse antes da briga realmente esquentar. – Aquilo ali não é uma trilha?- Disse, apontando para uma direção.
- Talvez fosse conveniente segui-la. – Elton disse, coçando o queixo.
- Ta certo, cara. Vamos? – Igor disse, já seguindo na direção indicada.
Os cinco não mostraram resistência em segui-lo. A trilha era composta de pequenas pastilhas de pedra brilhantes, rodeada por florzinhas e vez ou outra eram acompanhados por borboletas. Não demorou muito para avistarem algumas construções que se pareciam com casas dispostas em um semicírculo, com um chafariz luminoso onde deveria ser o centro.
Apertaram o passo para chegar lá o mais rápido possível, mas foram surpreendidos por um acontecimento inesperado: na frente deles, onde antes não havia nada, materializou-se um ser grande, de pele escamosa, garras afiadas e grandes presas capazes de dilacerar corpos juvenis em questão de segundos!
- AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH! – Foi a única reação dos cinco adolescentes.
***
Atrasado, mas aqui. ;-)
terça-feira, novembro 15, 2005
Luz e Sombra
A grande lua cheia era como uma luz de prata no céu noturno, como uma jóia responsável por afastar a escuridão. Olhando para os humanos logo a seus pés, porém, era perceptível que tinham encontrado sua própria maneira de afastá-la: muitas luzes, das mais diferentes cores, formas e intensidades, formavam um dia artificial na grande cidade. Os habitantes dela andavam de um lado para outro tal qual formigas, não interessava ser tarde da noite, era como se realmente o dia nunca tivesse um fim.
Os dois seres estavam sobre a cobertura do maior prédio daquele centro comercial, observando o que ocorria a seus pés. Aquelas eram as jóias do Criador, as criaturas tentadas pela Serpente e expulsas do Éden eras atrás. Os seres dotados dos maiores dos dons: mortalidade e livre-arbítrio. Invejavam-nos.
- Essas são as jóias do Criador... Tão frágeis, dotados apenas do sopro de uma vida breve... – Disse a criatura feminina, contemplando-os.
- Do que adianta sermos imortais se não somos livres? A pouca liberdade que temos nos faz necessariamente escolher um lado ou o outro de uma guerra que não começamos?
- Não esperava vê-lo novamente – Disse ela com um sorriso nos lábios.
- Está tão linda quando do último dia em que nos vimos... Quanto tempo já faz?
- Muito mais do que uma mente humana poderia mensurar, mas para pessoas em nossa situação... Não faz muita diferença. – Os cachos louros refletiam a luz do luar.
- Você está certa.
Ficaram em silêncio por alguns minutos, observando o ir-e-vir das pessoas abaixo deles. A agitação da grande metrópole não podia parar, muito tempo as atribuições do mundo moderno. Eram poucos aqueles que, por alguns minutos, tentavam prestar atenção naquilo que acontecia ao seu redor.
- Tenho inveja deles. – O ser feminino disse.
- E eu, pena. – Foi a resposta do ser masculino.
- Por que pena?
- E por que inveja?
- Porque eles são livres para fazerem suas próprias escolhas. Porque eles não participam de uma guerra que pune ferozmente aqueles que ousam ter uma opinião própria. Porque eles são os seres mais preciosos de toda a Criação, mas não têm consciência disso. Porque a eternidade deles é bem diferente da nossa...
- Sabe que é justamente por isso que tenho pena? Eles se esqueceram disso. Ficaram tão maravilhados com suas próprias criações que se esqueceram de sua própria essência. Já não podem nos ver ou sentir caso passemos perto deles, já não sabem seu lugar entre as esferas e planos, já não pressentem a eternidade destinada a eles. E mesmo o dom da mortalidade é desperdiçado com mesquinharias...
A existência feminina riu baixinho.
- O que foi? – Inquiriu seu acompanhante.
- Acho que ao perceber o que sentimos diante deles fica óbvia qual foi a escolha que fizemos.
Foi a vez da existência masculina rir.
- Não sente saudades do Céu?
- Um pouco. Mas fui punida por pensar demais, caso não se lembra. Cortaram minhas asas e me atiraram fora... É assim que fazem com aqueles diferentes, marcam-nos como demônios e depois os banem.
- Não acho o Céu tão cruel quanto vocês fazem parecer. Você mesma disse que é tudo uma questão de escolha e que somos impelidos a fazê-la. A minha continua a ser estar junto dos outros iguais a mim.
- Manipulado... – Disse ela com desdém.
- Todos os lados são manipulados, minha querida... Agora, tenho afazeres no Céu... Voltaremos a nos encontrar em breve.
O anjo estendeu suas longas asas brancas antes de partir, deixando a demônio nostálgica acerca das asas brancas que perdera um dia. Certamente se encontrariam de novo nos tempos de paz, mas quando a guerra começasse, sabia que os discursos entre eles seriam bem diferentes...
***
E até mais! ;-)
Os dois seres estavam sobre a cobertura do maior prédio daquele centro comercial, observando o que ocorria a seus pés. Aquelas eram as jóias do Criador, as criaturas tentadas pela Serpente e expulsas do Éden eras atrás. Os seres dotados dos maiores dos dons: mortalidade e livre-arbítrio. Invejavam-nos.
- Essas são as jóias do Criador... Tão frágeis, dotados apenas do sopro de uma vida breve... – Disse a criatura feminina, contemplando-os.
- Do que adianta sermos imortais se não somos livres? A pouca liberdade que temos nos faz necessariamente escolher um lado ou o outro de uma guerra que não começamos?
- Não esperava vê-lo novamente – Disse ela com um sorriso nos lábios.
- Está tão linda quando do último dia em que nos vimos... Quanto tempo já faz?
- Muito mais do que uma mente humana poderia mensurar, mas para pessoas em nossa situação... Não faz muita diferença. – Os cachos louros refletiam a luz do luar.
- Você está certa.
Ficaram em silêncio por alguns minutos, observando o ir-e-vir das pessoas abaixo deles. A agitação da grande metrópole não podia parar, muito tempo as atribuições do mundo moderno. Eram poucos aqueles que, por alguns minutos, tentavam prestar atenção naquilo que acontecia ao seu redor.
- Tenho inveja deles. – O ser feminino disse.
- E eu, pena. – Foi a resposta do ser masculino.
- Por que pena?
- E por que inveja?
- Porque eles são livres para fazerem suas próprias escolhas. Porque eles não participam de uma guerra que pune ferozmente aqueles que ousam ter uma opinião própria. Porque eles são os seres mais preciosos de toda a Criação, mas não têm consciência disso. Porque a eternidade deles é bem diferente da nossa...
- Sabe que é justamente por isso que tenho pena? Eles se esqueceram disso. Ficaram tão maravilhados com suas próprias criações que se esqueceram de sua própria essência. Já não podem nos ver ou sentir caso passemos perto deles, já não sabem seu lugar entre as esferas e planos, já não pressentem a eternidade destinada a eles. E mesmo o dom da mortalidade é desperdiçado com mesquinharias...
A existência feminina riu baixinho.
- O que foi? – Inquiriu seu acompanhante.
- Acho que ao perceber o que sentimos diante deles fica óbvia qual foi a escolha que fizemos.
Foi a vez da existência masculina rir.
- Não sente saudades do Céu?
- Um pouco. Mas fui punida por pensar demais, caso não se lembra. Cortaram minhas asas e me atiraram fora... É assim que fazem com aqueles diferentes, marcam-nos como demônios e depois os banem.
- Não acho o Céu tão cruel quanto vocês fazem parecer. Você mesma disse que é tudo uma questão de escolha e que somos impelidos a fazê-la. A minha continua a ser estar junto dos outros iguais a mim.
- Manipulado... – Disse ela com desdém.
- Todos os lados são manipulados, minha querida... Agora, tenho afazeres no Céu... Voltaremos a nos encontrar em breve.
O anjo estendeu suas longas asas brancas antes de partir, deixando a demônio nostálgica acerca das asas brancas que perdera um dia. Certamente se encontrariam de novo nos tempos de paz, mas quando a guerra começasse, sabia que os discursos entre eles seriam bem diferentes...
***
E até mais! ;-)
terça-feira, novembro 08, 2005
Escolha
Estava sentado, parado, apoiado na parede. O barulho das máquinas naquele quarto era a trilha sonora sempre constante, as luzes nos aparelhos demonstravam seus sinais vitais. Podia ver a bomba que subia e descia no ritmo cadenciado de sua respiração, já não tinha forças para inspirar. Na verdade, já não tinha forças para abrir seus olhos, tudo era um pesadelo escuro de onde não podia simplesmente despertar.
Observava seu corpo estirado naquela cama de hospital. Lembrava-se apenas de estar junto com as tropas, estavam sendo deslocados para eliminar um grupo de rebeldes naquela guerra civil que já durava tantos anos... Pisou em falso e tudo ficara escuro, desde então tivera apenas alguns lampejos de consciência durante os dias (ou semanas, ou meses) em que estava ali. Os tubos na boca o impediam de se comunicar, já não havia mãos que pudesse mexer, os olhos já não queriam enxergar.
Continuou apoiado naquela parede branca e fria do hospital enquanto olhava para seu corpo inerte logo à sua frente. Alguém ainda ousava chamar aquilo de vida? Estava ainda preso a seu corpo, mas já não vivia. Todavia, não ganhara ainda a libertação da morte.
Porém, como se finalmente suas preces tivessem sido atendidas, uma garota de não mais do que doze anos, vestindo corpete preto e saia da mesma cor, os grandes olhos negros refletindo uma calma imensa. Sorria ao encostar a mão delicadamente branca em seu ombro.
- Clamaste tanto por minha presença, Mateus, estou aqui.
- Podemos ir embora logo, então?
- Ainda poderás escolher, terás tua última chance...
Nesse mesmo instante, uma equipe hospitalar entrou no quarto. Eram três homens e duas mulheres um tanto diferentes dos médicos que estava acostumado a ver ou das enfermeiras que vez ou outra monitoravam seus estáveis sinais vitais, eram completos desconhecidos que invadiam seu quarto. Podia ouvir um deles, carregando um palmtop, dizer:
- É o soldado identificação 0857442 da seção 5. Perdeu os membros superiores e inferiores, perdeu totalmente a visão e sofreu queimaduras pelo corpo. Uma cobaia perfeita para a operação Endo Machina para o soldado perfeito. A escolha seria passar o resto da existência em coma, até o dia em que os aparelhos sejam requisitados para uma vida que tenha o real potencial de ser salva.
De um carrinho, alguns pedaços de um metal que não pôde reconhecer foram retirados. Eram parecidos com próteses e, pelo que pôde ouvir da conversa entre aqueles homens, era de uma liga metálica ultraresistente que o faria correr mais rápido que um homem comum, além de resistir a uma explosão de mina terrestre. Não haveria dinheiro a perder naquele projeto.
Era estranho observar a pouca carne que lhe restava ser rasgada e o som dos aparelhos que montavam suas novas pernas e braços. A garota a seu lado observava fixamente a cena, mas para ele era desconcertante observar o uso feito de seu próprio corpo.
- Ceifadora, por quanto tempo ainda profanarão meu corpo?
A menina apenas sorriu ao responder.
- Não sou ceifadora, cabe aos próprios humanos traçarem seus próprios rumos. A morte é certeza, aproximá-la ou afastá-la cabe aos viventes.
Continuou a observar a animada conversa dos cientistas, que abriam seu peito em busca de seu coração. Já não lhe seria útil um invólucro de carne, uma bomba controlada por energia auto-alimentável seria mais útil a um soldado perfeito do que a imperfeição orgânica. Colocou a mão no peito ao observar: em nome de um pretenso progresso, violavam seu corpo?
- A consciência será mantida? – Um dos cientistas perguntou.
- Restauraremos os olhos e aplicaremos um mecanismo eletrônico capaz de regular todas as funções do corpo, assim como um cérebro faria, ou até melhor. Será aplicada também uma inteligência artificial programável para o perfeito cumprimento das ordens em campo de batalha. Toda a consciência anterior será deletada, não fará diferença a nosso soldado.
Nesse momento, Mateus apertou a mão da garota a seu lado. A perfeição de um deus dentro da máquina era melhor do que a de um soldado que não conseguira fazer mais do que entrar em coma dentro de um campo de batalha, sua decisão já estava tomada. Disse calmamente enquanto observava as ferramentas prontas para abrirem seu crânio e implantarem a nova existência de seu corpo.
- Vamos embora, deixemos os homens e suas batalhas.
Calmamente, foram andando por um caminho de luz que se abria até desaparecerem. A
escolha feita era óbvia, afinal um espírito seria algo totalmente inútil e dispensável a um soldado perfeito.
***
Sexta-feira tem mais historinha! XD~
E até a próxima. :-)
Observava seu corpo estirado naquela cama de hospital. Lembrava-se apenas de estar junto com as tropas, estavam sendo deslocados para eliminar um grupo de rebeldes naquela guerra civil que já durava tantos anos... Pisou em falso e tudo ficara escuro, desde então tivera apenas alguns lampejos de consciência durante os dias (ou semanas, ou meses) em que estava ali. Os tubos na boca o impediam de se comunicar, já não havia mãos que pudesse mexer, os olhos já não queriam enxergar.
Continuou apoiado naquela parede branca e fria do hospital enquanto olhava para seu corpo inerte logo à sua frente. Alguém ainda ousava chamar aquilo de vida? Estava ainda preso a seu corpo, mas já não vivia. Todavia, não ganhara ainda a libertação da morte.
Porém, como se finalmente suas preces tivessem sido atendidas, uma garota de não mais do que doze anos, vestindo corpete preto e saia da mesma cor, os grandes olhos negros refletindo uma calma imensa. Sorria ao encostar a mão delicadamente branca em seu ombro.
- Clamaste tanto por minha presença, Mateus, estou aqui.
- Podemos ir embora logo, então?
- Ainda poderás escolher, terás tua última chance...
Nesse mesmo instante, uma equipe hospitalar entrou no quarto. Eram três homens e duas mulheres um tanto diferentes dos médicos que estava acostumado a ver ou das enfermeiras que vez ou outra monitoravam seus estáveis sinais vitais, eram completos desconhecidos que invadiam seu quarto. Podia ouvir um deles, carregando um palmtop, dizer:
- É o soldado identificação 0857442 da seção 5. Perdeu os membros superiores e inferiores, perdeu totalmente a visão e sofreu queimaduras pelo corpo. Uma cobaia perfeita para a operação Endo Machina para o soldado perfeito. A escolha seria passar o resto da existência em coma, até o dia em que os aparelhos sejam requisitados para uma vida que tenha o real potencial de ser salva.
De um carrinho, alguns pedaços de um metal que não pôde reconhecer foram retirados. Eram parecidos com próteses e, pelo que pôde ouvir da conversa entre aqueles homens, era de uma liga metálica ultraresistente que o faria correr mais rápido que um homem comum, além de resistir a uma explosão de mina terrestre. Não haveria dinheiro a perder naquele projeto.
Era estranho observar a pouca carne que lhe restava ser rasgada e o som dos aparelhos que montavam suas novas pernas e braços. A garota a seu lado observava fixamente a cena, mas para ele era desconcertante observar o uso feito de seu próprio corpo.
- Ceifadora, por quanto tempo ainda profanarão meu corpo?
A menina apenas sorriu ao responder.
- Não sou ceifadora, cabe aos próprios humanos traçarem seus próprios rumos. A morte é certeza, aproximá-la ou afastá-la cabe aos viventes.
Continuou a observar a animada conversa dos cientistas, que abriam seu peito em busca de seu coração. Já não lhe seria útil um invólucro de carne, uma bomba controlada por energia auto-alimentável seria mais útil a um soldado perfeito do que a imperfeição orgânica. Colocou a mão no peito ao observar: em nome de um pretenso progresso, violavam seu corpo?
- A consciência será mantida? – Um dos cientistas perguntou.
- Restauraremos os olhos e aplicaremos um mecanismo eletrônico capaz de regular todas as funções do corpo, assim como um cérebro faria, ou até melhor. Será aplicada também uma inteligência artificial programável para o perfeito cumprimento das ordens em campo de batalha. Toda a consciência anterior será deletada, não fará diferença a nosso soldado.
Nesse momento, Mateus apertou a mão da garota a seu lado. A perfeição de um deus dentro da máquina era melhor do que a de um soldado que não conseguira fazer mais do que entrar em coma dentro de um campo de batalha, sua decisão já estava tomada. Disse calmamente enquanto observava as ferramentas prontas para abrirem seu crânio e implantarem a nova existência de seu corpo.
- Vamos embora, deixemos os homens e suas batalhas.
Calmamente, foram andando por um caminho de luz que se abria até desaparecerem. A
escolha feita era óbvia, afinal um espírito seria algo totalmente inútil e dispensável a um soldado perfeito.
***
Sexta-feira tem mais historinha! XD~
E até a próxima. :-)
sexta-feira, novembro 04, 2005
Terras Secretas - Capítulo 3: Fúria Adolescente
- Toma, seu desgraçado!
A frase, dita em voz alta, assim como as gargalhadas subseqüentes e as pancadas dadas na máquina ecoaram por todo o salão, como já estava se tornando um hábito diário. Era estranho ressaltar também que o fliperama, depois de tapas que o faziam literalmente levantar do chão, ainda estivesse funcionando depois de tanto tempo maltratado daquela maneira. Outra voz, um pouco mais calma e assustada, dizia:
- Letícia, vamos embora... Daqui a pouco é hora do almoço e depois tem a novela de depois do almoço, não posso perdê-la!
- Nós não vamos embora agora porque estou quase batendo meu recorde! MORRA, SER ESTÚPIDO QUE OUSOU ME DESAFIAAAAR!
As gargalhadas continuavam, assim como os tapas, para desespero da menina gordinha e tímida logo a seu lado. Todo mundo estava olhando para elas! Dava para parar com todo aquele exibicionismo pelo menos, antes que o dono do lugar colocasse seguranças para tirá-las dali?
Mas nada daquilo parecia incomodar a menina pequenina, de pele morena e dos longos cabelos encaracolados presos num rabo-de-cavalo. Era assim praticamente todos os dias, isso quando ela não gastava horas demonstrando seus talentos nas aulas de educação física ou arrumando brigas com outras pessoas. Difícil dizer qual dos meninos do colégio ainda não havia apanhado dela... Pelo menos o videogame de luta tinha diminuído um pouco todo aquele ímpeto de violência, agora dirigido à máquina.
Portanto, não foi surpresa quando dois seguranças engravatados e meio parecidos com guarda-roupas entraram pelo salão e forma diretamente para a máquina onde elas estavam, sendo que um deles perguntou:
- Senhorita Letícia Aguiar?
- MORRA, MORRA! HAHAHAHAHA!
- É ela mesma, senhor, mas nós logo iremos embora daqui, não precisa nos mandar embora!
Letícia, vamos, está na hora de ir...
- Já disse que não está na hora! – Letícia respondeu rispidamente.
Como se o segurança já esperasse por tal reação, rapidamente ele passou os braços por trás dos braços da garota, imobilizando-a enquanto ela percebia o que acontecia:
- Espera aí... Dá pra me soltar? Estou quase chegando nos noventa e nove milhões de pontos, o mais alto do ranking! – Não houve reação, então ela começou a espernear. – Isso é um abuso ao meu direito de ir e vir! ME SOLTA, CARAMBA! Você não pode fazer isso comigo, você não pode me levar assim, isso é um absurdo, isso é contra as leis...
Enquanto Letícia continuava a reclamar, o segurança, sem esboçar reação alguma, continuava a levá-la pelo grande salão até desaparecer pela porta. O segundo segurança observou a outra menina, presumivelmente morta de vergonha, de olhos vidrados no caminho percorrido pela amiga.
- Renata Ribeiro?
Não houve resposta, a menina estava literalmente paralisada. Era demais para ela toda aquela gritaria, bagunça e um segurança levando sua amiga aos gritos para fora. A solução foi pega-la pela mão e arrasta-la para fora assim como se arrastaria uma estátua de gesso. Antes de saírem, o segurança não se esqueceu de distribuir alguns trocados para os poucos meninos que estavam ali jogando qualquer coisa – e que acharam muito bem-feito ver Letícia levada daquele jeito, afinal todos eles já tinham tomado ao mínimo umas cinco surras homéricas em qualquer jogo do estabelecimento, além dos que tomaram algumas pancadas fora do jogo também – e uma quantia um pouco maior para os funcionários do fliperama – que acharam um verdadeiro alívio todo o fim daquela gritaria e barulheira.
Logo, as duas estavam dentro de uma BMW preta, cercadas de seguranças, que seguia rapidamente pelas ruas da cidade na direção da fábrica de cosméticos, visão onipresente para todos, afinal ficava em um ponto alto da cidade e a construção de tijolinhos cor-de-rosa e alguns pontos de néon da mesma cor não passaria despercebida a ninguém, isso com toda a certeza. Neste caso específico não houve muito barulho ou resistência, afinal Renata ainda estava em estado de choque e tinham tomado a decisão de imobilizar Letícia, amarrando-a e amordaçando-a para que ficasse quieta.
As duas jovens foram carregadas pelos corredores da fábrica até chegarem a um elevador, que desceu até alguns andares e chegou em uma base secreta cheia de computadores e cientistas que não tinham mais nada interessante para fazer e ficavam o dia inteiro andando de um lado para o outro com pranchetas na mão. Foram recepcionadas por um sujeito bonitão vestindo um jaleco branco impecável e roupas totalmente informais por baixo dele.
- Sejam bem-vindas, caras convidadas.
Letícia mal acabara de ser desamordaçada e já gritava:
- ISSO É UM VERDADEIRO ABSURDO! Onde estão os meus direitos nisso tudo? Cadê minha liberdade de ir e vir, vocês estão me seqüestrando, entenderam bem, seqüestrando! Quando minha família souber o que está acontecendo aqui vai pôr todos vocês na cadeia, entenderam? CADEIA!
O cientista suspirou profundamente antes de prosseguir:
- Senhorita, sou apenas um empregado aqui, sabe? Eles pagam meu salário em dia e cumprem todas as suas obrigações, além de sobrar dinheiro para comprar roupas bonitas e gel para o cabelo! Eu apenas obedeço ordens, deu pra entender?
- Vocês não estão entendendo, vão me desamarrar AGORA! Como vocês se atrevem a me amarrar, hein? ME SOLTEM IMEDIATAMENTE!
- É melhor para nossa segurança e para a sua que permaneça amarrada, pelo menos enquanto escuta as regras. Depois tudo estará melhor, entendeu?
Por sua vez, Renata ainda estava estática, era como tudo o que acontecia ao seu redor parecesse um sonho muito distante... Era como se tudo estivesse enevoado pela mesma fumaça cor-de-rosa liberada todos os dias pela fábrica às cinco da tarde, era como se tudo estivesse entre a neblina e fosse real. O que estava acontecendo mesmo? Lembrava-se vagamente do fliperama, de uma gritaria, de querer ir embora por ser quase a hora da novela, dos seguranças colocando a amiga para fora... Depois disso tudo ficava enevoado, mas parecia que sua visão voltava... E logo à sua frente...
- BRAD PITT! – Gritou ela, antes de pular em cima do cientista, que começava a se perguntar se apesar de pagarem seu salário em dia tinha feito uma boa escolha ao aceitar aquele emprego.
Os seguranças conseguiram impedir que a menina derrubasse o cientista no chão, o amassasse e mordesse como todas as garotas fanáticas pelo Brad Pitt têm vontade de fazer com o mesmo, fazendo com que o cientista se recomposse e voltasse a falar:
- Não, eu não sou o Brad Pitt, apenas muito parecido com ele. – Ele se controlava para não encher de bolachas a menina que tinha desfeito seu penteado e sujado seu jaleco, além de se perguntar se não deveria manter as duas amarradas. – Vocês estão aqui porque foram convidadas para um projeto muito importante e especial. Nós somos do Conglomerado Reverie e estamos criando um novo sistema que revolucionará o mercado dos MMORPG, o que nos colocará décadas adiante da concorrência. Vocês foram convidadas para testarem o sistema e garantir que tudo estará bem para o lançamento comercial, em breve.
- EU RECUSO. – Gritou Letícia. – Vocês foram me tirar do MEU fliperama pra jogar um desses jogos retardados de matar bichinho e jogar magiquinha? Ah, tenha santa paciência!
- Mas eu não quero perder a novela! – Choramingou Renata.
- Vocês não podem recusar. Estão aqui porque foram selecionadas a dedo para esse projeto e só sairão daqui caso sobrevivam, quando acharmos que deverão sair. Não tem escolha, entenderam bem? Portanto acho melhor as mocinhas se comportarem.
- Ah, sobreviver? ISSO É SEQUESTRO! Assim que meus pais souberem vão processar todos vocês e colocar todos vocês na cadeia, entenderam? Além da indenização milionária que vamos pedir!
- Sabe por que resolvemos fazer nossos experimentos com pessoas deste país, minha cara? Aqui é tudo tão ineficiente que não nos processarão... Além do que, são cinco moscas perto de uma organização de proporções mundiais, acha mesmo que ganhariam algum processo?
- NÃO INTERESSA! A polícia antes do fim do dia estará atrás de vocês!
- Seus pais neste mesmo momento estão sendo avisados e assinando um contrato muito explicativo e exemplificativo sobre tudo o que está acontecendo aqui. E você está cansando a minha beleza, mocinha. – O cientista estalou os dedos e um de seus assistentes apareceu trazendo uma seringa com um estranho conteúdo verde em seu interior. – Vai ficar calminha agora, entendeu?
- QUE PIADA É ESSA? Estão tentando inocular alguma coisa em mim, é? E quem são vocês para acharem que podem fazer isso? – Letícia se debatia entre as cordas, mas o assistente não teve problemas em aplicar-lhe a injeção. – Você vai PAGAR CARO por isso, entendeu? Vai pagar...
Letícia não concluiu a frase por estar levemente adormecida. Renata, ao observar a cena, ainda contida pelos seguranças, perguntou:
- Vai ficar tudo bem com ela, certo? Ela pode parecer nervosa assim mas não é uma má pessoa, só um pouco agitada demais...
- Não haverá problema algum. Logo ela acordará e estará um pouco mais calma. Enquanto ela não acorda, deixarei as duas aqui vigiadas pelos seguranças enquanto os outros não chegam. Não quero que faça nenhuma outra gracinha do tipo, entendeu?
- Tudo bem e... me desculpe por aquela hora, já percebi que o senhor ficou ofendido. Não farei de novo, está bom?
- Affe, que seja. Apenas fique quieta e tudo estará bem, entendeu?
O cientista deixou rapidamente as duas garotas com os seguranças, enquanto suspirava de raiva por ter de pentear novamente os cabelos e haver uma manchinha em seu jaleco impecável, o que o obrigaria a trocá-lo. Criaturinhas irritantes, por ele ainda continuariam os testes com ratinhos por um bom tempo...
***
Algum tempo depois, Letícia ainda estava zonza, mas acompanhada de perto por sua amiga Renata, andava pelos corredores. Tinha uma ligeira vontade de quebrar tudo aquilo, mas tal vontade lhe parecia tãããããão distante naquele momento... Preferia mesmo era sentir o ar-condicionado na pele, respirar fundo aquela atmosfera tão artificial e sentir que a vida fluía por todo o seu ser. Os passos eram vagarosos, sentia seus pés no chão de concreto, era tudo tão belo que dava vontade de declamar poesias.
Renata, por sua vez, estava assustada com o fato da amiga cantarolar Bob Marley e começou a se perguntar o que diabos tinha na injeção que ela tomara...
Tinham sido guiadas para uma sala de reuniões e, no corredor, podiam ver um garoto magrelo cheio de espinhas e boné na cabeça, um outro menino cuja única marca característica eram os cabelos cacheados de cor louro-cinzenta, olhando assustado para todas as lâmpadas e ar-condicionados e um terceiro, cabelos negros muito curtos, um pouco acima do peso e com óculos de fundo de garrafa no rosto. Os cinco se entreolhavam e, ao entrarem na sala designada, conduzidos pelos seguranças, a curiosidade de um em relação ao outro só fazia aumentar. Na sala, um grupo de cientistas, além daqueles responsáveis por recepcioná-los algum tempo antes, os esperavam:
- Amanhã vocês serão levados para a ilha e daremos início ao nosso jogo, ao Projeto Terras Secretas. Nesta noite, serão sedados e receberão os implantes dos chips necessários para a decodificação do software e interpretação dos sinais dos programas pelo cérebro de vocês.
- Por obséquio, desejo inquirir acerca de um ponto. – O garoto de cabelos negros e curtos levantava a mão em seu lugar. – Qual o modo de funcionamento do mecanismo responsável pela transmissão das informações para o tecido nervoso e posterior interpretação?
Marcelo, o garoto de boné, olhando aquela cena, cutucou Igor, a seu lado, e perguntou:
- Cara, que que esse cara ta querendo dizer com isso?
- Sei não... – Foi a resposta.
- Vocês receberão dois implantes de microchips: um deles será implantado na região do pulso e receberá os protocolos WAP responsáveis pelos dados implantados em uma realidade criada por computação. O outro chip, instalado na nuca, transmitirá a informação decodificada para o cérebro, gerando os estímulos visuais e sensoriais responsáveis pelos eventos aos quais serão expostos. Em suma, nossa tecnologia permitirá a junção entre uma realidade virtual e o mundo real, a tal “matrix” idealizada por escritores, pesquisadores e teóricos aplicada à realidade.
- Cê tá entendendo alguma coisa? – Foi a vez de Igor perguntar para Marcelo.
- Tou não, cara. Acho que eles estão falando de filme...
- Testaremos o balanceamento de nossa inteligência artificial responsável pela programação. – Uma das cientistas tomou a palavra. – As reações sensoriais serão reais, independente do dano ter partido de um ambiente virtual. A princípio, pelos testes preliminares, apesar das dores e da sensação de dilaceramento dos membros ser real, não são suficientes para matar uma pessoa devido o choque, apenas paralisá-la. Mas não sabemos se o choque pode ser incontrolável ao ponto de ser fatal a alguém. - Ao ouvirem falar em morte, os quatro adolescentes estremeceram. Letícia, por sua vez, pensava que tudo era yin, yang e zen ao mesmo tempo. A cientista continuou. – Há uma equipe médica de prontidão para eventualidades e serão monitorados 24 horas por dia. Assim que concluirmos que todos os testes estejam acabados, serão trazidos de volta e recompensados pelo auxílio e disposição.
- Mas e meus pais? Eles devem estar preocupados! – Renata perguntou timidamente.
- Eles receberam um contrato e assinaram prontamente, vocês são nossa responsabilidade a partir de agora. Espero que ajam muito bem dentro do jogo e que tudo ocorra de acordo com o planejado. Logo vocês serão enviados para descansar em seus dormitórios e nos encarregaremos de todas as providências necessárias para a partida, que ocorrerá amanhã.
Os cinco adolescentes se entreolharam rapidamente. Era melhor que toda aquela esquisitice acabasse logo antes que algo ainda pior acontecesse com todos eles.
***
Nomes aleatórios.
E até terça que vem. ;-)
A frase, dita em voz alta, assim como as gargalhadas subseqüentes e as pancadas dadas na máquina ecoaram por todo o salão, como já estava se tornando um hábito diário. Era estranho ressaltar também que o fliperama, depois de tapas que o faziam literalmente levantar do chão, ainda estivesse funcionando depois de tanto tempo maltratado daquela maneira. Outra voz, um pouco mais calma e assustada, dizia:
- Letícia, vamos embora... Daqui a pouco é hora do almoço e depois tem a novela de depois do almoço, não posso perdê-la!
- Nós não vamos embora agora porque estou quase batendo meu recorde! MORRA, SER ESTÚPIDO QUE OUSOU ME DESAFIAAAAR!
As gargalhadas continuavam, assim como os tapas, para desespero da menina gordinha e tímida logo a seu lado. Todo mundo estava olhando para elas! Dava para parar com todo aquele exibicionismo pelo menos, antes que o dono do lugar colocasse seguranças para tirá-las dali?
Mas nada daquilo parecia incomodar a menina pequenina, de pele morena e dos longos cabelos encaracolados presos num rabo-de-cavalo. Era assim praticamente todos os dias, isso quando ela não gastava horas demonstrando seus talentos nas aulas de educação física ou arrumando brigas com outras pessoas. Difícil dizer qual dos meninos do colégio ainda não havia apanhado dela... Pelo menos o videogame de luta tinha diminuído um pouco todo aquele ímpeto de violência, agora dirigido à máquina.
Portanto, não foi surpresa quando dois seguranças engravatados e meio parecidos com guarda-roupas entraram pelo salão e forma diretamente para a máquina onde elas estavam, sendo que um deles perguntou:
- Senhorita Letícia Aguiar?
- MORRA, MORRA! HAHAHAHAHA!
- É ela mesma, senhor, mas nós logo iremos embora daqui, não precisa nos mandar embora!
Letícia, vamos, está na hora de ir...
- Já disse que não está na hora! – Letícia respondeu rispidamente.
Como se o segurança já esperasse por tal reação, rapidamente ele passou os braços por trás dos braços da garota, imobilizando-a enquanto ela percebia o que acontecia:
- Espera aí... Dá pra me soltar? Estou quase chegando nos noventa e nove milhões de pontos, o mais alto do ranking! – Não houve reação, então ela começou a espernear. – Isso é um abuso ao meu direito de ir e vir! ME SOLTA, CARAMBA! Você não pode fazer isso comigo, você não pode me levar assim, isso é um absurdo, isso é contra as leis...
Enquanto Letícia continuava a reclamar, o segurança, sem esboçar reação alguma, continuava a levá-la pelo grande salão até desaparecer pela porta. O segundo segurança observou a outra menina, presumivelmente morta de vergonha, de olhos vidrados no caminho percorrido pela amiga.
- Renata Ribeiro?
Não houve resposta, a menina estava literalmente paralisada. Era demais para ela toda aquela gritaria, bagunça e um segurança levando sua amiga aos gritos para fora. A solução foi pega-la pela mão e arrasta-la para fora assim como se arrastaria uma estátua de gesso. Antes de saírem, o segurança não se esqueceu de distribuir alguns trocados para os poucos meninos que estavam ali jogando qualquer coisa – e que acharam muito bem-feito ver Letícia levada daquele jeito, afinal todos eles já tinham tomado ao mínimo umas cinco surras homéricas em qualquer jogo do estabelecimento, além dos que tomaram algumas pancadas fora do jogo também – e uma quantia um pouco maior para os funcionários do fliperama – que acharam um verdadeiro alívio todo o fim daquela gritaria e barulheira.
Logo, as duas estavam dentro de uma BMW preta, cercadas de seguranças, que seguia rapidamente pelas ruas da cidade na direção da fábrica de cosméticos, visão onipresente para todos, afinal ficava em um ponto alto da cidade e a construção de tijolinhos cor-de-rosa e alguns pontos de néon da mesma cor não passaria despercebida a ninguém, isso com toda a certeza. Neste caso específico não houve muito barulho ou resistência, afinal Renata ainda estava em estado de choque e tinham tomado a decisão de imobilizar Letícia, amarrando-a e amordaçando-a para que ficasse quieta.
As duas jovens foram carregadas pelos corredores da fábrica até chegarem a um elevador, que desceu até alguns andares e chegou em uma base secreta cheia de computadores e cientistas que não tinham mais nada interessante para fazer e ficavam o dia inteiro andando de um lado para o outro com pranchetas na mão. Foram recepcionadas por um sujeito bonitão vestindo um jaleco branco impecável e roupas totalmente informais por baixo dele.
- Sejam bem-vindas, caras convidadas.
Letícia mal acabara de ser desamordaçada e já gritava:
- ISSO É UM VERDADEIRO ABSURDO! Onde estão os meus direitos nisso tudo? Cadê minha liberdade de ir e vir, vocês estão me seqüestrando, entenderam bem, seqüestrando! Quando minha família souber o que está acontecendo aqui vai pôr todos vocês na cadeia, entenderam? CADEIA!
O cientista suspirou profundamente antes de prosseguir:
- Senhorita, sou apenas um empregado aqui, sabe? Eles pagam meu salário em dia e cumprem todas as suas obrigações, além de sobrar dinheiro para comprar roupas bonitas e gel para o cabelo! Eu apenas obedeço ordens, deu pra entender?
- Vocês não estão entendendo, vão me desamarrar AGORA! Como vocês se atrevem a me amarrar, hein? ME SOLTEM IMEDIATAMENTE!
- É melhor para nossa segurança e para a sua que permaneça amarrada, pelo menos enquanto escuta as regras. Depois tudo estará melhor, entendeu?
Por sua vez, Renata ainda estava estática, era como tudo o que acontecia ao seu redor parecesse um sonho muito distante... Era como se tudo estivesse enevoado pela mesma fumaça cor-de-rosa liberada todos os dias pela fábrica às cinco da tarde, era como se tudo estivesse entre a neblina e fosse real. O que estava acontecendo mesmo? Lembrava-se vagamente do fliperama, de uma gritaria, de querer ir embora por ser quase a hora da novela, dos seguranças colocando a amiga para fora... Depois disso tudo ficava enevoado, mas parecia que sua visão voltava... E logo à sua frente...
- BRAD PITT! – Gritou ela, antes de pular em cima do cientista, que começava a se perguntar se apesar de pagarem seu salário em dia tinha feito uma boa escolha ao aceitar aquele emprego.
Os seguranças conseguiram impedir que a menina derrubasse o cientista no chão, o amassasse e mordesse como todas as garotas fanáticas pelo Brad Pitt têm vontade de fazer com o mesmo, fazendo com que o cientista se recomposse e voltasse a falar:
- Não, eu não sou o Brad Pitt, apenas muito parecido com ele. – Ele se controlava para não encher de bolachas a menina que tinha desfeito seu penteado e sujado seu jaleco, além de se perguntar se não deveria manter as duas amarradas. – Vocês estão aqui porque foram convidadas para um projeto muito importante e especial. Nós somos do Conglomerado Reverie e estamos criando um novo sistema que revolucionará o mercado dos MMORPG, o que nos colocará décadas adiante da concorrência. Vocês foram convidadas para testarem o sistema e garantir que tudo estará bem para o lançamento comercial, em breve.
- EU RECUSO. – Gritou Letícia. – Vocês foram me tirar do MEU fliperama pra jogar um desses jogos retardados de matar bichinho e jogar magiquinha? Ah, tenha santa paciência!
- Mas eu não quero perder a novela! – Choramingou Renata.
- Vocês não podem recusar. Estão aqui porque foram selecionadas a dedo para esse projeto e só sairão daqui caso sobrevivam, quando acharmos que deverão sair. Não tem escolha, entenderam bem? Portanto acho melhor as mocinhas se comportarem.
- Ah, sobreviver? ISSO É SEQUESTRO! Assim que meus pais souberem vão processar todos vocês e colocar todos vocês na cadeia, entenderam? Além da indenização milionária que vamos pedir!
- Sabe por que resolvemos fazer nossos experimentos com pessoas deste país, minha cara? Aqui é tudo tão ineficiente que não nos processarão... Além do que, são cinco moscas perto de uma organização de proporções mundiais, acha mesmo que ganhariam algum processo?
- NÃO INTERESSA! A polícia antes do fim do dia estará atrás de vocês!
- Seus pais neste mesmo momento estão sendo avisados e assinando um contrato muito explicativo e exemplificativo sobre tudo o que está acontecendo aqui. E você está cansando a minha beleza, mocinha. – O cientista estalou os dedos e um de seus assistentes apareceu trazendo uma seringa com um estranho conteúdo verde em seu interior. – Vai ficar calminha agora, entendeu?
- QUE PIADA É ESSA? Estão tentando inocular alguma coisa em mim, é? E quem são vocês para acharem que podem fazer isso? – Letícia se debatia entre as cordas, mas o assistente não teve problemas em aplicar-lhe a injeção. – Você vai PAGAR CARO por isso, entendeu? Vai pagar...
Letícia não concluiu a frase por estar levemente adormecida. Renata, ao observar a cena, ainda contida pelos seguranças, perguntou:
- Vai ficar tudo bem com ela, certo? Ela pode parecer nervosa assim mas não é uma má pessoa, só um pouco agitada demais...
- Não haverá problema algum. Logo ela acordará e estará um pouco mais calma. Enquanto ela não acorda, deixarei as duas aqui vigiadas pelos seguranças enquanto os outros não chegam. Não quero que faça nenhuma outra gracinha do tipo, entendeu?
- Tudo bem e... me desculpe por aquela hora, já percebi que o senhor ficou ofendido. Não farei de novo, está bom?
- Affe, que seja. Apenas fique quieta e tudo estará bem, entendeu?
O cientista deixou rapidamente as duas garotas com os seguranças, enquanto suspirava de raiva por ter de pentear novamente os cabelos e haver uma manchinha em seu jaleco impecável, o que o obrigaria a trocá-lo. Criaturinhas irritantes, por ele ainda continuariam os testes com ratinhos por um bom tempo...
***
Algum tempo depois, Letícia ainda estava zonza, mas acompanhada de perto por sua amiga Renata, andava pelos corredores. Tinha uma ligeira vontade de quebrar tudo aquilo, mas tal vontade lhe parecia tãããããão distante naquele momento... Preferia mesmo era sentir o ar-condicionado na pele, respirar fundo aquela atmosfera tão artificial e sentir que a vida fluía por todo o seu ser. Os passos eram vagarosos, sentia seus pés no chão de concreto, era tudo tão belo que dava vontade de declamar poesias.
Renata, por sua vez, estava assustada com o fato da amiga cantarolar Bob Marley e começou a se perguntar o que diabos tinha na injeção que ela tomara...
Tinham sido guiadas para uma sala de reuniões e, no corredor, podiam ver um garoto magrelo cheio de espinhas e boné na cabeça, um outro menino cuja única marca característica eram os cabelos cacheados de cor louro-cinzenta, olhando assustado para todas as lâmpadas e ar-condicionados e um terceiro, cabelos negros muito curtos, um pouco acima do peso e com óculos de fundo de garrafa no rosto. Os cinco se entreolhavam e, ao entrarem na sala designada, conduzidos pelos seguranças, a curiosidade de um em relação ao outro só fazia aumentar. Na sala, um grupo de cientistas, além daqueles responsáveis por recepcioná-los algum tempo antes, os esperavam:
- Amanhã vocês serão levados para a ilha e daremos início ao nosso jogo, ao Projeto Terras Secretas. Nesta noite, serão sedados e receberão os implantes dos chips necessários para a decodificação do software e interpretação dos sinais dos programas pelo cérebro de vocês.
- Por obséquio, desejo inquirir acerca de um ponto. – O garoto de cabelos negros e curtos levantava a mão em seu lugar. – Qual o modo de funcionamento do mecanismo responsável pela transmissão das informações para o tecido nervoso e posterior interpretação?
Marcelo, o garoto de boné, olhando aquela cena, cutucou Igor, a seu lado, e perguntou:
- Cara, que que esse cara ta querendo dizer com isso?
- Sei não... – Foi a resposta.
- Vocês receberão dois implantes de microchips: um deles será implantado na região do pulso e receberá os protocolos WAP responsáveis pelos dados implantados em uma realidade criada por computação. O outro chip, instalado na nuca, transmitirá a informação decodificada para o cérebro, gerando os estímulos visuais e sensoriais responsáveis pelos eventos aos quais serão expostos. Em suma, nossa tecnologia permitirá a junção entre uma realidade virtual e o mundo real, a tal “matrix” idealizada por escritores, pesquisadores e teóricos aplicada à realidade.
- Cê tá entendendo alguma coisa? – Foi a vez de Igor perguntar para Marcelo.
- Tou não, cara. Acho que eles estão falando de filme...
- Testaremos o balanceamento de nossa inteligência artificial responsável pela programação. – Uma das cientistas tomou a palavra. – As reações sensoriais serão reais, independente do dano ter partido de um ambiente virtual. A princípio, pelos testes preliminares, apesar das dores e da sensação de dilaceramento dos membros ser real, não são suficientes para matar uma pessoa devido o choque, apenas paralisá-la. Mas não sabemos se o choque pode ser incontrolável ao ponto de ser fatal a alguém. - Ao ouvirem falar em morte, os quatro adolescentes estremeceram. Letícia, por sua vez, pensava que tudo era yin, yang e zen ao mesmo tempo. A cientista continuou. – Há uma equipe médica de prontidão para eventualidades e serão monitorados 24 horas por dia. Assim que concluirmos que todos os testes estejam acabados, serão trazidos de volta e recompensados pelo auxílio e disposição.
- Mas e meus pais? Eles devem estar preocupados! – Renata perguntou timidamente.
- Eles receberam um contrato e assinaram prontamente, vocês são nossa responsabilidade a partir de agora. Espero que ajam muito bem dentro do jogo e que tudo ocorra de acordo com o planejado. Logo vocês serão enviados para descansar em seus dormitórios e nos encarregaremos de todas as providências necessárias para a partida, que ocorrerá amanhã.
Os cinco adolescentes se entreolharam rapidamente. Era melhor que toda aquela esquisitice acabasse logo antes que algo ainda pior acontecesse com todos eles.
***
Nomes aleatórios.
E até terça que vem. ;-)
segunda-feira, outubro 31, 2005
Reminiscências II
O céu e a terra. Era sua principal companhia de todos os momentos naquele lugar.
Era um dos dias finais de primavera, quando as nuvens carregadas parecem trazer o verão cada vez mais depressa, quando as tempestades eram cada vez mais freqüentes. Sentiu um arrepio percorre-la ao pensar em tempestades. Aquelas nuvens pretas no céu eram por si só ameaçadoras demais para ela, o espetáculo elétrico proporcionado pela natureza tinha dimensões apocalípticas a seus olhos. Fechou os olhos e abriu depressa para continuar olhando pela janela.
Horizonte... Nunca entendera direito a dimensão de tal palavra antes de morar naquele lugar. Podia ver o ponto onde céu e terra se tocavam, lá longe... O mundo era muito mais grandioso do que podia imaginar, seu encanto com a vista tão distante apenas a lembrava de que havia muito mais para ver e viver do que o aparente.
Sonhava em ser mais velha... Os doze anos eram suficientes apenas para admirar o horizonte, não serviam ainda para rumar de encontro ao ponto onde o céu tocava a terra. Gostava de se imaginar com seus dezenove ou vinte anos, como seria sua aparência, seu jeito de ser. Queria ser bonita e usar roupas bonitas, mas ser mais conhecida por sua inteligência. Talvez nessa idade já teria terminado de escrever seu romance, não seria linda uma noite de estréia?
Mas tinha tanta vergonha de mostrar aquilo que escrevia para os outros! Se não estava no computador naquela hora era justamente por isso, por saber que havia mais gente no quarto e o fato a incomodar, por mais que essas pessoas não se importassem muito com o que quer que estivesse escrevendo.
Continuou a olhar pela janela. Por alguma razão, era uma de suas principais diversões passar as horas ali, apenas sentindo a brisa em seu rosto ou vendo algum carro passar e quebrar a monotonia. Morava em um prédio, imediatamente em sua frente havia a cobertura de outro prédio, desocupada. Havia também três casas grandes que chamavam sua atenção: a primeira a esquerda tinha um quintal enorme todo cheio de azulejos e um cachorro um tanto barulhento. A da direita era grande, mas mal-ocupada: uma piscina pequena, um galinheiro próximo, uma casa velha de apenas um andar. Era engraçado notar que todos os anos, na Sexta-Feira Santa, o dono da casa servia um churrasco aos familiares. A casa do meio, todavia, era a que detinha sua atenção por mais tempo sempre que as observava... Tinha uma piscina enorme, ao seu redor o chão forrado de grandes pedras de cor cinza, além de um jardim cheio de plantas bonitas e bem-cuidadas. Era uma bela e moderna casa de dois andares, pelo que observara, de um casal de mais idade que de tempos em tempos recebia os filhos adultos. Desejava ter uma casa assim quando fosse uma profissional e pudesse receber seus filhos.
Pouco adiante, uma das avenidas mais agitadas da cidade. Era onde se reuniam os barzinhos e os apreciadores de música sertaneja, principalmente aquelas colocadas nas caixas de som dos carros nos domingos de tarde. Se nunca fora muito simpática a sertanejo, as constantes perturbações de seu sossego dominical faziam com que definitivamente não apreciasse o estilo.
Podia ver também uma simpática agência bancária. Era divertido quando havia greve dos bancários ou assaltos – duas vezes por semana religiosamente. Quando não via movimento nos filmes dos quais tanto gostava, era ali que procurava sua dose semanal de ação.
Um raio iluminou uma das nuvens, fazendo com que todo o seu corpo tremesse. Não podia chover, não queria que chovesse, não enquanto estivesse ali... Tinha vontade de se esconder debaixo da cama ou dentro de um dos armários, mas essa seria mais uma das chuvas que teria de enfrentar...
Havia um livro sobre a escrivaninha próxima, eram lições de matemática. Sobre elas, alguns desenhos de vestidos. Como gostaria de ter sua própria coleção de moda algum dia! Ela seria altamente glamourosa e tão elegante que qualquer mulher do mundo sonharia em vestir uma peça assinada por ela! Tinha de terminar os exercícios também, no dia seguinte haveria aula logo cedo e seria bom que tudo estivesse pronto a tempo.
Sorriu antes de fechar a veneziana da janela e sentar-se na cadeira cor-de-rosa em um pulo. Era bom dar uma última olhadinha naquele horizonte enorme que representava tudo aquilo que desejava para o futuro!
***
Desculpem, mas acho difícil exprimir a idéia de "anoitecer de junho ter cheiro de canela" em um texto. ^^
E até sexta. Espero. =)
Era um dos dias finais de primavera, quando as nuvens carregadas parecem trazer o verão cada vez mais depressa, quando as tempestades eram cada vez mais freqüentes. Sentiu um arrepio percorre-la ao pensar em tempestades. Aquelas nuvens pretas no céu eram por si só ameaçadoras demais para ela, o espetáculo elétrico proporcionado pela natureza tinha dimensões apocalípticas a seus olhos. Fechou os olhos e abriu depressa para continuar olhando pela janela.
Horizonte... Nunca entendera direito a dimensão de tal palavra antes de morar naquele lugar. Podia ver o ponto onde céu e terra se tocavam, lá longe... O mundo era muito mais grandioso do que podia imaginar, seu encanto com a vista tão distante apenas a lembrava de que havia muito mais para ver e viver do que o aparente.
Sonhava em ser mais velha... Os doze anos eram suficientes apenas para admirar o horizonte, não serviam ainda para rumar de encontro ao ponto onde o céu tocava a terra. Gostava de se imaginar com seus dezenove ou vinte anos, como seria sua aparência, seu jeito de ser. Queria ser bonita e usar roupas bonitas, mas ser mais conhecida por sua inteligência. Talvez nessa idade já teria terminado de escrever seu romance, não seria linda uma noite de estréia?
Mas tinha tanta vergonha de mostrar aquilo que escrevia para os outros! Se não estava no computador naquela hora era justamente por isso, por saber que havia mais gente no quarto e o fato a incomodar, por mais que essas pessoas não se importassem muito com o que quer que estivesse escrevendo.
Continuou a olhar pela janela. Por alguma razão, era uma de suas principais diversões passar as horas ali, apenas sentindo a brisa em seu rosto ou vendo algum carro passar e quebrar a monotonia. Morava em um prédio, imediatamente em sua frente havia a cobertura de outro prédio, desocupada. Havia também três casas grandes que chamavam sua atenção: a primeira a esquerda tinha um quintal enorme todo cheio de azulejos e um cachorro um tanto barulhento. A da direita era grande, mas mal-ocupada: uma piscina pequena, um galinheiro próximo, uma casa velha de apenas um andar. Era engraçado notar que todos os anos, na Sexta-Feira Santa, o dono da casa servia um churrasco aos familiares. A casa do meio, todavia, era a que detinha sua atenção por mais tempo sempre que as observava... Tinha uma piscina enorme, ao seu redor o chão forrado de grandes pedras de cor cinza, além de um jardim cheio de plantas bonitas e bem-cuidadas. Era uma bela e moderna casa de dois andares, pelo que observara, de um casal de mais idade que de tempos em tempos recebia os filhos adultos. Desejava ter uma casa assim quando fosse uma profissional e pudesse receber seus filhos.
Pouco adiante, uma das avenidas mais agitadas da cidade. Era onde se reuniam os barzinhos e os apreciadores de música sertaneja, principalmente aquelas colocadas nas caixas de som dos carros nos domingos de tarde. Se nunca fora muito simpática a sertanejo, as constantes perturbações de seu sossego dominical faziam com que definitivamente não apreciasse o estilo.
Podia ver também uma simpática agência bancária. Era divertido quando havia greve dos bancários ou assaltos – duas vezes por semana religiosamente. Quando não via movimento nos filmes dos quais tanto gostava, era ali que procurava sua dose semanal de ação.
Um raio iluminou uma das nuvens, fazendo com que todo o seu corpo tremesse. Não podia chover, não queria que chovesse, não enquanto estivesse ali... Tinha vontade de se esconder debaixo da cama ou dentro de um dos armários, mas essa seria mais uma das chuvas que teria de enfrentar...
Havia um livro sobre a escrivaninha próxima, eram lições de matemática. Sobre elas, alguns desenhos de vestidos. Como gostaria de ter sua própria coleção de moda algum dia! Ela seria altamente glamourosa e tão elegante que qualquer mulher do mundo sonharia em vestir uma peça assinada por ela! Tinha de terminar os exercícios também, no dia seguinte haveria aula logo cedo e seria bom que tudo estivesse pronto a tempo.
Sorriu antes de fechar a veneziana da janela e sentar-se na cadeira cor-de-rosa em um pulo. Era bom dar uma última olhadinha naquele horizonte enorme que representava tudo aquilo que desejava para o futuro!
***
Desculpem, mas acho difícil exprimir a idéia de "anoitecer de junho ter cheiro de canela" em um texto. ^^
E até sexta. Espero. =)
segunda-feira, outubro 24, 2005
Profetisa
Ajoelhei-me diante de seu altar. Impura, mulher impura e indigna! Indigna de clamar seu nome entre meus dentes enquanto desesperava-me, a mulher desejada que negara um dom sagrado! O corpo a tremer pelo desespero, pensamentos e mãos vacilantes na esperança daquele ser o único lugar seguro.
As chamas, finalmente materializadas, finalmente muito mais do que apenas visões esparsas de um destino certo! Mas não era isso o que queria? Não fui um brinquedo em suas mãos, a tola que diria as verdades – apenas para rirem delas? Sofram por sua própria ignorância, troianos!, era o que parte de meu ser dizia. Mas não adiantava, era o sangue de meu povo que lavava os portões, era toda a tradição de séculos alimentando as chamas.
Eram meus irmãos mortos pelos belos olhos de uma mulher proibida.
“A mais bela dentre as mulheres”. Helena. Atingida pelo maior poder de todos: cega pelo amor, assim como meu irmão. Não posso julgá-los por isso. Talvez seja a maior das forças deste mundo, talvez sua deusa seja realmente a mais poderosa, talvez pelos seus caprichos as maiores guerras sejam travadas – e as mais resistentes armaduras sejam forjadas. Como se eu não soubesse que cedo ou tarde tal fato não ocorreria. E ela era realmente bela... Pude acreditar na existência do chamado “poder do amor” ao ver seus olhos, que levaram a perdição a meu irmão.
E a todas as minhas terras.
Nunca fui tola o suficiente para achar que tudo ocorrera apenas por Helena. Não, neste mundo de homens e política não somos mais do que objetos decorativos e muitas vezes até moeda de pagamento ou troca. Havia muito mais em jogo do que sua beleza, aquele fora apenas o catalisador de algo que já estava para ocorrer há tempos.
E eu não a culpava por voltar para seu antigo marido. Com meu irmão morto, não haveria nenhuma outra opção para ela a não ser aquele destino que me esperava: ser espólio, ser escrava, ser cativa.
Destino... Clamei por seu nome novamente, alimentada por minhas vãs esperanças.
Atraí sua atenção, era eu a mortal que atraiu a atenção do próprio Sol. Amou-me... Assim como a tantas outras amantes suas. Presenteou-me com a clarividência para tentar levar-me à sua cama. E quão idiota fui... Quanta petulância a de uma mortal que recusa a cama de um deus! Criança tola, como sempre fui... Só que sempre soube que era um deus. Que estava acima de mim, que após tornar-me sua amante por uma noite, abandonaria-me para sempre enquanto iria iluminar qualquer outra garota. Pelas intrigas que ouvi no quarto das mulheres, diz-se até mesmo que foi amante de minha mãe. Tive medo. Tive medo de ser apenas uma garotinha fascinada por seu brilho, de ser apenas mais uma mortal nos jogos dos deuses!
E selei meu próprio destino, aquele que não desejava.
Sou apenas um jogo em suas mãos? O peso de sua vingança é tornar-me um passatempo para os Maiores?
Pois para os olhos de todos, era eu apenas uma menina estúpida. Menina estúpida atormentada pelo futuro, pelo destino selado, mas sob a pena da dúvida. De ser taxada de louca ou idiota. De ver Tróia em chamas, de ver meus irmãos mortos, de ver tudo aquilo que vinha e ninguém acreditar. Ninguém nunca acreditar. De ser apenas estúpida, de ouvir meu pai rir de mim e me chamar de criança tola. Como aquela risada irônica que me depreciava me feria!
Por mais que eu tentasse correr e gritar, clamar pela salvação daquilo que já estava fadado à destruição!
Afinal, era eu só uma menina em um mundo de adultos, que nunca dariam ouvidos a uma... mulher. Ainda mais, a mulher que rejeitou um deus – como se soubessem disso! Você deve estar rindo de mim agora. Se é que não deixou de rir em nenhum desses dias em todos esses anos.
Sinto mãos masculinas fortes me envolverem, me puxarem. Tento lutar, mas é em vão. Ainda sou uma princesa, afinal. E ainda sou Tróia. Violar-me significa violar Tróia, humilhar e submeter os antigos inimigos.
- Apolo... – Sinto meus lábios dizerem, enquanto uma lágrima escorrega por meu rosto.
Apego-me à ilusão de que virá por mim. De que o próprio sol intercederá por minha vida, me salvará e me deixará em segurança. Porém, sei que sou tola. Que não virá, afinal meu destino jaz longe daqui, tenho o privilégio de saber como irei deixar esse mundo.
Aliás... Para você, morador do Olimpo, senhor da luz solar, quanto vale a vida de uma mísera mortal?
***
Só faz sentido se for postado hoje.
E até sexta, espero :-)
As chamas, finalmente materializadas, finalmente muito mais do que apenas visões esparsas de um destino certo! Mas não era isso o que queria? Não fui um brinquedo em suas mãos, a tola que diria as verdades – apenas para rirem delas? Sofram por sua própria ignorância, troianos!, era o que parte de meu ser dizia. Mas não adiantava, era o sangue de meu povo que lavava os portões, era toda a tradição de séculos alimentando as chamas.
Eram meus irmãos mortos pelos belos olhos de uma mulher proibida.
“A mais bela dentre as mulheres”. Helena. Atingida pelo maior poder de todos: cega pelo amor, assim como meu irmão. Não posso julgá-los por isso. Talvez seja a maior das forças deste mundo, talvez sua deusa seja realmente a mais poderosa, talvez pelos seus caprichos as maiores guerras sejam travadas – e as mais resistentes armaduras sejam forjadas. Como se eu não soubesse que cedo ou tarde tal fato não ocorreria. E ela era realmente bela... Pude acreditar na existência do chamado “poder do amor” ao ver seus olhos, que levaram a perdição a meu irmão.
E a todas as minhas terras.
Nunca fui tola o suficiente para achar que tudo ocorrera apenas por Helena. Não, neste mundo de homens e política não somos mais do que objetos decorativos e muitas vezes até moeda de pagamento ou troca. Havia muito mais em jogo do que sua beleza, aquele fora apenas o catalisador de algo que já estava para ocorrer há tempos.
E eu não a culpava por voltar para seu antigo marido. Com meu irmão morto, não haveria nenhuma outra opção para ela a não ser aquele destino que me esperava: ser espólio, ser escrava, ser cativa.
Destino... Clamei por seu nome novamente, alimentada por minhas vãs esperanças.
Atraí sua atenção, era eu a mortal que atraiu a atenção do próprio Sol. Amou-me... Assim como a tantas outras amantes suas. Presenteou-me com a clarividência para tentar levar-me à sua cama. E quão idiota fui... Quanta petulância a de uma mortal que recusa a cama de um deus! Criança tola, como sempre fui... Só que sempre soube que era um deus. Que estava acima de mim, que após tornar-me sua amante por uma noite, abandonaria-me para sempre enquanto iria iluminar qualquer outra garota. Pelas intrigas que ouvi no quarto das mulheres, diz-se até mesmo que foi amante de minha mãe. Tive medo. Tive medo de ser apenas uma garotinha fascinada por seu brilho, de ser apenas mais uma mortal nos jogos dos deuses!
E selei meu próprio destino, aquele que não desejava.
Sou apenas um jogo em suas mãos? O peso de sua vingança é tornar-me um passatempo para os Maiores?
Pois para os olhos de todos, era eu apenas uma menina estúpida. Menina estúpida atormentada pelo futuro, pelo destino selado, mas sob a pena da dúvida. De ser taxada de louca ou idiota. De ver Tróia em chamas, de ver meus irmãos mortos, de ver tudo aquilo que vinha e ninguém acreditar. Ninguém nunca acreditar. De ser apenas estúpida, de ouvir meu pai rir de mim e me chamar de criança tola. Como aquela risada irônica que me depreciava me feria!
Por mais que eu tentasse correr e gritar, clamar pela salvação daquilo que já estava fadado à destruição!
Afinal, era eu só uma menina em um mundo de adultos, que nunca dariam ouvidos a uma... mulher. Ainda mais, a mulher que rejeitou um deus – como se soubessem disso! Você deve estar rindo de mim agora. Se é que não deixou de rir em nenhum desses dias em todos esses anos.
Sinto mãos masculinas fortes me envolverem, me puxarem. Tento lutar, mas é em vão. Ainda sou uma princesa, afinal. E ainda sou Tróia. Violar-me significa violar Tróia, humilhar e submeter os antigos inimigos.
- Apolo... – Sinto meus lábios dizerem, enquanto uma lágrima escorrega por meu rosto.
Apego-me à ilusão de que virá por mim. De que o próprio sol intercederá por minha vida, me salvará e me deixará em segurança. Porém, sei que sou tola. Que não virá, afinal meu destino jaz longe daqui, tenho o privilégio de saber como irei deixar esse mundo.
Aliás... Para você, morador do Olimpo, senhor da luz solar, quanto vale a vida de uma mísera mortal?
***
Só faz sentido se for postado hoje.
E até sexta, espero :-)
sexta-feira, outubro 21, 2005
Terras Secretas - Capítulo 2: Problemas Com Máquinas
O calor estava infernal naquela tarde, mas pelo menos o ventilador ainda funcionava. Era a única coisa responsável por quebrar o silêncio naquele quarto, já que o aparelho de som tinha quebrado uma semana antes. Bom, pelo menos o técnico tinha agendado uma visita naquela tarde, então nos próximos dias isso seria um problema a menos.
Não que o adolescente naquele quarto estivesse se importando muito com isso naquele momento. Seus olhos brilhavam diante da tela do computador e seus dedos percorriam o teclado rapidamente e ansiosamente, esperando pela resposta de uma pergunta feita em um chat pouco antes.
“Não acredito! Essa gatinha linda caiu na minha conversa! Ela é tão lindinha, tão bonitinha! Vou me dar bem, issaê!!!! Agora é só marcar que dia vamos nos encontrar e... Ué, por que esse mouse não está respondendo? Funciona, droga, funciona, eu vou desencalhar finalmente! Funciona!”
Os vizinhos claramente puderam ouvir um grito ecoar por um raio de cinco quilômetros daquela casa. Não tinha conseguido entender como fizera aquilo, mas o mouse emperrara. Ao tentar fazê-lo funcionar, puxou com força o fio e desconectou o computador. Ao tentar reconectar o mouse, não entendeu muito bem o que fez, mas acabou derrubando a torre no chão e quebrando alguns componentes internos que definitivamente não sabia quais eram.
- Tão novinho, com cheirinho de coisa nova ainda! Eu não acredito, sou um idiota mesmo! Eu ia finalmente desencalhar, aquela menininha linda aceitou sair comigo mas nãããão, Murphy é apaixonado por mim, só pode ser isso! O que falta mais me acontecer hoje?
Antes que pudesse se dar conta que tinha dito a frase proibida, a campainha tocou. Antes de sair do quarto, tropeçou no ventilador, fazendo com que este se espatifasse no chão. “Bom, pelo menos o computador tá na garantia ainda...”. Atravessou a sala rapidamente e ao abrir a porta, deu de cara com um sujeito de terno preto, óculos escuros e tamanho guarda-roupa:
- Ué, agora a assistência técnica usa terno?
- O senhor é Igor Moreira?
- Eu mesmo... O aparelho de som está aqui dentro, é só...
Antes que Igor pudesse se virar, sentiu que uma forte mão segurava seu pulso. O segurança, sem alterar o tom monótono de voz ou a expressão facial inexpressiva, disse.
- Você nos acompanhará agora. É peça importante para nosso projeto.
Antes que pudesse reagir, o garoto foi jogado no banco de trás de uma BMW preta, que não demorou a dar partida. Teria chegado rápido ao seu destino caso não tivesse furado o pneu duas vezes, mas em pouco menos de uma hora atravessou os portões da fábrica de cosméticos do Conglomerado Reverie, talvez a mais importante fonte de emprego e renda da cidade. Todos os dias, às cinco da tarde, fumaça cor-de-rosa cobria os céus da cidade. Era do produto mais conhecido e importante da fábrica – os xampus de morango que além de deixarem os cabelos com novo brilho, eram comestíveis. Um pesquisador dissera que o uso do xampu e a incidência de casos de câncer estavam relacionados, mas curiosamente algumas semanas depois apareceu morto em um trágico caso de crime passional. Apenas coincidência, claro.
Igor foi levado pelos seguranças pelos corredores até um elevador – onde inexplicavelmente houve um pico de luz. Pouco depois, com os problemas já resolvidos, o garoto percebeu que estava em uma sala enorme, onde alguns pesquisadores de jalecos brancos carregando pranchetas iam de um lado para o outro entre os vários computadores de última geração, que nem em seus sonhos mais delirantes havia visto. Tudo ia em paz, exceto por uma lâmpada que explodiu e provocou alguns xingamentos de um dos pesquisadores, pouco adiante.
Esperando por ele, estava uma bela mulher de cerca de trinta anos, cabelos castanhos presos em um coque e óculos de armações grossas, com um sorriso no rosto.
- Seja bem-vindo, Igor.
- Que diabos de lugar é esse? Olha, se não podiam consertar o som, caso se sentiram ofendidos em serem chamados vinte e cinco vezes em um mês, não é culpa minha! Pagamos os serviços em dia, além disso...
- Silêncio. Não somos da assistência técnica do aparelho de som.
- Então quem vocês são para me tirarem de casa assim? Olha, meu computador quebrou, você não tem noção do esporro que eu vou tomar quando chegar em casa!
A cientista suspirou profundamente. Aquele dia estava sendo complicado, ou pediria um aumento para seus chefes ou adiantaria os planos de passar as férias em alguma ilhazinha simpática no mar Mediterrâneo.
- Você está aqui porque foi selecionado para um projeto muito importante do Conglomerado Reverie. Você foi convidado para os testes de nosso software de interação, afinal estamos testando a evolução natural dos MMORPG que revolucionará o mercado e nos colocará algumas décadas a frente da concorrência. É um projeto extremamente selecionado, portanto considere-se privilegiado por participar dele!
- Espere aí um pouco... MMORPG e software querem dizer que se trata de um jogo, certo?
- Certo.
- Um jogo on-line, talvez?
- Hum, pode-se dizer que sim.
- Olha, moça, então temos um problema... As máquinas não parecem gostar muito de mim, sempre tivemos problemas. Eu quebro tudo muito fácil e as coisas estragam só de eu olhar para elas! Sabe quantos liquidificadores precisamos comprar só esse ano? E lâmpadas? E fiações elétricas? Eu estava no meu terceiro computador!!! Olha, eu entendo sua situação, mas meu pai já está endividado demais para termos de cobrir prejuízos dos outros, ainda mais de uma empresa grande!
- Mas é justamente por isso que você foi convidado, Igor. Se o nosso sistema for suficientemente resistente a pessoas como você, significa que poderemos ampliar nossos mercados. Não precisa ter medo quanto a seus pais também, nesse momento eles devem estar recebendo um contrato explicando toda a situação e com as recompensas financeiras que receberão. – Disse a cientista com um sorriso no rosto, enquanto pensava no modelo de biquíni que compraria para aproveitar suas merecidas férias.
Em um escritório, um homem calmamente digitava um relatório. Coisa simples, dentro de alguns poucos minutos terminaria e poderia ir à sala do cafezinho. Estava especialmente cansado naquele dia, mas pelo menos já estava quase chegando o fim de semana. Ao terminar um dos últimos parágrafos, levantou os olhos do monitor e espreguiçou-se, apenas para perceber um homem, obviamente um segurança vestindo terno e óculos escuros, adentrar sua sala sem ao menos ter sido anunciado. Antes de pensar em passar uma descompostura em uma das recepcionistas, ele começou a falar.
- O senhor é Nelson Moreira?
- Sim, mas o senhor não foi anunciado e não deve entrar.
- Trago notícias de seu filho. – O tom de voz não se alterou e o homem, com movimentos duros como os de um robô, colocou um envelope sobre a mesa. – Ele foi detido sob a acusação de ter desfeito a rede de segurança de uma das mais importantes instituições bancárias do país. Está detido por tempo indeterminado para averiguação.Obrigado pela atenção. Tenha um bom dia.
O segurança saiu da sala da mesma maneira furtiva como entrou, deixando Nelson atônito. Seu filho... Preso? Por ter derrubado um sistema de segurança bancário? Onde tinha errado na educação dele, tinha o ensinado a fazer as coisas certas, por que isso agora?
Bom, pelo menos por alguns dias nenhum aparelho eletrônico estragaria em sua casa...
Igor estava sentado em uma cadeira confortável, imerso em pensamentos. Tudo aquilo era muito louco, isso sim! Convidado para testar um jogo de videogame momentos após ter quebrado seu computador! O computador, tinha se esquecido dele! Pois e, tinha perdido a oportunidade de sair com aquela gatinha. E de desencalhar.
Suspirou profundamente e espreguiçou-se. Ao se espreguiçar, uma de suas mãos se encontrou com o botão de um ar-condicionado pouco acima de sua cabeça, fazendo com que a máquina começasse a fazer barulhos estranhos e, poucos minutos depois, exalar um característico cheiro de queimado. Era só os donos da fábrica realmente não cobrarem que estava tudo muito bom, isso sim!
Dois seguranças apareceram pela porta e, sem muitas palavras, acompanharam-no até a saída da sala. “Sujou!”, não pôde deixar de pensar. Era só começar a torcer para não acontecer nada de errado com ele e nem com nenhuma máquina, porque algo lhe dizia que o pior ainda estava por vir...
***
Nomes aleatórios, reiterando.
Mais minissérie sexta que vem, mais contos na terça-feira ;-)
Então... Até terça ;-)
Não que o adolescente naquele quarto estivesse se importando muito com isso naquele momento. Seus olhos brilhavam diante da tela do computador e seus dedos percorriam o teclado rapidamente e ansiosamente, esperando pela resposta de uma pergunta feita em um chat pouco antes.
“Não acredito! Essa gatinha linda caiu na minha conversa! Ela é tão lindinha, tão bonitinha! Vou me dar bem, issaê!!!! Agora é só marcar que dia vamos nos encontrar e... Ué, por que esse mouse não está respondendo? Funciona, droga, funciona, eu vou desencalhar finalmente! Funciona!”
Os vizinhos claramente puderam ouvir um grito ecoar por um raio de cinco quilômetros daquela casa. Não tinha conseguido entender como fizera aquilo, mas o mouse emperrara. Ao tentar fazê-lo funcionar, puxou com força o fio e desconectou o computador. Ao tentar reconectar o mouse, não entendeu muito bem o que fez, mas acabou derrubando a torre no chão e quebrando alguns componentes internos que definitivamente não sabia quais eram.
- Tão novinho, com cheirinho de coisa nova ainda! Eu não acredito, sou um idiota mesmo! Eu ia finalmente desencalhar, aquela menininha linda aceitou sair comigo mas nãããão, Murphy é apaixonado por mim, só pode ser isso! O que falta mais me acontecer hoje?
Antes que pudesse se dar conta que tinha dito a frase proibida, a campainha tocou. Antes de sair do quarto, tropeçou no ventilador, fazendo com que este se espatifasse no chão. “Bom, pelo menos o computador tá na garantia ainda...”. Atravessou a sala rapidamente e ao abrir a porta, deu de cara com um sujeito de terno preto, óculos escuros e tamanho guarda-roupa:
- Ué, agora a assistência técnica usa terno?
- O senhor é Igor Moreira?
- Eu mesmo... O aparelho de som está aqui dentro, é só...
Antes que Igor pudesse se virar, sentiu que uma forte mão segurava seu pulso. O segurança, sem alterar o tom monótono de voz ou a expressão facial inexpressiva, disse.
- Você nos acompanhará agora. É peça importante para nosso projeto.
Antes que pudesse reagir, o garoto foi jogado no banco de trás de uma BMW preta, que não demorou a dar partida. Teria chegado rápido ao seu destino caso não tivesse furado o pneu duas vezes, mas em pouco menos de uma hora atravessou os portões da fábrica de cosméticos do Conglomerado Reverie, talvez a mais importante fonte de emprego e renda da cidade. Todos os dias, às cinco da tarde, fumaça cor-de-rosa cobria os céus da cidade. Era do produto mais conhecido e importante da fábrica – os xampus de morango que além de deixarem os cabelos com novo brilho, eram comestíveis. Um pesquisador dissera que o uso do xampu e a incidência de casos de câncer estavam relacionados, mas curiosamente algumas semanas depois apareceu morto em um trágico caso de crime passional. Apenas coincidência, claro.
Igor foi levado pelos seguranças pelos corredores até um elevador – onde inexplicavelmente houve um pico de luz. Pouco depois, com os problemas já resolvidos, o garoto percebeu que estava em uma sala enorme, onde alguns pesquisadores de jalecos brancos carregando pranchetas iam de um lado para o outro entre os vários computadores de última geração, que nem em seus sonhos mais delirantes havia visto. Tudo ia em paz, exceto por uma lâmpada que explodiu e provocou alguns xingamentos de um dos pesquisadores, pouco adiante.
Esperando por ele, estava uma bela mulher de cerca de trinta anos, cabelos castanhos presos em um coque e óculos de armações grossas, com um sorriso no rosto.
- Seja bem-vindo, Igor.
- Que diabos de lugar é esse? Olha, se não podiam consertar o som, caso se sentiram ofendidos em serem chamados vinte e cinco vezes em um mês, não é culpa minha! Pagamos os serviços em dia, além disso...
- Silêncio. Não somos da assistência técnica do aparelho de som.
- Então quem vocês são para me tirarem de casa assim? Olha, meu computador quebrou, você não tem noção do esporro que eu vou tomar quando chegar em casa!
A cientista suspirou profundamente. Aquele dia estava sendo complicado, ou pediria um aumento para seus chefes ou adiantaria os planos de passar as férias em alguma ilhazinha simpática no mar Mediterrâneo.
- Você está aqui porque foi selecionado para um projeto muito importante do Conglomerado Reverie. Você foi convidado para os testes de nosso software de interação, afinal estamos testando a evolução natural dos MMORPG que revolucionará o mercado e nos colocará algumas décadas a frente da concorrência. É um projeto extremamente selecionado, portanto considere-se privilegiado por participar dele!
- Espere aí um pouco... MMORPG e software querem dizer que se trata de um jogo, certo?
- Certo.
- Um jogo on-line, talvez?
- Hum, pode-se dizer que sim.
- Olha, moça, então temos um problema... As máquinas não parecem gostar muito de mim, sempre tivemos problemas. Eu quebro tudo muito fácil e as coisas estragam só de eu olhar para elas! Sabe quantos liquidificadores precisamos comprar só esse ano? E lâmpadas? E fiações elétricas? Eu estava no meu terceiro computador!!! Olha, eu entendo sua situação, mas meu pai já está endividado demais para termos de cobrir prejuízos dos outros, ainda mais de uma empresa grande!
- Mas é justamente por isso que você foi convidado, Igor. Se o nosso sistema for suficientemente resistente a pessoas como você, significa que poderemos ampliar nossos mercados. Não precisa ter medo quanto a seus pais também, nesse momento eles devem estar recebendo um contrato explicando toda a situação e com as recompensas financeiras que receberão. – Disse a cientista com um sorriso no rosto, enquanto pensava no modelo de biquíni que compraria para aproveitar suas merecidas férias.
Em um escritório, um homem calmamente digitava um relatório. Coisa simples, dentro de alguns poucos minutos terminaria e poderia ir à sala do cafezinho. Estava especialmente cansado naquele dia, mas pelo menos já estava quase chegando o fim de semana. Ao terminar um dos últimos parágrafos, levantou os olhos do monitor e espreguiçou-se, apenas para perceber um homem, obviamente um segurança vestindo terno e óculos escuros, adentrar sua sala sem ao menos ter sido anunciado. Antes de pensar em passar uma descompostura em uma das recepcionistas, ele começou a falar.
- O senhor é Nelson Moreira?
- Sim, mas o senhor não foi anunciado e não deve entrar.
- Trago notícias de seu filho. – O tom de voz não se alterou e o homem, com movimentos duros como os de um robô, colocou um envelope sobre a mesa. – Ele foi detido sob a acusação de ter desfeito a rede de segurança de uma das mais importantes instituições bancárias do país. Está detido por tempo indeterminado para averiguação.Obrigado pela atenção. Tenha um bom dia.
O segurança saiu da sala da mesma maneira furtiva como entrou, deixando Nelson atônito. Seu filho... Preso? Por ter derrubado um sistema de segurança bancário? Onde tinha errado na educação dele, tinha o ensinado a fazer as coisas certas, por que isso agora?
Bom, pelo menos por alguns dias nenhum aparelho eletrônico estragaria em sua casa...
Igor estava sentado em uma cadeira confortável, imerso em pensamentos. Tudo aquilo era muito louco, isso sim! Convidado para testar um jogo de videogame momentos após ter quebrado seu computador! O computador, tinha se esquecido dele! Pois e, tinha perdido a oportunidade de sair com aquela gatinha. E de desencalhar.
Suspirou profundamente e espreguiçou-se. Ao se espreguiçar, uma de suas mãos se encontrou com o botão de um ar-condicionado pouco acima de sua cabeça, fazendo com que a máquina começasse a fazer barulhos estranhos e, poucos minutos depois, exalar um característico cheiro de queimado. Era só os donos da fábrica realmente não cobrarem que estava tudo muito bom, isso sim!
Dois seguranças apareceram pela porta e, sem muitas palavras, acompanharam-no até a saída da sala. “Sujou!”, não pôde deixar de pensar. Era só começar a torcer para não acontecer nada de errado com ele e nem com nenhuma máquina, porque algo lhe dizia que o pior ainda estava por vir...
***
Nomes aleatórios, reiterando.
Mais minissérie sexta que vem, mais contos na terça-feira ;-)
Então... Até terça ;-)
terça-feira, outubro 18, 2005
Iniciação
Estava ansioso, afinal aquele seria um dia decisivo em minha vida! Seria quando eu finalmente, após anos de estudos, privações e preparação, finalmente poderia me tornar um xamã. Todo o meu corpo tremia, todo o meu ser estava ansioso e receoso por aquilo que viria. Não sabia o que esperar, não sabia o que poderia acontecer.
Vesti-me apenas com a túnica mais simples e, enquanto as mulheres de meu povo cantavam alegres canções, fui levado até os anciões. Ajoelhei-me, submetendo à vontade daqueles que cuidavam da comunidade. Ouvi com atenção as palavras que disseram... Ou melhor, nada pude entender. Concordei instintivamente com o que diziam, o nervosismo e ansiedade não me deixavam estar totalmente lúcido.
O cerimonial efetivamente começou quando postei-me diante do antigo xamã, meu mestre, que me treinara para aquela função. Naquela noite, dizia ele, deveria eu abrir o portão que conecta nosso mundo aos espíritos ancestrais e deixá-los falarem a meu coração, deveria eu trazer a mensagem para a maior das perguntas quando retornasse.
Estendeu-me então uma cuia com um líquido vermelho brilhante, um combinado de plantas que “abriria meus ouvidos para os sons dos Superiores”. O gosto era amargo, porém suportável. O canto e dança continuavam enquanto eu, no centro da comunidade, tonto devido ao líquido que havia bebido, recebia bênçãos e conselhos.
Fui escoltado por todo o meu povo até o cume de uma colina, onde deveria ficar sentado meditando até ouvir o som dos Superiores. Apenas se eu fosse digno eles apareceriam, apenas se eu pudesse ser o novo xamã ouviria o que teriam a me dizer. Tive medo. De não poder vê-los, dos animais selvagens, de frustrar todos aqueles que esperavam por mim e principalmente a mim mesmo.
A noite passava devagar e eu observava as estrelas no céu. Será que eu não era digno? A tensão abateu-se em meu corpo, já sob o efeito da tontura constante provocada pelo chá. Será que, no dia seguinte, pela manhã, quando me buscassem, tudo estaria acabado e eu seria apenas um perdedor, alguém que não alcançara tudo o que desejara?
Mas eu tinha estudado bastante toda a teoria sobre o céu e a terra! Ouvira as histórias sobre meus ancestrais, aprendera a respeitar tudo aquilo que vive e a buscar sabedoria e consolo Naqueles Acima de Nós. Ouvir os sons trazidos pelo vento, identificar a música dos pássaros, a voz dos animais, a vida em uma árvore ou na menor da flor. Respeitar tudo aquilo que vive e levar a lição de respeito a todo o meu povo. Orientá-los nas crises, assisti-los nas necessidades, auxiliá-los nas dificuldades, aconselhá-los nas dúvidas. Era essa a função do xamã, afinal, seria essa minha função. A comunidade precisaria de mim, assim como eu precisaria dela para poder ser aquilo que nasci para ser.
As estrelas desapareciam e o céu vestia-se de rosa para esperar o sol quando comecei a ouvir sons estranhos. Era como se meu corpo tivesse virado pedra e, ao meu lado, um animal que eu nunca tinha visto estava sentado, como se quisesse minha companhia. Ao olhar para frente, vi uma estranha e colorida águia, junto com uma criatura que parecia ter forma humana, dotada de grandes e macias asas como a do mais belo pássaro e corpo parecido com o dos felinos, cheios de manchas em sua pelagem delicada. A criatura sorriu-me. Seria aquela visão um fruto dos narcóticos que tomara?
Os olhos me olhavam com curiosidade. Eram tão profundos e ao mesmo tempo puros, eram como os de uma criança que encara o mundo pela primeira vez. Tentei formular a pergunta, a maior das perguntas, aquela que eu deveria fazer para poder cumprir meu destino. Apenas vacilava sem conseguir me expressar, mas a criatura olhou e me disse, com a voz terna como a de uma mãe:
- A resposta sempre esteve em seu coração.
Após essas palavras, juntamente com a águia saiu voando. O pequeno animal ao seu lado também desaparecera, porém entendi o que queria dizer. A resposta estava dada e me satisfazia.
Junto com o sol, que se espalhava pelas planícies, naquela manhã um xamã tinha nascido.
***
AVISOS:
1) A continuação do texto de semana passada ocorrerá na SEXTA-FEIRA. Por quê? Porque como será uma série, não sei quantas semanas ficariam "travadas" até sua conclusão. Então, para continuar com o andamento do blog como o planejado, às TERÇAS-FEIRAS teremos os contos padrão e às sextas nossa minissérie ultralegal e fantástica =D
2) Perdões pelo atraso
3) Até a sexta-feira ;-)
4) Espero comentários
Vesti-me apenas com a túnica mais simples e, enquanto as mulheres de meu povo cantavam alegres canções, fui levado até os anciões. Ajoelhei-me, submetendo à vontade daqueles que cuidavam da comunidade. Ouvi com atenção as palavras que disseram... Ou melhor, nada pude entender. Concordei instintivamente com o que diziam, o nervosismo e ansiedade não me deixavam estar totalmente lúcido.
O cerimonial efetivamente começou quando postei-me diante do antigo xamã, meu mestre, que me treinara para aquela função. Naquela noite, dizia ele, deveria eu abrir o portão que conecta nosso mundo aos espíritos ancestrais e deixá-los falarem a meu coração, deveria eu trazer a mensagem para a maior das perguntas quando retornasse.
Estendeu-me então uma cuia com um líquido vermelho brilhante, um combinado de plantas que “abriria meus ouvidos para os sons dos Superiores”. O gosto era amargo, porém suportável. O canto e dança continuavam enquanto eu, no centro da comunidade, tonto devido ao líquido que havia bebido, recebia bênçãos e conselhos.
Fui escoltado por todo o meu povo até o cume de uma colina, onde deveria ficar sentado meditando até ouvir o som dos Superiores. Apenas se eu fosse digno eles apareceriam, apenas se eu pudesse ser o novo xamã ouviria o que teriam a me dizer. Tive medo. De não poder vê-los, dos animais selvagens, de frustrar todos aqueles que esperavam por mim e principalmente a mim mesmo.
A noite passava devagar e eu observava as estrelas no céu. Será que eu não era digno? A tensão abateu-se em meu corpo, já sob o efeito da tontura constante provocada pelo chá. Será que, no dia seguinte, pela manhã, quando me buscassem, tudo estaria acabado e eu seria apenas um perdedor, alguém que não alcançara tudo o que desejara?
Mas eu tinha estudado bastante toda a teoria sobre o céu e a terra! Ouvira as histórias sobre meus ancestrais, aprendera a respeitar tudo aquilo que vive e a buscar sabedoria e consolo Naqueles Acima de Nós. Ouvir os sons trazidos pelo vento, identificar a música dos pássaros, a voz dos animais, a vida em uma árvore ou na menor da flor. Respeitar tudo aquilo que vive e levar a lição de respeito a todo o meu povo. Orientá-los nas crises, assisti-los nas necessidades, auxiliá-los nas dificuldades, aconselhá-los nas dúvidas. Era essa a função do xamã, afinal, seria essa minha função. A comunidade precisaria de mim, assim como eu precisaria dela para poder ser aquilo que nasci para ser.
As estrelas desapareciam e o céu vestia-se de rosa para esperar o sol quando comecei a ouvir sons estranhos. Era como se meu corpo tivesse virado pedra e, ao meu lado, um animal que eu nunca tinha visto estava sentado, como se quisesse minha companhia. Ao olhar para frente, vi uma estranha e colorida águia, junto com uma criatura que parecia ter forma humana, dotada de grandes e macias asas como a do mais belo pássaro e corpo parecido com o dos felinos, cheios de manchas em sua pelagem delicada. A criatura sorriu-me. Seria aquela visão um fruto dos narcóticos que tomara?
Os olhos me olhavam com curiosidade. Eram tão profundos e ao mesmo tempo puros, eram como os de uma criança que encara o mundo pela primeira vez. Tentei formular a pergunta, a maior das perguntas, aquela que eu deveria fazer para poder cumprir meu destino. Apenas vacilava sem conseguir me expressar, mas a criatura olhou e me disse, com a voz terna como a de uma mãe:
- A resposta sempre esteve em seu coração.
Após essas palavras, juntamente com a águia saiu voando. O pequeno animal ao seu lado também desaparecera, porém entendi o que queria dizer. A resposta estava dada e me satisfazia.
Junto com o sol, que se espalhava pelas planícies, naquela manhã um xamã tinha nascido.
***
AVISOS:
1) A continuação do texto de semana passada ocorrerá na SEXTA-FEIRA. Por quê? Porque como será uma série, não sei quantas semanas ficariam "travadas" até sua conclusão. Então, para continuar com o andamento do blog como o planejado, às TERÇAS-FEIRAS teremos os contos padrão e às sextas nossa minissérie ultralegal e fantástica =D
2) Perdões pelo atraso
3) Até a sexta-feira ;-)
4) Espero comentários
terça-feira, outubro 11, 2005
Dia Ruim
- Mãe, cheguei!
Depois de um longo dia de aula, Marcelo não estava com muita paciência para esperar na sala até o almoço ficar pronto. Foi para o quarto rapidamente e atirou a mochila velha e surrada em um canto. Seu humor não era dos melhores, afinal tinha perdido três partidas de truco seguidas para aquele ladrão do Juninho em um dia só! Além do que, descobrira que tinha mais uma nota baixa de matemática para a coleção. Certamente tomaria uma senhora bronca quando o boletim chegasse.
Lembrou-se, porém, de que havia algo muito valioso em sua mochila. Puxou-a novamente e lá de dentro tirou um exemplar da Playboy com a Juliana Paes na capa. Ah... Nenhum amassadinho. Melhor assim. A tarde certamente seria divertida, a menos que a tonta da irmã inventasse de se trancar no banheiro para fazer escova no cabelo na sua frente. Colocou seu tesouro debaixo do travesseiro e se sentou na cama enquanto esperava ser chamado para o almoço.
Olhou para os tênis sujos e esburacados antes de suspirar resignado. Não era só por ter perdido no truco ou tirado nota baixa que estava triste, mas por ter visto Fernanda, aquela gracinha da oitava série, aos beijos com um mané qualquer do terceiro ano. O que aquele cara tinha melhor do que ele? Seria o fato de passar o resto da tarde na academia com mais um monte de idiotas que adoravam admirar seus músculos? Ou por já ter uma bela moto e freqüentar os melhores clubes da cidade? Talvez ser o artilheiro do time de futebol da escola e por conseqüência um dos alunos mais populares também ajudasse. Ou ainda – argh, como era difícil admitir isso – ser bonitão.
Olhou-se no espelho e tentou contrair o bíceps do braço direito, sem sucesso. Era magricelo, quase desaparecia dentro da blusa de uniforme e do bermudão. Era um jogador de futebol ótimo para a reserva, além de tirar notas baixas, ser pobre e não ter carro nenhum. Bonito? Até poderia ser simpático caso tivesse menos espinhas. É, realmente, o outro cara era melhor do que ele. Sem dúvidas.
A divagação terminou quando ouviu pancadas na porta do quarto. “O que eu fiz dessa vez?”, pensou rapidamente antes que a porta viesse abaixo e dois seguranças meio parecidos com guarda-roupas vestindo ternos entrarem e, sem perguntarem ou fazerem qualquer outro movimento, o suspendessem pelos ombros e levassem de casa, diante dos olhares atônitos de sua mãe e irmã.
- Que foi que eu fiz?
A resposta foi ser atirado no banco de trás de uma BMW preta, que deu a partida assim que cada um dos seguranças guarda-roupas se posicionou a seu lado. O que estava acontecendo, depois de perder no truco, sangrar o boletim e tomar um fora ainda estava sendo seqüestrado pela MIB? Ah não, já tinha ido longe demais o sonho, já estava na hora de acordar! E não podia admitir que estava apavorado com a situação!
- Alguém pode responder o que foi que eu fiz?
Nenhuma resposta.
- Pô, tio, diz pra mim o que foi que eu fiz! – Disse ele para um dos seguranças.
Um safanão foi o suficiente para mantê-lo em silêncio pelo resto do caminho. Agora sim Marcelo achou que poderia começar a ficar apavorado...
Percebeu que o carro tinha parado e, pelo que pôde observar, aquela era uma fábrica de cosméticos que havia na cidade. O motorista falou qualquer coisa com a pessoa no guichê de checagem e o carro continuou o percurso. Marcelo foi levado de uma maneira nada elegante para fora pelos dois seguranças e guiado por alguns corredores até um elevador.
A descida parecia infinita, mas quando o elevador finalmente parou, Marcelo pôde ter certeza de que ficar apavorado era uma boa idéia. Era uma sala gigante, com algumas pessoas andando de jaleco com pranchetas nas mãos entre alguns processadores e computadores que ele só vira igual nos filmes mais viajantes da TV. Logo na entrada da sala, uma mulher aparentando cerca de trinta anos, cabelos castanhos presos em um coque, óculos de armação grossa e um jaleco em cima de um vestido que realçava seu belo corpo:
- Bem-vindo, Marcelo.
- Quem é você, que lugar é esse e o que querem de mim?
- Não há razão para pressa. Considere-se um escolhido para o mais maravilhoso teste de todos.
- Escolhido? Teste? – Estava definitivamente e irremediavelmente apavorado.
- Somos do Conglomerado Reverie. O braço de cosméticos é apenas uma pequena fatia de todo o nosso poder, influência e atuação. Somos grandes investidores de tecnologia e, após anos de pesquisa, desenvolvimento e evolução da tecnologia, chegamos a um ponto inacreditável da produção de softwares, onde seremos capazes de recriar uma cidade inteiramente holográfica e fazer com que pessoas interajam por meio de realidade virtual com tal cenário. É a evolução natural de qualquer jogo massivo de multijogadores e, com nossa tecnologia três décadas adiantada do mercado, poderemos criar além de uma ilha de diversão onde milionários poderão escolher a programação de seu próprio jogo, estrangular a concorrência e compor um grande monopólio!
- Quê? – O garoto tinha a expressão clássica de quem não tinha entendido nada da conversa.
- Você foi convidado para jogar uma partida de videogame, resumindo.
- Mas eu não gosto de videogame, é coisa de nerd...
A pesquisadora deu um longo suspiro antes de prosseguir:
- Não é um convite que cabe a você recusar. Logo você e seus companheiros serão levados para a ilha de nossa base para poderem jogar.
- Companheiros?
- Sim, os outros convidados, dentro de logo eles vão chegar.
- Mas por que eu? – Marcelo disse, cada vez mais próximo do pânico.
- Porque, segundo a análise de nossos computadores a respeito de seus dados, você é um idiota completo. E como precisamos pesquisar todo tipo de público, sua ficha combinava muito bem para a amostragem.
- Ah, obrigado... – Era melhor entender aquilo como elogio. – Mas o que dirá para meus pais?
- Não se preocupe. Logo um funcionário de nossa companhia os procurará e fechará com eles um contrato, explicando a situação e evitando maiores dores de cabeça.
A campainha tocou na casa de dona Marilda, ainda apavorada com a invasão ocorrida pouco antes. Ao abrir a porta, deu de cara com outro estranho engravatado de óculos escuros, como aqueles que tinham levado o seu filho. Sem perguntar coisa alguma, ele disse:
- A senhora é a mãe de Marcelo dos Santos?
- Sim, eu mesma.
- Seu filho foi detido pela Agencia de Inteligência para responder a algumas perguntas. Segundo consta em nossos relatórios, ele está envolvido com facilitação de rotas internacionais de tráfico de drogas e deverá ficar detido até que tudo se resolva. Espero sua compreensão. Tenha um bom dia.
O engravatado entregou para dona Marilda um envelope com os dados sobre o caso e, enquanto ela olhava desesperada para o que tinha em mãos, saiu sem deixar vestígios.
Marcelo estava sentado, sob vigília dos seguranças, em algumas cadeiras no grande laboratório branco. Estava começando a cansar a vista toda aquela falta de cor e ainda não tinha entendido o que estava acontecendo. Então era jogar um jogo bobo e tudo estaria acabado? Então que viesse logo, daí tudo estaria terminado depressa e poderia voltar para a Juliana Paes.
Finalmente, depois que já tinha a certeza de que tinham esquecido-o ali, a mesma pesquisadora recebeu-o e pediu que a acompanhasse.
- Mas que história é essa de jogo?
- É muito simples, meu caro. Tenho de ver se você e seus companheiros sobreviverão a situações extremas. Quando todos estiverem juntos tudo será explicado com maiores detalhes, mas a maior regra é essa: você deve sobreviver.
O garoto engoliu em seco. A palavra “sobreviver” soava de uma maneira apavorante a ele naquele momento... E ele começou a sentir que o pânico começava a se apossar de seu corpo.
Definitivamente, aquele era um dia ruim.
***
OBS: nomes aleatórios. Nenhum personagem baseado em ninguém. =P
Essa é uma tentativa de fazer uma seriezinha sem muito compromisso com a seriedade. Quero ver se treino um pouco o humor negro e coloco situações mais próximas da bizarrice. Claro, com um mínimo de coerência lógico-textual, mas descompromissada mesmo. Quero ver se me divirto escrevendo e passo a sensação para vocês. Portanto, COMENTEM!
E até terça que vem! ^^
Depois de um longo dia de aula, Marcelo não estava com muita paciência para esperar na sala até o almoço ficar pronto. Foi para o quarto rapidamente e atirou a mochila velha e surrada em um canto. Seu humor não era dos melhores, afinal tinha perdido três partidas de truco seguidas para aquele ladrão do Juninho em um dia só! Além do que, descobrira que tinha mais uma nota baixa de matemática para a coleção. Certamente tomaria uma senhora bronca quando o boletim chegasse.
Lembrou-se, porém, de que havia algo muito valioso em sua mochila. Puxou-a novamente e lá de dentro tirou um exemplar da Playboy com a Juliana Paes na capa. Ah... Nenhum amassadinho. Melhor assim. A tarde certamente seria divertida, a menos que a tonta da irmã inventasse de se trancar no banheiro para fazer escova no cabelo na sua frente. Colocou seu tesouro debaixo do travesseiro e se sentou na cama enquanto esperava ser chamado para o almoço.
Olhou para os tênis sujos e esburacados antes de suspirar resignado. Não era só por ter perdido no truco ou tirado nota baixa que estava triste, mas por ter visto Fernanda, aquela gracinha da oitava série, aos beijos com um mané qualquer do terceiro ano. O que aquele cara tinha melhor do que ele? Seria o fato de passar o resto da tarde na academia com mais um monte de idiotas que adoravam admirar seus músculos? Ou por já ter uma bela moto e freqüentar os melhores clubes da cidade? Talvez ser o artilheiro do time de futebol da escola e por conseqüência um dos alunos mais populares também ajudasse. Ou ainda – argh, como era difícil admitir isso – ser bonitão.
Olhou-se no espelho e tentou contrair o bíceps do braço direito, sem sucesso. Era magricelo, quase desaparecia dentro da blusa de uniforme e do bermudão. Era um jogador de futebol ótimo para a reserva, além de tirar notas baixas, ser pobre e não ter carro nenhum. Bonito? Até poderia ser simpático caso tivesse menos espinhas. É, realmente, o outro cara era melhor do que ele. Sem dúvidas.
A divagação terminou quando ouviu pancadas na porta do quarto. “O que eu fiz dessa vez?”, pensou rapidamente antes que a porta viesse abaixo e dois seguranças meio parecidos com guarda-roupas vestindo ternos entrarem e, sem perguntarem ou fazerem qualquer outro movimento, o suspendessem pelos ombros e levassem de casa, diante dos olhares atônitos de sua mãe e irmã.
- Que foi que eu fiz?
A resposta foi ser atirado no banco de trás de uma BMW preta, que deu a partida assim que cada um dos seguranças guarda-roupas se posicionou a seu lado. O que estava acontecendo, depois de perder no truco, sangrar o boletim e tomar um fora ainda estava sendo seqüestrado pela MIB? Ah não, já tinha ido longe demais o sonho, já estava na hora de acordar! E não podia admitir que estava apavorado com a situação!
- Alguém pode responder o que foi que eu fiz?
Nenhuma resposta.
- Pô, tio, diz pra mim o que foi que eu fiz! – Disse ele para um dos seguranças.
Um safanão foi o suficiente para mantê-lo em silêncio pelo resto do caminho. Agora sim Marcelo achou que poderia começar a ficar apavorado...
Percebeu que o carro tinha parado e, pelo que pôde observar, aquela era uma fábrica de cosméticos que havia na cidade. O motorista falou qualquer coisa com a pessoa no guichê de checagem e o carro continuou o percurso. Marcelo foi levado de uma maneira nada elegante para fora pelos dois seguranças e guiado por alguns corredores até um elevador.
A descida parecia infinita, mas quando o elevador finalmente parou, Marcelo pôde ter certeza de que ficar apavorado era uma boa idéia. Era uma sala gigante, com algumas pessoas andando de jaleco com pranchetas nas mãos entre alguns processadores e computadores que ele só vira igual nos filmes mais viajantes da TV. Logo na entrada da sala, uma mulher aparentando cerca de trinta anos, cabelos castanhos presos em um coque, óculos de armação grossa e um jaleco em cima de um vestido que realçava seu belo corpo:
- Bem-vindo, Marcelo.
- Quem é você, que lugar é esse e o que querem de mim?
- Não há razão para pressa. Considere-se um escolhido para o mais maravilhoso teste de todos.
- Escolhido? Teste? – Estava definitivamente e irremediavelmente apavorado.
- Somos do Conglomerado Reverie. O braço de cosméticos é apenas uma pequena fatia de todo o nosso poder, influência e atuação. Somos grandes investidores de tecnologia e, após anos de pesquisa, desenvolvimento e evolução da tecnologia, chegamos a um ponto inacreditável da produção de softwares, onde seremos capazes de recriar uma cidade inteiramente holográfica e fazer com que pessoas interajam por meio de realidade virtual com tal cenário. É a evolução natural de qualquer jogo massivo de multijogadores e, com nossa tecnologia três décadas adiantada do mercado, poderemos criar além de uma ilha de diversão onde milionários poderão escolher a programação de seu próprio jogo, estrangular a concorrência e compor um grande monopólio!
- Quê? – O garoto tinha a expressão clássica de quem não tinha entendido nada da conversa.
- Você foi convidado para jogar uma partida de videogame, resumindo.
- Mas eu não gosto de videogame, é coisa de nerd...
A pesquisadora deu um longo suspiro antes de prosseguir:
- Não é um convite que cabe a você recusar. Logo você e seus companheiros serão levados para a ilha de nossa base para poderem jogar.
- Companheiros?
- Sim, os outros convidados, dentro de logo eles vão chegar.
- Mas por que eu? – Marcelo disse, cada vez mais próximo do pânico.
- Porque, segundo a análise de nossos computadores a respeito de seus dados, você é um idiota completo. E como precisamos pesquisar todo tipo de público, sua ficha combinava muito bem para a amostragem.
- Ah, obrigado... – Era melhor entender aquilo como elogio. – Mas o que dirá para meus pais?
- Não se preocupe. Logo um funcionário de nossa companhia os procurará e fechará com eles um contrato, explicando a situação e evitando maiores dores de cabeça.
A campainha tocou na casa de dona Marilda, ainda apavorada com a invasão ocorrida pouco antes. Ao abrir a porta, deu de cara com outro estranho engravatado de óculos escuros, como aqueles que tinham levado o seu filho. Sem perguntar coisa alguma, ele disse:
- A senhora é a mãe de Marcelo dos Santos?
- Sim, eu mesma.
- Seu filho foi detido pela Agencia de Inteligência para responder a algumas perguntas. Segundo consta em nossos relatórios, ele está envolvido com facilitação de rotas internacionais de tráfico de drogas e deverá ficar detido até que tudo se resolva. Espero sua compreensão. Tenha um bom dia.
O engravatado entregou para dona Marilda um envelope com os dados sobre o caso e, enquanto ela olhava desesperada para o que tinha em mãos, saiu sem deixar vestígios.
Marcelo estava sentado, sob vigília dos seguranças, em algumas cadeiras no grande laboratório branco. Estava começando a cansar a vista toda aquela falta de cor e ainda não tinha entendido o que estava acontecendo. Então era jogar um jogo bobo e tudo estaria acabado? Então que viesse logo, daí tudo estaria terminado depressa e poderia voltar para a Juliana Paes.
Finalmente, depois que já tinha a certeza de que tinham esquecido-o ali, a mesma pesquisadora recebeu-o e pediu que a acompanhasse.
- Mas que história é essa de jogo?
- É muito simples, meu caro. Tenho de ver se você e seus companheiros sobreviverão a situações extremas. Quando todos estiverem juntos tudo será explicado com maiores detalhes, mas a maior regra é essa: você deve sobreviver.
O garoto engoliu em seco. A palavra “sobreviver” soava de uma maneira apavorante a ele naquele momento... E ele começou a sentir que o pânico começava a se apossar de seu corpo.
Definitivamente, aquele era um dia ruim.
***
OBS: nomes aleatórios. Nenhum personagem baseado em ninguém. =P
Essa é uma tentativa de fazer uma seriezinha sem muito compromisso com a seriedade. Quero ver se treino um pouco o humor negro e coloco situações mais próximas da bizarrice. Claro, com um mínimo de coerência lógico-textual, mas descompromissada mesmo. Quero ver se me divirto escrevendo e passo a sensação para vocês. Portanto, COMENTEM!
E até terça que vem! ^^
segunda-feira, outubro 03, 2005
Bom Dia!
Acordou vagarosamente, abrindo os olhos e espreguiçando-se levemente, apenas para lembrar do sonho que tivera: nunca imaginara que banalidades como ir a um clube seriam tão desejadas em algum dia! E que sonho bom fora aquele, ver as garotas de biquíni, encontrar seus amigos, porém principalmente... nadar em uma piscina!
Com cuidado saiu de sua "cama", na verdade apenas uma cápsula no interior de uma parede, tinha vezes em que realmente acreditava estar dormindo em um gavetão do IML... Pelo menos não sofria de claustrofobia, o que poderia fazer com que as coisas se tornassem bem piores... Ou melhor, caso fosse claustrofóbico, não haveria lugar para ele ali! Afinal, há quantos dias estava confinado ali? Estava na véspera de completar três meses, lembrou-se...
Desceu as escadas que separavam seu "quarto" do corredor central - afinal seus companheiros de jornada ainda deviam estar dormindo naquele momento - e desceu novamente as escadas que se encontravam em um vão no meio do corredor até chegar à seção principal de sua "residência" atual. Pelo menos podia pôr os pés no chão e andar, aquele era um luxo raro para quem passava até mesmo dias flutuando... E como a piscina fazia falta, era muito melhor nadar na água do que no ar, pelo menos para ele!
Dirigindo-se para o banheiro, lembrou-se de detestar os tais reality shows que vez ou outra apareciam na TV quando era criança. Que idiotice viver em um confinamento observado por centenas de câmeras e milhares de espectadores, ter de conviver apenas com poucas pessoas por meses e dividir desde comida a tarefas domésticas! Lembrava-se também daqueles jogos de sobrevivência, em que um grupo era mandado a fazer tarefas extenuantes em destinos exóticos! Quanta ironia, pensou enquanto fazia sua higiene matinal com o mínimo cuidado para não desperdiçar nem uma gota de água, estava vivendo em um reality show gigante, era monitorado o tempo todo, vivia em confinamento com outros três camaradas que conhecera no dia de embarcar, tinha de racionar toda a comida e dividir tarefas domésticas, fazia tarefas extenuantes diárias... E o que é pior, não era por um prêmio milionário! Vidas dependiam dele, inclusive sua própria, não podia se dar ao luxo de ser descuidado e provocar um acidente - que resultaria consequências muito mais graves do que uma "eliminação"...
Ao tirar os suprimentos de alimentação do armário e preparar seu café da manhã - a maldita papinha de leite em pó com aveia! - foi tomado por uma onda de nojo antes de respirar fundo e mandar tudo pra dentro: que saudades de comer nem que fosse a mais banal comida caseira, um purê que fosse feito com batatas frescas, carne assada e principalmente... Uma bela salada! Nunca na vida imaginara sentir saudades de comer um bom prato de alface, tomate e cenoura! Enquanto engolia seu café insosso, imaginava-se comendo o melhor jantar preparado pelo melhor cozinheiro, tinha saudades até mesmo daquilo que nunca gostara de comer!
Terminando o café, foi até a sala de operação de máquinas, sentando-se calmamente em seu lugar e inicializando os sistemas de seu computador pessoal. As outras máquinas eram independentes apesar de subordinadas ao sistema central, o que facilitaria controlar uma pane, porexemplo. Um coração funciona por algum tempo mesmo depois que o cérebro pára, os órgãos vitais da operação precisavam funcionar mesmo sem o cérebro caso algum grande problema ocorresse mesmo que apenas pelo tempo necessário do problema ser estabilizado e sanado - ou de fazerem uma retirada de emergência, o que acontecesse primeiro. Seu computador, a máquina central controladora de todos os sistemas, operava em stand-by durante seus períodos de folga.
Na verdade, não era nem mesmo o "cabeça" da operação! Era apenas um técnico de informática, amara os computadores desde a infância... Destacara-se nos estudos de computadores e sistemas, fizera uma excelente universidade com uma bolsa de estudos melhor ainda, fora treinado para estar entre os melhores... Naquele momento, porém, sabia que precisava ainda dar muitos passos se buscava uma pretensa "perfeição"... Mas o que importava? Era bem jovem ainda, seu tutor achou que aquela era uma excelente oportunidade de mostrar suas capacidades além de abrir muitas portas em seu futuro...
E realmente fora o maior desafio que já encontrara... Chamaram-no para fazer parte de uma equipe de um dos projetos mais ambiciosos produzidos pela Humanidade... Trabalhara no desenvolvimento do software de interligação entre os diversos terminais od projeto, entre os diversos setores de toda a operação. E ele, criador, talvez fosse a pessoa mais indicada para comandar o programa, diretamente em seu lugar de aplicação. Obviamente era perigoso demais deixar tudo nas mãos de uma inteligência artificial - se a própria inteligência humana já era falha, não podiam confiar tudo a uma derivativa dessa... Podia até acontecer do poder lhe subir à cabeça, não era seguro...
Mas agora olhando para a tela em sua frente - e ignorando por alguns segundos aquelas ao seu redor - e perdendo-se em um mar de códigos apenas para averiguar que tudo se encaminhava como o necessário, os dedos batendo preguiçosos no teclado, tinha dúvidas se realmente desejava aquilo... Não fazia nem vinte minutos que se sentara e resolvera dar uma volta pela sala para espantar um pouco do tédio, perguntando-se o que fazia ali.
Ao olhar por uma escotilha, lembrou-se imediatamente. Fazia parte da primeira missão humana tripulada para Marte, estava em uma base orbital de apoio responsável por auxiliar e coordenar as equipes que trabalhavam em terra, toda a humanidade clamava pelo sucesso daquela missão! Podia lembrar-se dele quando criança, de brincar de astronauta, de desejar cruzar galáxias, ao mesmo tempo que via as crianças que tinham aquela equipe como ídolos, adultos que voltavam a ter as expectativas da juventude ao ver os telejornais ou procurar notícias na internet sobre o andamento da missão...
E, além de tudo isso... Não havia visão mais bela para se começar o dia do que o Planeta Vermelho ali tão próximo, ao perfeito alcance de seu olhar.
***
Das antigas.
Achei remexendo meus arquivos.
Dá para ver que dei uma mudada boa, não? ^^
E até a próxima terça! ;-)
Com cuidado saiu de sua "cama", na verdade apenas uma cápsula no interior de uma parede, tinha vezes em que realmente acreditava estar dormindo em um gavetão do IML... Pelo menos não sofria de claustrofobia, o que poderia fazer com que as coisas se tornassem bem piores... Ou melhor, caso fosse claustrofóbico, não haveria lugar para ele ali! Afinal, há quantos dias estava confinado ali? Estava na véspera de completar três meses, lembrou-se...
Desceu as escadas que separavam seu "quarto" do corredor central - afinal seus companheiros de jornada ainda deviam estar dormindo naquele momento - e desceu novamente as escadas que se encontravam em um vão no meio do corredor até chegar à seção principal de sua "residência" atual. Pelo menos podia pôr os pés no chão e andar, aquele era um luxo raro para quem passava até mesmo dias flutuando... E como a piscina fazia falta, era muito melhor nadar na água do que no ar, pelo menos para ele!
Dirigindo-se para o banheiro, lembrou-se de detestar os tais reality shows que vez ou outra apareciam na TV quando era criança. Que idiotice viver em um confinamento observado por centenas de câmeras e milhares de espectadores, ter de conviver apenas com poucas pessoas por meses e dividir desde comida a tarefas domésticas! Lembrava-se também daqueles jogos de sobrevivência, em que um grupo era mandado a fazer tarefas extenuantes em destinos exóticos! Quanta ironia, pensou enquanto fazia sua higiene matinal com o mínimo cuidado para não desperdiçar nem uma gota de água, estava vivendo em um reality show gigante, era monitorado o tempo todo, vivia em confinamento com outros três camaradas que conhecera no dia de embarcar, tinha de racionar toda a comida e dividir tarefas domésticas, fazia tarefas extenuantes diárias... E o que é pior, não era por um prêmio milionário! Vidas dependiam dele, inclusive sua própria, não podia se dar ao luxo de ser descuidado e provocar um acidente - que resultaria consequências muito mais graves do que uma "eliminação"...
Ao tirar os suprimentos de alimentação do armário e preparar seu café da manhã - a maldita papinha de leite em pó com aveia! - foi tomado por uma onda de nojo antes de respirar fundo e mandar tudo pra dentro: que saudades de comer nem que fosse a mais banal comida caseira, um purê que fosse feito com batatas frescas, carne assada e principalmente... Uma bela salada! Nunca na vida imaginara sentir saudades de comer um bom prato de alface, tomate e cenoura! Enquanto engolia seu café insosso, imaginava-se comendo o melhor jantar preparado pelo melhor cozinheiro, tinha saudades até mesmo daquilo que nunca gostara de comer!
Terminando o café, foi até a sala de operação de máquinas, sentando-se calmamente em seu lugar e inicializando os sistemas de seu computador pessoal. As outras máquinas eram independentes apesar de subordinadas ao sistema central, o que facilitaria controlar uma pane, porexemplo. Um coração funciona por algum tempo mesmo depois que o cérebro pára, os órgãos vitais da operação precisavam funcionar mesmo sem o cérebro caso algum grande problema ocorresse mesmo que apenas pelo tempo necessário do problema ser estabilizado e sanado - ou de fazerem uma retirada de emergência, o que acontecesse primeiro. Seu computador, a máquina central controladora de todos os sistemas, operava em stand-by durante seus períodos de folga.
Na verdade, não era nem mesmo o "cabeça" da operação! Era apenas um técnico de informática, amara os computadores desde a infância... Destacara-se nos estudos de computadores e sistemas, fizera uma excelente universidade com uma bolsa de estudos melhor ainda, fora treinado para estar entre os melhores... Naquele momento, porém, sabia que precisava ainda dar muitos passos se buscava uma pretensa "perfeição"... Mas o que importava? Era bem jovem ainda, seu tutor achou que aquela era uma excelente oportunidade de mostrar suas capacidades além de abrir muitas portas em seu futuro...
E realmente fora o maior desafio que já encontrara... Chamaram-no para fazer parte de uma equipe de um dos projetos mais ambiciosos produzidos pela Humanidade... Trabalhara no desenvolvimento do software de interligação entre os diversos terminais od projeto, entre os diversos setores de toda a operação. E ele, criador, talvez fosse a pessoa mais indicada para comandar o programa, diretamente em seu lugar de aplicação. Obviamente era perigoso demais deixar tudo nas mãos de uma inteligência artificial - se a própria inteligência humana já era falha, não podiam confiar tudo a uma derivativa dessa... Podia até acontecer do poder lhe subir à cabeça, não era seguro...
Mas agora olhando para a tela em sua frente - e ignorando por alguns segundos aquelas ao seu redor - e perdendo-se em um mar de códigos apenas para averiguar que tudo se encaminhava como o necessário, os dedos batendo preguiçosos no teclado, tinha dúvidas se realmente desejava aquilo... Não fazia nem vinte minutos que se sentara e resolvera dar uma volta pela sala para espantar um pouco do tédio, perguntando-se o que fazia ali.
Ao olhar por uma escotilha, lembrou-se imediatamente. Fazia parte da primeira missão humana tripulada para Marte, estava em uma base orbital de apoio responsável por auxiliar e coordenar as equipes que trabalhavam em terra, toda a humanidade clamava pelo sucesso daquela missão! Podia lembrar-se dele quando criança, de brincar de astronauta, de desejar cruzar galáxias, ao mesmo tempo que via as crianças que tinham aquela equipe como ídolos, adultos que voltavam a ter as expectativas da juventude ao ver os telejornais ou procurar notícias na internet sobre o andamento da missão...
E, além de tudo isso... Não havia visão mais bela para se começar o dia do que o Planeta Vermelho ali tão próximo, ao perfeito alcance de seu olhar.
***
Das antigas.
Achei remexendo meus arquivos.
Dá para ver que dei uma mudada boa, não? ^^
E até a próxima terça! ;-)
segunda-feira, setembro 26, 2005
Reminiscências I
Anoitecera há pouco tempo, um pouco mais cedo do que de costume por conta da chuva que começava a cair. A garota abriu sua bolsa rapidamente procurando por uma sombrinha e, ao encontrá-la, abriu-a devagar. Ainda parada, olhou para a árvore à sua frente: o vento fazia com que algumas folhas caíssem no chão, visão que provocou um sorriso em seu rosto.
Precisava pensar em algum texto para o dia seguinte, durante todo o dia tentara em vão pensar em alguma coisa. Pensara em tabuleiros de xadrez, mas não queria desenvolver a idéia. Lembrara-se de algumas idéias que poderia desenvolver, mas nenhuma lhe parecia suficientemente madura. Recordara-se dos arquivos e rascunhos inacabados, mas teve certeza de que não terminaria nenhum deles a tempo.
Antes de enfrentar a chuva que caía, olhou para trás por uma última vez. Era uma pequena construção pintada de verde e amarelo, como o nome sugeria. Tinha passado por uma reforma recentemente e estava maior do que costumava ser, mais ampla e poderia até mesmo dizer que estava confortável. Sorriu novamente.
***
O caminho da escola para casa poderia ser entediante caso não houvesse companhia, era uma longa caminhada que consumia meia hora para mais. O segundo colegial também era uma época interessante: já não havia o susto inicial do primeiro ano e nem a pressão do terceiro. Os dezesseis anos também tinham sua característica: deixavam finalmente a infância para trás e começavam a vislumbrar os primeiros contornos de um mundo adulto.
- Me diga, qual deles reviveu na última edição?
Era uma menina de longos cabelos negros presos em um rabo-de-cavalo, um pouco alta e com roupas que não revelavam muito de seu corpo que perguntava. A seu lado, um garoto um pouco mais baixo, igualmente de óculos, vestindo uma bermuda e uma blusa preta estampada com um personagem do South Park, respondia calmamente:
- Eles não fazem mais isso, agora há uma orientação da editora para que a lei do morreu está morto possa valer.
- Sei, sei... – Respondeu a menina com um tom de incredulidade na voz.
Neste momento passavam na frente dos cartazes do cinema, o que provocou a reação de uma menina igualmente alta, os cabelos aloirados soltos e que no momento não estava com os habituais óculos:
- Olhem só! Vamos assistir esse filme no sábado, falamos dele por tanto tempo e ele finalmente chegou! Argh, detesto esse atraso todo, mas estou doida para assistir! Vaaaamos?
- Hum... – O garoto olhou para a entrada da galeria que convencionou-se chamar de shopping e disse. – Posso gastar uma única ficha agora?
As duas meninas se entreolharam e, alguns instantes depois, consentiram com a cabeça.
Naquela hora, o fliperama estava cheio de crianças e adolescentes que, saídos da aula, visitavam aquele lugar para uma última confraternização antes de irem para suas casas e afazeres cotidianos. Os três jovens entraram ali rapidamente e, após comprarem algumas fichas, visitaram as máquinas de costume: um jogo de corridas para a moça loura, um jogo que imitava passos de dança para os outros dois.
As setinhas coloridas inundavam o telão e, com algum sucesso, a dupla acertava com os pés os botões correspondentes. A música coreana invadia o lugar – e alguns comentários sobre procurá-la na internet posteriormente foram proferidos enquanto as atenções estavam concentradas no jogo. Quando a música acabou e a pontuação adquirida brilhou na tela, a garota disse, em um sorriso:
- Que bom, finalmente consegui passar dela!
- Pois é. – O menino respondeu. – Agora vou tentar um nível acima, me acompanha?
Enquanto a dupla tentava passos de dança mais elaborados, a terceira acompanhante chegava, um pouco transtornada:
- DROGA! Estava na última volta mas perdi o controle do carro e não ganhei a corrida.
- Ah, na próxima você ganha!
Ela sorriu rapidamente, antes de olhar para seu celular. Era uma mensagem rápida, não demorou mais do que trinta segundos para responde-la e voltar a atenção para o jogo dos amigos à sua frente.
Após gastarem todas as fichas, saíram do fliperama e da galeria, continuando o percurso para casa. Seguindo a rua, a pequena construção pintada de verde e amarelo como o nome sugeria já se fazia visível e, ao se aproximarem dela, não foram necessárias palavras para que entrassem. Em silêncio, rapidamente estavam na seção de quadrinhos, folheando as revistas que tinham chegado no dia anterior.
- Ah, estou louco para acompanhar essa minissérie! A saga anterior foi muito boa e li muitas críticas boas a respeito da atual! Mas não sei se poderei levá-la, ou se continuo levando essa outra... A história está mediana, mas estou gostando de acompanhá-la mesmo assim!
Enquanto o garoto pensava alto, as duas meninas estavam entretidas folheando outra edição pouco adiante. Não era de procedência norte-americana como a revista nas mãos do amigo, mas vinha de um ponto um pouco mais distante do globo... Comentavam alegremente com quem achavam que a protagonista deveria terminar, ou qual deveriam ser os rumos que a aventura tomaria.
- Que pena, ainda não chegou o número seguinte de minha coleção... E a batalha está ficando tão emocionante, quero saber logo o que acontece! – A menina morena disse tristemente.
- Mas o meu chegou hoje... Ah, depois de ler eu te empresto, você aceita?
- Claro!
Após acertarem as compras, começaram a circular pela banca folheando as revistas a esmo, enquanto o amigo fazia o mesmo com os quadrinhos para decidir qual deles seria sua escolha. Olhavam para as revistas de fofocas e faziam comentários a respeito daquele artista ou daquela novela –a maioria deles sarcásticos e ácidos. Olhavam as revistas de receita e tinham fome, além de comentarem sobre este ou aquele bolo parecerem gostosos o bastante para serem feitos. Olhavam as revistas femininas – e davam risadinhas a respeito dos conselhos de cunho sexual. A dona da banca já devia estar acostumada ao vê-los ali lendo as revistas –e quase nunca comprando alguma – todos os dias, então não fazia comentários a respeito de seus visitantes de hora de almoço.
Quando finalmente o menino se deu conta que não tinha uma opinião formada e precisava pensar um pouco mais antes de se decidir a respeito de qual revista levar, rapidamente foram embora da banca. O sol iluminava a rua e, calmamente, ainda rindo e comentando as revistas e novidades, o trio continuou a seguir o caminho habitual para casa. No dia seguinte fariam o mesmo percurso, assim como no outro dia e no outro. Era um hábito que faziam questão de manter.
***
Os respingos de chuva faziam barulho ao baterem na sombrinha, mas não era uma chuva forte o suficiente para molhá-la. Suas melhores lembranças dos tempos de colégio estavam relacionadas ao caminho da volta e aos lugares visitados durante este caminho. Continuou a andar o caminho para casa.
Já fazia alguns anos desde que estivera no segundo colegial e tivera dezesseis anos, muitas coisas haviam acontecido em sua vida e na vida de seus amigos. Já não convivia com eles diariamente, já não fazia o mesmo caminho e nem parava em todos os antigos pontos. O tempo tinha passado, o que era visível inclusive na reforma e na tinta sempre nova.
Sorriu, porém. Apesar do tempo estar diferente, tinha certeza de que mesmo que os caminhos mudassem, ainda percorriam-nos juntos.
******
Dedicado à duas pessoas muito especiais. ^^
E até a próxima terça!
Precisava pensar em algum texto para o dia seguinte, durante todo o dia tentara em vão pensar em alguma coisa. Pensara em tabuleiros de xadrez, mas não queria desenvolver a idéia. Lembrara-se de algumas idéias que poderia desenvolver, mas nenhuma lhe parecia suficientemente madura. Recordara-se dos arquivos e rascunhos inacabados, mas teve certeza de que não terminaria nenhum deles a tempo.
Antes de enfrentar a chuva que caía, olhou para trás por uma última vez. Era uma pequena construção pintada de verde e amarelo, como o nome sugeria. Tinha passado por uma reforma recentemente e estava maior do que costumava ser, mais ampla e poderia até mesmo dizer que estava confortável. Sorriu novamente.
***
O caminho da escola para casa poderia ser entediante caso não houvesse companhia, era uma longa caminhada que consumia meia hora para mais. O segundo colegial também era uma época interessante: já não havia o susto inicial do primeiro ano e nem a pressão do terceiro. Os dezesseis anos também tinham sua característica: deixavam finalmente a infância para trás e começavam a vislumbrar os primeiros contornos de um mundo adulto.
- Me diga, qual deles reviveu na última edição?
Era uma menina de longos cabelos negros presos em um rabo-de-cavalo, um pouco alta e com roupas que não revelavam muito de seu corpo que perguntava. A seu lado, um garoto um pouco mais baixo, igualmente de óculos, vestindo uma bermuda e uma blusa preta estampada com um personagem do South Park, respondia calmamente:
- Eles não fazem mais isso, agora há uma orientação da editora para que a lei do morreu está morto possa valer.
- Sei, sei... – Respondeu a menina com um tom de incredulidade na voz.
Neste momento passavam na frente dos cartazes do cinema, o que provocou a reação de uma menina igualmente alta, os cabelos aloirados soltos e que no momento não estava com os habituais óculos:
- Olhem só! Vamos assistir esse filme no sábado, falamos dele por tanto tempo e ele finalmente chegou! Argh, detesto esse atraso todo, mas estou doida para assistir! Vaaaamos?
- Hum... – O garoto olhou para a entrada da galeria que convencionou-se chamar de shopping e disse. – Posso gastar uma única ficha agora?
As duas meninas se entreolharam e, alguns instantes depois, consentiram com a cabeça.
Naquela hora, o fliperama estava cheio de crianças e adolescentes que, saídos da aula, visitavam aquele lugar para uma última confraternização antes de irem para suas casas e afazeres cotidianos. Os três jovens entraram ali rapidamente e, após comprarem algumas fichas, visitaram as máquinas de costume: um jogo de corridas para a moça loura, um jogo que imitava passos de dança para os outros dois.
As setinhas coloridas inundavam o telão e, com algum sucesso, a dupla acertava com os pés os botões correspondentes. A música coreana invadia o lugar – e alguns comentários sobre procurá-la na internet posteriormente foram proferidos enquanto as atenções estavam concentradas no jogo. Quando a música acabou e a pontuação adquirida brilhou na tela, a garota disse, em um sorriso:
- Que bom, finalmente consegui passar dela!
- Pois é. – O menino respondeu. – Agora vou tentar um nível acima, me acompanha?
Enquanto a dupla tentava passos de dança mais elaborados, a terceira acompanhante chegava, um pouco transtornada:
- DROGA! Estava na última volta mas perdi o controle do carro e não ganhei a corrida.
- Ah, na próxima você ganha!
Ela sorriu rapidamente, antes de olhar para seu celular. Era uma mensagem rápida, não demorou mais do que trinta segundos para responde-la e voltar a atenção para o jogo dos amigos à sua frente.
Após gastarem todas as fichas, saíram do fliperama e da galeria, continuando o percurso para casa. Seguindo a rua, a pequena construção pintada de verde e amarelo como o nome sugeria já se fazia visível e, ao se aproximarem dela, não foram necessárias palavras para que entrassem. Em silêncio, rapidamente estavam na seção de quadrinhos, folheando as revistas que tinham chegado no dia anterior.
- Ah, estou louco para acompanhar essa minissérie! A saga anterior foi muito boa e li muitas críticas boas a respeito da atual! Mas não sei se poderei levá-la, ou se continuo levando essa outra... A história está mediana, mas estou gostando de acompanhá-la mesmo assim!
Enquanto o garoto pensava alto, as duas meninas estavam entretidas folheando outra edição pouco adiante. Não era de procedência norte-americana como a revista nas mãos do amigo, mas vinha de um ponto um pouco mais distante do globo... Comentavam alegremente com quem achavam que a protagonista deveria terminar, ou qual deveriam ser os rumos que a aventura tomaria.
- Que pena, ainda não chegou o número seguinte de minha coleção... E a batalha está ficando tão emocionante, quero saber logo o que acontece! – A menina morena disse tristemente.
- Mas o meu chegou hoje... Ah, depois de ler eu te empresto, você aceita?
- Claro!
Após acertarem as compras, começaram a circular pela banca folheando as revistas a esmo, enquanto o amigo fazia o mesmo com os quadrinhos para decidir qual deles seria sua escolha. Olhavam para as revistas de fofocas e faziam comentários a respeito daquele artista ou daquela novela –a maioria deles sarcásticos e ácidos. Olhavam as revistas de receita e tinham fome, além de comentarem sobre este ou aquele bolo parecerem gostosos o bastante para serem feitos. Olhavam as revistas femininas – e davam risadinhas a respeito dos conselhos de cunho sexual. A dona da banca já devia estar acostumada ao vê-los ali lendo as revistas –e quase nunca comprando alguma – todos os dias, então não fazia comentários a respeito de seus visitantes de hora de almoço.
Quando finalmente o menino se deu conta que não tinha uma opinião formada e precisava pensar um pouco mais antes de se decidir a respeito de qual revista levar, rapidamente foram embora da banca. O sol iluminava a rua e, calmamente, ainda rindo e comentando as revistas e novidades, o trio continuou a seguir o caminho habitual para casa. No dia seguinte fariam o mesmo percurso, assim como no outro dia e no outro. Era um hábito que faziam questão de manter.
***
Os respingos de chuva faziam barulho ao baterem na sombrinha, mas não era uma chuva forte o suficiente para molhá-la. Suas melhores lembranças dos tempos de colégio estavam relacionadas ao caminho da volta e aos lugares visitados durante este caminho. Continuou a andar o caminho para casa.
Já fazia alguns anos desde que estivera no segundo colegial e tivera dezesseis anos, muitas coisas haviam acontecido em sua vida e na vida de seus amigos. Já não convivia com eles diariamente, já não fazia o mesmo caminho e nem parava em todos os antigos pontos. O tempo tinha passado, o que era visível inclusive na reforma e na tinta sempre nova.
Sorriu, porém. Apesar do tempo estar diferente, tinha certeza de que mesmo que os caminhos mudassem, ainda percorriam-nos juntos.
******
Dedicado à duas pessoas muito especiais. ^^
E até a próxima terça!
terça-feira, setembro 20, 2005
Herói
Não sabia mais há quanto tempo estava caminhando, tinha perdido as contas de quantos dias fazia desde que sua jornada tinha começado, assim como já não sabia mais quantos tinha matado. Homens, monstros, demônios... Criaturas que se opunham ao seu caminho e ameaçavam sua vida. Sobrevivência. Era o que contava.
Um dia tivera nos olhos o brilho de um jovem que queria mudar o mundo, mas atualmente era apenas um espadachim embrutecido pelas batalhas. Tinha visto o inferno tantas vezes que este já não lhe apavorava, pois acabara por se tornar tão ameaçador quanto aquilo que precisava enfrentar. Já não desejava mudar o mundo, queria apenas manter-se vivo.
Andava por uma estrada vazia. Precisava manter-se alerta, não sabia o que poderia surgir... Talvez fosse tal alerta constante que o fez ouvir alguns sons estranhos e, indo na direção deles, percebeu um menino de não mais que dez anos de idade cercado por lobos.
O que eram lobos diante de tudo o que ele já tivera de enfrentar até aquele dia? Eram quase tão inofensivos para ele quanto cachorrinhos... Porém, para aquele menino, eram tão apavorantes e mortais quanto o maior dos dragões.
Não era sua função salvar pessoas que não tinham condições de se auto-proteger, mas antes mesmo que pudesse pensar a respeito do que fazia, sua espada já estava fora da bainha e pedaços de lobo jaziam pelo chão enquanto o menino olhava para ele.
- Está salvo agora. – Limitou-se a dizer.
O menino nada disse. Podia perceber, todavia, o brilho indisfarçável de seus olhos. Era muito mais do que o agradecimento pela vida salva: era uma admiração incondicional. Em um mundo de guerras, não havia nada de extraordinário em ser um espadachim, mas aquele menino o olhava como se fosse sobre-humano.
Como se fosse um título que abominava mais do que tudo.
Como se fosse... Um herói.
- Senhor... Obrigado...
Aqueles olhos... Não havia gratidão mais sincera do que a presente naquele olhar. O menino levantou-se e tocou-o com a mesma reverência que tocaria em uma deidade e disse:
- Senhor, venha comigo até minha aldeia!
A frase fora dita numa alegria pueril tão contagiante que não admitiu recusa. Não era seu papel proteger pessoa alguma e nem impedir a morte de ninguém, mas gostaria de garantir que a criança chegasse bem em casa, fosse recebida por pais que deveriam esperar ansiosos por notícias do filho e seguir com sua vida.
Afinal, logo ele também teria nos olhos o brilho daqueles que querem mudar o mundo.
***
Esse é um miniconto feito especialmente para uma lista de discussões ao qual pertenço.
Não gostei muito do TAMANHO dele, achei que tudo ficou condensado demais, mas vale como experiência.
Pode ser que ganhe versão extendida. Pode ser. :-)
Até a próxima terça ;-)
Um dia tivera nos olhos o brilho de um jovem que queria mudar o mundo, mas atualmente era apenas um espadachim embrutecido pelas batalhas. Tinha visto o inferno tantas vezes que este já não lhe apavorava, pois acabara por se tornar tão ameaçador quanto aquilo que precisava enfrentar. Já não desejava mudar o mundo, queria apenas manter-se vivo.
Andava por uma estrada vazia. Precisava manter-se alerta, não sabia o que poderia surgir... Talvez fosse tal alerta constante que o fez ouvir alguns sons estranhos e, indo na direção deles, percebeu um menino de não mais que dez anos de idade cercado por lobos.
O que eram lobos diante de tudo o que ele já tivera de enfrentar até aquele dia? Eram quase tão inofensivos para ele quanto cachorrinhos... Porém, para aquele menino, eram tão apavorantes e mortais quanto o maior dos dragões.
Não era sua função salvar pessoas que não tinham condições de se auto-proteger, mas antes mesmo que pudesse pensar a respeito do que fazia, sua espada já estava fora da bainha e pedaços de lobo jaziam pelo chão enquanto o menino olhava para ele.
- Está salvo agora. – Limitou-se a dizer.
O menino nada disse. Podia perceber, todavia, o brilho indisfarçável de seus olhos. Era muito mais do que o agradecimento pela vida salva: era uma admiração incondicional. Em um mundo de guerras, não havia nada de extraordinário em ser um espadachim, mas aquele menino o olhava como se fosse sobre-humano.
Como se fosse um título que abominava mais do que tudo.
Como se fosse... Um herói.
- Senhor... Obrigado...
Aqueles olhos... Não havia gratidão mais sincera do que a presente naquele olhar. O menino levantou-se e tocou-o com a mesma reverência que tocaria em uma deidade e disse:
- Senhor, venha comigo até minha aldeia!
A frase fora dita numa alegria pueril tão contagiante que não admitiu recusa. Não era seu papel proteger pessoa alguma e nem impedir a morte de ninguém, mas gostaria de garantir que a criança chegasse bem em casa, fosse recebida por pais que deveriam esperar ansiosos por notícias do filho e seguir com sua vida.
Afinal, logo ele também teria nos olhos o brilho daqueles que querem mudar o mundo.
***
Esse é um miniconto feito especialmente para uma lista de discussões ao qual pertenço.
Não gostei muito do TAMANHO dele, achei que tudo ficou condensado demais, mas vale como experiência.
Pode ser que ganhe versão extendida. Pode ser. :-)
Até a próxima terça ;-)
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