quarta-feira, outubro 25, 2006

Príncipe Heróico

Depois de procurar O Mais Isolado dos Castelos, enfrentar o Dragão Guardião e procurar A Mais Alta Torre, finalmente tinha alcançado o fim de seu treinamento de Príncipe Heróico e estava a poucos passos de cumprir aquilo que estava escrito, despertando a Princesa Adormecida para futuramente casar-se com ela e herdar todo o seu próprio reino!

Ela estava deitada numa cama no meio do quarto, o Príncipe Heróico deu solenes passos em sua direção. Segundo a Antiga Lenda, bastava apenas Um Beijo, um Único Beijo, para quebrar a Maldição e despertar a Princesa Adormecida!

Enquanto a observava em seu sono profundo, não podia negar que ela era bonita. Não parecia ter muito mais do que dezesseis anos, os cachos castanho-avermelhados caíam levemente por seu rosto e ombros, os lábios rosados pareciam um botão de rosa pronto para ser tocado pelos seus... Vai ver seria agradável ser seu marido e Senhor de um Vasto Reino.

Mas... E as horas cavalgando sozinho pelos campos, enquanto treinava? E a busca pelas Maiores Aventuras, a luta com Monstros Horrendos, os desafios a Lutadores Poderosos, as caçadas aos Dragões Mágicos – e, claro, encher a cara de cerveja na taverna enquanto desfiava seus Grandes Feitos?

Trocaria tudo isso por horas diante da lareira, um cachorro correndo no tapete junto das crianças pequenas, a Princesa Adormecida amavelmente bordando brasões a seu lado?

Definitivamente, não.

O Príncipe Heróico deu meia-volta. Logo apareceria outro Dragão Guardião e a Antiga Lenda seria cumprida por Alguma Outra Pessoa.

terça-feira, agosto 08, 2006

Observação

Podem ficar tranquilos que sai atualização ainda essa semana ;-)

Mas não hoje...

terça-feira, agosto 01, 2006

Petardo Filosofal II

Insatisfeito com a evasiva da Voz Cavernosa, o jovem cavaleiro continuou sua Busca. Arriscando sua vida, estava no cume da Maior das Montanhas, onde a Grande Mãe Que Tudo Ouvia poderia respondê-lo.
Fez então A Maior das Perguntas, e uma Voz Magnífica respondeu:
- Ponha o casaquinho para não ficar resfriado!

***

Tamanho do texto proporcional ao meu tempo livre disponível.
Mas o texto de semana que vem será grande, esperem, confiem e confiram =P

terça-feira, julho 25, 2006

Tróia e Olhos Negros

Meninas que se refugiam em bibliotecas não parecem ser as pessoas mais interessantes do mundo. Pelo menos é o que a maioria das pessoas acha – ou principalmente elas mesmas acreditam piamente. Afinal, ninguém costuma prestar atenção naquelas que vivem abraçadas a livros, entre prateleiras e cheirando a mofo. As outras meninas costumam ser milhares de vezes mais interessantes.

Pelo menos, atrás de meus óculos e meus livros, minha linha de pensamento é essa. Posso ver fadas e brincar com elas, além de tocar estrelas com a mão só para descobrir que elas são fofinhas e possuem cinco pontas. Afinal, ter seus próprios mundos é bem interessante, assim como passear por ele enquanto as pessoas ao redor parecem presas na realidade comum.

E eu sentada e encolhida pensando em meus mundos... Foi quando ele apareceu. O dono dos olhos negros! O coração palpitava, mas o que uma garota de livros teria de interessante para oferecer?

- No que está pensando agora? Parece tão concentrada...

Ah! Ele falou comigo!

- Tróia! – Foi a primeira coisa que meus lábios balbuciaram.

Os olhos negros me fitaram com espanto. Ah, por que fui abrir minha boca! Se minha fama de maluca já é grande, imagine então ouvir uma resposta tão... abstrata! O que ele deve estar pensando de mim agora?

Não que esteja falando uma mentira... Adoraria conhecer Tróia, talvez seja meu reino imaginário predileto. Como seria ver de perto Zeus e Atena? Ou mesmo a armadura de Aquiles resplandecer? Talvez ver os raios de sol brilharem no mar azul coalhado de navios, talvez passear pelas ruas e rezar em templos de mármore.

Talvez me perder nos meandros de minha imaginação.

E perder junto minha grande chance! O dono dos olhos brilhantes depois de ouvir uma frase dessas não tentaria conversar comigo de novo! E não tenho coragem para iniciar uma conversa com ele. Minhas pernas tremem só de pôr os olhos nele, o que dizer de ter um diálogo minimamente inteligente! E quantos diálogos imaginários criei e treinei imaginando a hipótese de que ele viesse falar comigo! Para na hora que meu sonho finalmente se realiza balbuciar algo sem o menos nexo lógico!

- Ora, mas eu sempre torci para Heitor... – Ele respondeu sorrindo.

Retribuí o sorriso numa surpresa feliz. Será que poderia falar de Tróia e todos os meus mundos com ele, será que poderia partilhá-los com alguém? Será que alguém não me acharia maluca por meus sonhos e devaneios?

Bom, só tinha uma maneira de saber...

E talvez meninas de bibliotecas pudessem até mesmo ser enxergadas por aqueles olhos tão lindos...

***

Ficou meio bobinho, mas espero passar a idéia do texto.
É idéia antiga, mas ganhou mais força ultimamente.

Bom, faz quase um ano que mantenho esse blog, com alguns hiatos. Que esses hiatos não mais existam. Porque não fiz um blog para genialidade, fiz para não ser refém de algo maldito chamado "inspiração".

Inspiração é o de menos, o que existe é treino, paciência, perseverança.
E são essas as qualidades que desejo como escritora. Hoje é nosso dia, não é mesmo, 25/07! Feliz dia do escritor pra quem se envereda por essa filosofia de vida, então...

E tentando evitar hiatos.

quarta-feira, junho 28, 2006

Petardo Filosofal

Após empreitar a Grande Busca, seguir as Trilhas e procurar os Rumos, o jovem cavaleiro estava ali, diante do Abismo Final, onde todas as suas perguntas seriam respondidas.
E, depois de fazer A Maior Das Perguntas, uma Voz Cavernosa ressoou, fazendo tremer toda a terra:
- Não perturbe, estou vendo jogo.

***

Microconto para não deixar a atualização em branco.

segunda-feira, junho 19, 2006

Apocalipse Particular

Estava tudo milimetricamente preparado.

Olhava-se no espelho do banheiro, preparando-se para o discurso dali a pouco. Repassava as palavras escritas magistralmente por sua assessoria: estaria ao vivo em todas as televisões, rádios e sites do planeta dentro de poucos minutos. Seria o anúncio mais importante de toda a sua vida, era um dia extremamente feliz, depois de planos feitos por todos os anos!

Logo todos os conflitos terminariam e o mundo retornaria a um ciclo de paz e prosperidade!

Anunciaria que logo toda a humanidade seria salva! Afinal, toda a fome que dominava o mundo terminaria, os terroristas não tirariam a água e os alimentos da população de bem, as doenças que se proliferavam sem fim naquela massa humana pobre e faminta acabariam.

O povo que representava, os eleitos para desfrutarem do mundo, logo o teriam para si, purgado de todo o mal da humanidade! Tinha sido posto no poder por sucessões sem-fim, viera de um conglomerado industrial. Um dos cinco que controlavam 98% da economia mundial – que, na verdade, pertenciam ao mesmo pequeno e seleto grupo de pessoas.

Os exércitos dos países inimigos tinham sido destruídos de forma eficaz, um trabalho perfeito de seus antecessores e dos espiões infiltrados de seu governo. Sem inimigos, a paz estava implantada! Era o Supremo Chanceler, o governo do mundo, o zelar por aquelas bilhões de almas estava em suas mãos!

E claro, para que seus filhos e netos pudessem desfrutar do melhor pedaço de solo para construir sua casa ultratecnológica, ter os alimentos mais saudáveis, a água mais pura e estarem livres das doenças, precisava eliminar as pragas que se reproduziam como formigas, os terroristas.

Eles não podiam aceitar a tecnologia? O mundo era daquele jeito mesmo, precisavam se conformar que o conforto existia apenas para os milhares de privilegiados que podiam consumir produtos dos cinco grandes conglomerados, que não havia conforto o suficiente para todos. Eram apenas pobres almas controlados por religiões fanáticas e líderes sanguinários! Como poderiam tentar ir contra instituições criadas já há séculos?

Mas é claro que eles não entendiam isso, nem depois das armas químicas instaladas – porque para que as crianças puras sobrevivam, é preciso destruí-los antes que as degolem -, dos bombardeios, do fim da pesquisa da cura das doenças que os afligiam. Precisavam entender que eram um entrave para o desenvolvimento do mundo!

Então, entraria em rede mundial naquele momento, a partir de uma das colônias espaciais, onde as pessoas que tinham dinheiro para pagar o traslado se refugiavam do mundo caótico. Faria um discurso sobre como os próximos tempos seriam bons e plenos, como o progresso viria a passos largos.

Em seguida, das colônias, as cidades seriam bombardeadas. As chances eram de que as pobres almas que roubavam os recursos de seus escolhidos seriam eliminados em praticamente sua totalidade.

E se faria a evolução.

***

Música: Do The Evolution, Pearl Jam
Não gosto muito de escrever textos com mensagens políticas explícitas, mas de vez em quando é necessário.

Não faz jus a música, mas...

segunda-feira, maio 29, 2006

Templo do Amor

With the fire from the fireworks up above
With a gun for a lover and a shot for the pain
You run for cover in the temple of love
I shine like thunder cry like rain
And the temple grows old and strong
But the wind blows longer cold and long
And the temple of love will fall before
This black wind calls my name to you no more

(Com o fogo dos fogos de artifícios acima/ Com uma arma para um amante e um tiro para a dor/ Você busca abrigo no templo do amor/ Eu brilho como trovão, choro com chuva/ E o templo se torna velho e forte/ Mas os ventos sopram frios e duradouros/ E o templo do amor cairá antes/ Que esse vento negro não leve mais meu nome para você)

Aquilo mais difícil de matar é o que jaz no local mais profundo de um ser. Sentimentos.

E precisava matá-los, pois precisava viver...

Tentou refugiar-se no templo do amor, mas este é uma quimera... Como refugiar-se em algo que não existe? Como refugiar-se em algo criado apenas por palavras doces, olhares que a procuravam pelos corredores, a insistência de estar a seu lado? Como não sucumbir a algo que parecia tão óbvio e certo?

Os fogos de artifício estouravam sobre sua cabeça, mas sentia-se o mais sozinho, abandonado e miserável dos seres. A procissão andava, admirava-se por ver a pé das pessoas pelas ruas, mas a fé que mais desejava ter provara-se impossível.

Não era cega, soube muito bem ler os sinais de indiferença, de que não era um sentimento mútuo. Na verdade, soube ler naquelas palavras doces a hesitação que carregavam, que jamais seriam levadas a cabo. O motivo? Não cabia a ela saber, talvez apenas intuí-los. Mas se não tinha a intenção de amá-la, por que ele lançara os alicerces daquele templo?

Talvez existisse alguma bala, algum remédio, alguma mágica capaz de exterminar sentimentos... Era uma esperança vã, mas podia haver uma solução miraculosa para seu caso. Sabia do fracasso, mas ainda tinha as esperanças das palavras doces, de que ele diria que tudo não passara de um mal-entendido e podiam ficar juntos.

Mas sabia que isso jamais aconteceria.

Imaginou que pudessem se abrigar juntos no templo do amor, que pudessem caminhar de mãos dadas por um caminho de pedras e espinhos... Sorria sarcasticamente, pensando em todas as ilusões que alimentara. Ilusões vazias, podia ver...

Um amor verdadeiro poderia esperar para sempre, ele dissera. Mas como seria, se ele nunca lhe dera a liberdade para amá-lo tão profundamente? Aquele que, nas entrelinhas, dissera-lhe que a vida era curta e o amor sempre acabava pela manhã?

Seu chão tinha desaparecido, não tinha suporte, tudo parecia apenas uma realidade vazia e cruel. Sonhos eram apenas poeira, a noite eterna se estendia sobre si, a esperança estava morta...

O templo do amor, onde sonhara se abrigar, tinha desmoronado.

***

Pessoal. Mais do que isso, personalíssimo.
Mas necessário...

A música é Temple of Love, Sisters of Mercy.

quarta-feira, abril 26, 2006

Traição

Os lábios pronunciavam antigos mantras, as mãos estendidas diante do corpo faziam pequenos gestos, mas não podia controlar as lágrimas que insistiam em correr de seus olhos. Sua mente ainda não tinha aceitado os fatos – era capaz de perdoar, aconselhar, esquecer, mas não de entender.

A garota, logo em sua frente, ajoelhada no centro de um símbolo de magia antiga desenhado em solo sagrado, chorava copiosamente. Porém, não podia sentir nela a mesma dor que sentia em si mesma – o pesar era diferente, as lágrimas tinham gosto diferente.

Onde tinha errado com a jovem? As coisas poderiam ter sido diferentes, por que tiveram de percorrer aquele rumo? Por que tudo precisava ter sido perdido daquela maneira tão cruel?

***

Um círculo de magia antiga.

Chorava, copiosamente, pelo que tinha sido, pelo que era, pelo que seria.

Era uma das últimas de uma das poucas espécies ainda abençoadas pelo dom da magia naquele mundo. Cabia a ela permanecer-se pura, ser parte da resistência de seu povo, não ser como as outras jovens que renegaram seu passado e seu próprio sangue para se deitarem na cama de algum humano.

Justo ela, atingida pela mais cruel das flechas.

Era um jovem caçador que se perdera na floresta sagrada dos domínios de seu povo. Estava ferido, não podia deixar que morresse! Afinal, não cabia a ela zelar por todas as formas vivas?

Por duas semanas, amparada pela floresta, cuidou dele, até que partisse prometendo retornar algum dia para buscá-la.

Depois de alguns dias, deu-se conta de que a promessa jamais seria cumprida. Certamente ele estaria junto das outras humanas, ela seria apenas uma criatura da floresta com o qual se divertira. Sentiu o coração doer.

Mas a mágoa crescia dentro de si, assim como seu corpo mudava. Por sua imprudência, ou por estar cega pela paixão repentina, acabaram por firmar o contrato mais sagrado entre dois viventes – a criação de uma nova vida.

Tinha traído seu povo e seu sangue. Seria banida, não encontraria lugar entre os seus e nem entre os humanos.

As lágrimas escorriam carregadas de angústia por seu rosto.

***

Sua própria filha, da grande sacerdotisa. Fosse qualquer outra garota da aldeia, não sentira a mesma dor.

A garota preparada desde a tenra idade para sucedê-la tinha traído seu próprio povo. Se estava invocando aquela antiga magia, era para tentar reparar pelo menos um pouco o que fora perdido. Mas não podia entender porque justo sua menina tinha sido seduzida por um humano.

Sentiu como se a cabeça fosse explodir. A filha sofria, o elo mental entre as duas não podia deixar com que se enganasse.

- Pare, mamãe. Chega.

E ela se arrastou para fora do círculo.

- Devo zelar por tudo aquilo que vive...

Levantou-se, entre as lágrimas. Tinha feito o maior dos pactos de sangue, o pequeno ser que carregava não era culpado por seus erros. Seria banida, mas já não se importava: tinha feito sua escolha.

- Mas...

As palavras morreram na garganta da sacerdotisa. Não precisava de palavras, o elo mental lhe era bastante claro para saber dos sentimentos da jovem. Suspirou com profunda tristeza.

Era mais um passo para a extinção da magia naquele mundo.

***

"Fantasia melosa".

E merece extensão, ah, se merece...

terça-feira, abril 18, 2006

Em Seu Quarto

Aqui.

Onde o tempo move-se apenas de acordo com sua vontade absoluta.

Onde é o senhor, o dono, o ser absoluto... Onde sua vontade faz lei. Onde tudo orbita apenas por seu desejo.

Estou aqui.

Por quanto tempo deseja que eu fique? Alguns minutos, algumas horas... Para sempre?

Quando me tomará em seus braços – ao invés de me deixar jazer aqui, em sua escuridão preferida? Pois vivo por sua respiração, sinto por sua pele, espero por suas palavras, vejo através de seus olhos de chamas.

Deixe-me entrar em sua meia-luz predileta... Em sua consciência, em seu domínio particular. Em sua fortaleza, em seu reino, em seu âmago.

Afinal, é meu maior desejo. Ser pequena parte de sua consciência, ser seu jogo predileto, seu sorriso predileto, sua paixão predileta. Ter voz dentro de seu domínio. Poder penetrá-lo, poder compartilhar dele.

Aqui, onde nenhuma outra alma existe.

Poderei ficar aqui para sempre?

Afinal, já teve a sensação de estar diante de seu próprio espelho, sua própria imagem? Que, talvez, seu domínio seja tão parecido com o meu que eles podem até vir a se fundir algum dia?

Pois, agora, este é meu maior desejo.

Ficar aqui.

***

Nem ouvi Depeche Mode pra escrever esse texto, imagina...
Reativando o blog. Vamos ver se agora consigo resolver os percalços. :-)

quarta-feira, março 22, 2006

Aos Caríssimos Visitantes do Blog

O mesmo não está cancelado, apenas passa por problemas técnicos.

A blogueira em questão é universitária e isso traz muitos afazeres extra-blog a ela.

Espero resolver os problemas em breve e retomar a periodicidade :-)

quarta-feira, março 01, 2006

Luxúria

Olhei-a, a risada cristalina tomando o ambiente por completo. Vestia-se com um conjunto de vinil vermelho que realçava as belas formas de seu corpo, tinha olhos grandes e lábios carnudos, os cabelos louros presos em um coque no alto da cabeça. Simplesmente, era a personificação mais perfeita de tentação que eu poderia conceber e estava em minha frente, em um canto mais reservado do bar.

As palavras provocantes saíam de sua boca, assim como a movimentação de seu corpo. Era como se ela fizesse com que meus instintos primitivos viessem à tona com toda a velocidade possível, o desejo de possuí-la naquele local e naquele momento crescia assustadoramente.

E ela era ardilosa. Ajoelhou-se sobre a mesa e com as mãos – enfeitadas por longas unhas igualmente vermelhas – acariciou meu rosto enquanto punha um sorriso de convite nos lábios. Ria sonoramente, como se tudo fosse uma grande piada. Na verdade, estava perto disso: um jogo de sedução.

As coxas grossas se espalharam sobre a pequena mesa e os pés tiveram cuidado para não tropeçar na taça de vinho que eu bebia, a luz indireta do ambiente dando um tom azulado a sua pele. Seria tudo um estratagema para que eu percebesse sua roupa íntima – ou melhor, a falta dela? Os lábios carnudos, convite para o pecado, diziam levemente:

- Venha...

Não precisou repetir o convite. Com um movimento brusco, coloquei-me sobre ela na mesa, derrubando a taça e tingindo o tapete de vermelho. Minhas mãos percorriam devagar aquelas formas tão perfeitas, meus lábios roçaram de leve aquela tentação adornada com batom carmim.

Levantei-me para desabotoar minha camisa, acompanhado pela lascívia em forma de olhos. Mas, mais rápido do que eles puderam perceber, tirei minha pistola da cintura de minha calça e atirei rápido, sem um pingo de hesitação, na testa da garota sob mim.

Ao invés de sangue e pedaços de osso e massa encefálica, plástico retorcido pela bala e pedaços de metal. Mais alguns tiros e os olhos que espelharam luxúria se apagaram, o corpo que se movia em convite, prostrado sobre a mesa.

Uma andróide de sedução e eliminação. Um momento de prazer e a posterior morte. Pensaram que eu fosse cair nessa? Truque velho, pensei que meus inimigos fossem mais ardilosos para tentar me parar.

Além do que, imaginariam eles que eu teria alguma ilusão a respeito de um ser de formas tão perfeitas e provocantes... Ser uma garota humana? Ainda mais interessada em um pistoleiro tão sem atrativos como eu?

Faça-me rir!

***

Tempo escasso e atribulado.

Tarefas de execução necessária imediatas.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

Copélia

Apenas um invólucro de cera. Era tudo o que desejava ao me fazer!

Nasci por obra de suas mãos habilidosas, que me moldaram, criaram, fizeram aquilo que sou. Fui sua obra-prima, aquela da qual tinha orgulho em seu atelier, que colocou em sua vitrine, que exibiu com todo o orgulho de criador.

Até o belo dia em que o invólucro ganhou conteúdo. Que passei a ter o sopro da vida... Sem carne, mas com uma alma. E passei a observar seu trabalho, sua rotina, seu mundo de bonecas.

Eu era apenas a maior delas, não? Olhei-me no espelho, encantei-me com meus próprios olhos azuis e cachos negros. Minha pele rosada de formas perfeitas, um vestido delicadamente de cor-de-rosa. Seu carinho de acariciar levemente meu rosto e me chamar de “minha querida” antes de sentar-se e fazer outras iguais a mim.

Todos os dias meninas invadiam seu atelier. Buscavam suas companheiras para brincadeiras nas prateleiras, enchiam o lugar de risadas e alegria. Gostava de observá-las, desejava ser uma delas. Ofereceram muito dinheiro por mim, me chamaram de “réplica perfeita”, ofereceram somas enormes de dinheiro. E você sempre recusou, dizia que nenhum dinheiro do mundo poderia me comprar.

Observava pacientemente suas noites árduas de trabalho, especialmente nas vésperas do Natal, quando crianças e pais invadiam sua loja em busca do mais belo presente para marcar a data. Era com alegria que eu percebia o sorriso de satisfação em seu rosto por vê-las tão contentes, exultantes com os novos brinquedos. Sempre amou vê-las sorrindo, então era por isso que se tornara artesão?

Até que, certo dia, começou a conversar comigo. Contava histórias de terras distantes, lendas e aventuras que eu me deliciava em ouvir, mesmo sem poder responder. Seus olhos brilhavam enquanto as contava, assim como havia um belo sorriso em seu rosto cansado. Como eu queria dizer que adorava o som de sua voz!

Acariciou meu rosto. Disse que gostaria muito que eu estivesse com você. E eu sempre estava, em todos os momentos, em todas as circunstâncias... Desejei ter uma voz para poder dizer isso, assim como sonhei carne e sangue para acalentá-lo em meus braços. Da mesma maneira que eu ganhei uma alma, queria ganhar um corpo, queria poder retribuir os seus desejos, abraçá-lo, beijá-lo, dizer que eu sempre estaria a seu lado. Todos os dias ele me dizia as coisas mais belas, sobre o quanto gostaria de estar comigo caso isso fosse possível. E como tal perspectiva, por mais que me parecesse impossível, me fazia feliz!

Até o dia da verdade e da desilusão.

Foram suas palavras... Disse que eu nunca deveria tê-lo deixado. Mas como poderia, mesmo que por um minuto, deixar meu Criador se não posso me mexer? Foi quando compreendi. Eu era apenas uma imagem, apenas a representação daquela que te deixou. Apenas um objeto de suas saudades.

Não me amava mais do que um artesão ama sua obra perfeita, ou mesmo me via além da boneca que tinha a forma de uma pessoa querida. Era eu um objeto de cera, não mais do que isso, apenas um enfeite em seu atelier representando seus sentimentos. Não era um ser autônomo.

Implorei então por quem me presenteara com uma alma... Para que tê-la se jamais poderia estar com você? Para que sentimentos e pensamentos se jamais poderia expressá-los? Para que ser presenteada com tanto sofrimento?

Foi com espanto e certa emoção que vi seus olhos desconcertados para os meus, que vertiam lágrimas.

***

Jamais magoe o coração de uma boneca. A consequência pode ser péssima =P

Atualização extraordinária na sexta, caso não ocorram problemas técnicos. Aguardem!

terça-feira, janeiro 31, 2006

Ilusões Estilhaçadas

A jovem maga estava parada diante de seu espelho observando sua imagem refletida. Por quantos dias não esperou ali a imagem da terra distante, do homem que amara ao pôr os olhos em um primeiro momento? Das roupas estranhas, do lugar estranho... Da comunicação entrecortada, de poderem se ver sempre, mas nunca se encontrar; da esperança alimentada todo o dia que estariam juntos.

Esperança vã.

Seus sentimentos eram completamente sinceros e se entregara a eles com todas as suas forças. Negligenciara seus estudos e práticas, queria passar os dias diante daquele espelho, o único elo, a única razão, o único contato...

Buscara magias antigas e proibidas, experimentara diversos símbolos arcanos, colocaria todas as suas forças para poder estar junto dele. Sabia ser praticamente impossível, sabia estar esmurrando a ponta de uma faca, mas amava-o. Amava-o como se fosse aquela sua causa, sua bandeira.

Desnecessário dizer que tudo dera errado – e como odiara sua própria realidade por isso! Sentira-se sem ar, presa a uma vida enfadonha e imbecil, desejara trocar sua alma para poder estar com ele, desejara morrer, desejara nunca ter nascido. Era apenas ele, do outro lado do espelho, que importava, não sua vida e atribuições medíocres de mera aprendiz.

Não que ele demonstrasse sentir o mesmo ou o mínimo interesse de fazer o caminho inverso para o seu lado do espelho. Recebia palavras de carinho, mas não as palavras que desejava ouvir. Seria apenas uma diversão nas mãos dele, um alegre passatempo por falta do que mais fazer? Temia perguntar, pois temia a resposta. Chegou à conclusão de que ser romântica era sinônimo de estupidez.

Mas ainda acreditava. A esperança ainda estava viva, apesar da plena consciência de sua impossibilidade.

Até aquele dia. Até a conversa decisiva poucas horas antes, até perceber que sua vida estava ali, onde sempre esteve: em seus afazeres, estudos e práticas. Encontrara a ênfase de sua realidade, as ilusões de sua mente desapareceram quase instantaneamente ao se dar conta disso.

Algum dia realmente o amara? Não duvidava disso.

Mas já não havia esperança.

O impacto de um punho fez com milhares de pedacinhos de vidro brilhante refletissem sua imagem e se espalhassem pelo seu quarto. A mão da jovem maga sangrava e doía, mas tinha uma certeza em sua mente que a deixava aliviada – e até mesmo feliz.

Estava livre de sua prisão de vidro.

***

Altamente subliminar. Apesar de atrasado no tempo.

terça-feira, janeiro 17, 2006

Auto de Fé

A multidão se aglomerava em um grande círculo em volta de uma estrutura de madeira pouco à frente, estavam visivelmente ansiosos para o julgamento daquele dia. Era a bruxa herege, a maldita que quase jogara todo o reino nas chamas com sua feitiçaria! Apenas o fogo poderia expurgá-la, apenas o sofrimento das chamas consumindo sua carne poderia poupá-la dos castigos eternos do Outro Lado! Pobre infiel!

A agitação popular era tão grande que, em sua cela, ele pôde ouvir tudo. Suspirou, em desespero, adivinhando o que estava acontecendo do lado de fora das muradas e isolamento. As chamas a consumiriam, estava acorrentado, preso, simplesmente ela morreria! Como queria romper as correntes, ter uma última chance, libertá-la e fugirem!

Como queria... Salvá-la das chamas...

***

Os tambores tocaram, anunciando que a diversão esperada por todas aquelas pessoas começaria em questão de minutos. De um dos cantos da praça, os guardas a traziam – vestindo uma túnica simples de linho cru, descalça, os cabelos negros caindo por seu rosto. As olheiras denunciavam as noites impossíveis de serem dormidas, assim como o desconforto da noite anterior especialmente cruel. Podia perceber a expressão dos aldeões: era como se fosse a maior das criminosas, que merecia o pior dos castigos!

Recebeu uma cusparada no rosto de um deles, assim como as vozes que a chamavam de bruxa, assassina, herege... Ah, se eles soubessem da mísera metade de tudo o que acontecera até aquele momento!

No interior da praça aberta, uma pilastra. Os guardas não tardaram de amarrá-la a ela, sem receber muita resistência. Já não sabia o que pensar, não encontrava alguma saída possível à sua situação. Era quase uma ilusão distante os gritos das pessoas ao redor, a sentença proferida pelo verdugo – morreria na fogueira, aquilo não era óbvio? Ele dizia uma lista de seus supostos crimes e atrocidades para a população estupefata, que começava a clamar em uníssono pelo fogo.

Olhou para o canto, para as muradas internas do castelo, onde em uma sacada o irmão observava tudo com a face mais fria possível. Parecia até mesmo ver um sorriso em seu rosto, como se sua morte fosse o maior deleite para a sua alma, como se estivesse se deliciando em vê-la queimar...

As tochas foram atiradas aos seus pés e o fogo se espalhou depressa ao seu redor. O calor logo se tornou insuportável, assim como a fumaça que a impedia de respirar. Os olhos já estavam impedidos de ver qualquer coisa, restou a ela apenas fechá-los para não serem ofuscados pela chama e pela fumaça. Os pés ardiam, os pulmões só a faziam tossir, o calor era insuportável, além da terrível expectativa de que logo as chamas devorariam seu corpo.

Só restava a ela clamar por um milagre quase impossível, por um salvador improvável que a libertasse de tal suplício...

E, caso ele realmente viesse, que ganhasse a corrida contra a Ceifadora que se aproximava depressa...

***

Sim, texto antigo.
Sim, parte de um universo qualquer
Não, não muito inspirada ultimamente.

terça-feira, janeiro 10, 2006

Onda de Angústia

Era como se a própria percepção da realidade tivesse alterado. Era como se de repente tivesse sido eu tragada por uma nova dimensão, como se o próprio ar tivesse se modificado ou as cores de todas as coisas borrado e se tornado opacas. Estava decepcionada. Não com uma pessoa em especial, mas com todas as circunstâncias, com todo aquele dia que começara estranho.

Olhei meus trajes de sacerdotisa e senti-me ridícula. Tive vontade de despir-me, correr nua pelos campos até ser apanhada pela primeira besta faminta com ganas de me devorar. Ser abandonada às aves de rapina, entregar meu corpo por minha vontade, mas antes do tempo, ao ciclo natural de renovação deste mundo. Invejei as mesmas aves que em meus devaneios se alimentariam de meu cadáver. Elas tinham asas. Elas podiam voar, podiam ver o mundo do alto. Eu não, era reles filha do chão, por mais que meu coração ansiasse as alturas.

Minhas pernas me levavam para os campos longe do templo, como se sair correndo me afastasse de meus problemas ou preocupações. Fui detida por uma pedra no meio do caminho, que me fez tropeçar e me derrubou na grama. As mãos ardiam, esfoladas. Foi o suficiente para que minhas lágrimas, difíceis de sair, escorressem com força por meu corpo.

Chorar era realmente tudo o que desejava. Sou o tipo de pessoa que não sabe externar seus sentimentos, logo apesar das lágrimas encherem os olhos, para mim é difícil chorar. Conseguia liberar toda minha tristeza, angústia e frustração naquele momento, toda a frustração de alguém que lutara mas, na hora mais decisiva, vira tudo se perder. Era a dor de quem fora derrotada por circunstâncias maiores, mas que acreditava serem passíveis de contorno.

Olhei para os céus avermelhados apenas para ver um relâmpago cruzá-los. Estava eu em campo aberto, mas não me importaria se fosse fulminada por um deles. Ou melhor, que algum dos deuses resolvesse ser menos sádico que meu próprio destino e me fulminasse, me libertando da prisão de um corpo tão medíocre!

A chuva não demorou a cair sobre meu corpo, enquanto eu me deitava no solo, fazendo com que lágrimas, gotas e lama se misturassem. Meus trajes alvos enlameados, todo o meu ser sujo...

Levantei-me, limpando meus olhos e sentindo o frio das gotas em minha pele. Finalmente as lágrimas tinham secado e, após me levantar, pus-me a girar tal qual uma criança embalada pela chuva: era bom limpar minha alma. Tinha ganhado um banho para me limpar de toda a energia negativa.

***

Originalmente escrito em 26/10/05