terça-feira, novembro 29, 2005

Crianças da Noite

A música agitada comum àquele lugar dominava o ambiente, o que tornava quase impossível o estabelecimento de qualquer diálogo entre duas pessoas naquele lugar, assim como luzes coloridas eram refletidas na fumaça gerada por gelo seco e mesmo cigarros. Os olhos procuravam entre as pessoas distraídas em dançar, flertar ou consumir alucinógenos uma garota em especial, que sabia estar naquele lugar naquela noite.

Não foi difícil encontrá-la – e aquilo não era tão típico de seu comportamento? Estava dançando como se o mundo fosse acabar no momento seguinte, em cima de um degrau, as mãos lascivamente apoiadas em uma pilastra logo em sua frente. Os saltos plataforma das sandálias destacavam ainda mais o corpo miúdo, assim como a saia de borracha preta que deixava pouco a ser imaginado, o corpete vermelho e o enorme crucifixo em seu pescoço. Era o estilo de uma adolescente entre o gótico e o fetichista.

A maneira como se insinuava enquanto dançava seria capaz de seduzir até mesmo algum objeto inanimado, não demoraria muito para que ela conseguisse cumprir seu objetivo. Precisou ser rápido – e ter uma dose de coragem extra – para subir no degrau exíguo e começar a dançar, seu corpo próximo ao dela, suas mãos segurando a cintura de sílfide, os quadris que se aproximavam em um movimento semelhante ao que fariam caso estivessem a sós em uma cama...

O homem aproximou seus lábios do ouvido da moça e disse, suavemente:

- Criança da noite...

A música eletrônica em um volume altíssimo não a impediu de ouvir as palavras, de sorrir para
seu interlocutor e responder:

- Todos nós o somos...

Uma das mãos percorreu o caminho abaixo da cintura da garota, enquanto a outra fazia o rumo inverso. Coube a ela apenas sorrir e continuar dançando, dessa vez, caso isso fosse possível, de uma maneira ainda mais lasciva do que a anterior.

- Um corpo produzido para a sedução e para o pecado... – Ele voltou a sussurrar em seu ouvido.

Ela apenas sorriu.

- O limiar entre pecado e prazer é mínimo... E às vezes é apenas questão de ponto de vista...

Continuaram a dançar, os corpos seguindo o compasso ditado pelas batidas da música.

- Está aqui não para procurar um parceiro, mas sim uma presa, estou certo?

Ela simplesmente sorriu.

- É tudo uma questão de ponto de vista, não?

A garota virou-se. Precisou erguer os olhos para poder ver melhor o homem sombrio e sisudo que a apertava junto de si. Continuou a dançar, insinuando-se cada vez mais, aproveitando a música e o ambiente.

- Filha das Trevas, criatura demoníaca que se esgueira pelas sombras... Há quantos séculos não tenta os filhos dos humanos? Não seduz jovens em lugares como esses apenas para provar de seu sangue...

A moça parou de dançar. Fitou um tanto surpresa os olhos que a encaravam seriamente e apenas disse, enquanto sorria um tanto cinicamente:

- Não sabe o que é sentir o gosto da eternidade em seus lábios...

Foi a vez dele gargalhar e dizer levemente ao pé do ouvido da garota:

- E você saberá agora o que é a morte...

A música alta, a fumaça e as luzes coloridas camuflaram o corpo que se ajoelhava onde antes pouco dançava, os olhos vidrados pela surpresa, o pescoço cortado por uma adaga rápida e imprevisível. Antes que qualquer pessoa percebesse que estava ali, certamente já teria virado pó e encerrado sua existência neste mundo...

A boate já não o interessava mais. A única música que escutava era o som de alguns poucos carros que passavam pelo asfalto; a única luz, a lua cheia que eclipsava as luzes da cidade. Mais um dia de sua luta, mais uma missão para banir para o inferno os demônios deste mundo. Teria de enviar um relatório para a Ordem de São Miguel de suas atividades de eliminação, sem dúvida a bela e fetichista garota estaria incluída no próximo.

Afinal, era sua missão escolhida quando ordenara-se.

Padre Alexander Harker. Caçador de vampiros.

***

O título original era "murder on the dancefloor", mas ficaria muito na cara :D

Até a próxima ;-)

4 comentários:

Alexandre Lancaster disse...

ficou seco e certinho, não tem muito o que reclamar. Mas defintivamente parece mais os primeiros parágrafos de uma história maior.

Anônimo disse...

Bom, é um pouco RPG demais ...

João Trindade disse...

Excelente, gosto muito de contos sobrenaturais, ainda mais os que pegam uma idéia bem gasta - criaturas da noite e vampiros - e enfocam de outra forma, dando maior enfasê a sociedade, a performance deles do que aos poderes em si.

Anônimo disse...

parece uma apresentação de um personagem ... uma cena forte bem descrita e intença
o senário ficou maravilhoso
as descrições saum otimas

gostei muito do estilo

achei q faltou mais algumas conversas mas ta otimo
continue assim