quarta-feira, abril 26, 2006

Traição

Os lábios pronunciavam antigos mantras, as mãos estendidas diante do corpo faziam pequenos gestos, mas não podia controlar as lágrimas que insistiam em correr de seus olhos. Sua mente ainda não tinha aceitado os fatos – era capaz de perdoar, aconselhar, esquecer, mas não de entender.

A garota, logo em sua frente, ajoelhada no centro de um símbolo de magia antiga desenhado em solo sagrado, chorava copiosamente. Porém, não podia sentir nela a mesma dor que sentia em si mesma – o pesar era diferente, as lágrimas tinham gosto diferente.

Onde tinha errado com a jovem? As coisas poderiam ter sido diferentes, por que tiveram de percorrer aquele rumo? Por que tudo precisava ter sido perdido daquela maneira tão cruel?

***

Um círculo de magia antiga.

Chorava, copiosamente, pelo que tinha sido, pelo que era, pelo que seria.

Era uma das últimas de uma das poucas espécies ainda abençoadas pelo dom da magia naquele mundo. Cabia a ela permanecer-se pura, ser parte da resistência de seu povo, não ser como as outras jovens que renegaram seu passado e seu próprio sangue para se deitarem na cama de algum humano.

Justo ela, atingida pela mais cruel das flechas.

Era um jovem caçador que se perdera na floresta sagrada dos domínios de seu povo. Estava ferido, não podia deixar que morresse! Afinal, não cabia a ela zelar por todas as formas vivas?

Por duas semanas, amparada pela floresta, cuidou dele, até que partisse prometendo retornar algum dia para buscá-la.

Depois de alguns dias, deu-se conta de que a promessa jamais seria cumprida. Certamente ele estaria junto das outras humanas, ela seria apenas uma criatura da floresta com o qual se divertira. Sentiu o coração doer.

Mas a mágoa crescia dentro de si, assim como seu corpo mudava. Por sua imprudência, ou por estar cega pela paixão repentina, acabaram por firmar o contrato mais sagrado entre dois viventes – a criação de uma nova vida.

Tinha traído seu povo e seu sangue. Seria banida, não encontraria lugar entre os seus e nem entre os humanos.

As lágrimas escorriam carregadas de angústia por seu rosto.

***

Sua própria filha, da grande sacerdotisa. Fosse qualquer outra garota da aldeia, não sentira a mesma dor.

A garota preparada desde a tenra idade para sucedê-la tinha traído seu próprio povo. Se estava invocando aquela antiga magia, era para tentar reparar pelo menos um pouco o que fora perdido. Mas não podia entender porque justo sua menina tinha sido seduzida por um humano.

Sentiu como se a cabeça fosse explodir. A filha sofria, o elo mental entre as duas não podia deixar com que se enganasse.

- Pare, mamãe. Chega.

E ela se arrastou para fora do círculo.

- Devo zelar por tudo aquilo que vive...

Levantou-se, entre as lágrimas. Tinha feito o maior dos pactos de sangue, o pequeno ser que carregava não era culpado por seus erros. Seria banida, mas já não se importava: tinha feito sua escolha.

- Mas...

As palavras morreram na garganta da sacerdotisa. Não precisava de palavras, o elo mental lhe era bastante claro para saber dos sentimentos da jovem. Suspirou com profunda tristeza.

Era mais um passo para a extinção da magia naquele mundo.

***

"Fantasia melosa".

E merece extensão, ah, se merece...

4 comentários:

Anônimo disse...

Traição e passado. Temas bem interesantes. E dá-lhe choque de retorno!

Anônimo disse...

O pior é que merece mesmo...
Aliás, gostei, viu!
Bjzzzzzzz

Anônimo disse...

Gostei do texto! Bem criativo, que bom q n restringe suas criações ao conhecimento do seus cadernos...
Bjo

Anônimo disse...

continua assim, o texto ta legal ...
vc tem jeito pra isso ...
um dia talvez até seja uma escritora ... ou talvez deixe pra la .... sei la .... so sei q seus textos são bons ...
parabens