O céu e a terra. Era sua principal companhia de todos os momentos naquele lugar.
Era um dos dias finais de primavera, quando as nuvens carregadas parecem trazer o verão cada vez mais depressa, quando as tempestades eram cada vez mais freqüentes. Sentiu um arrepio percorre-la ao pensar em tempestades. Aquelas nuvens pretas no céu eram por si só ameaçadoras demais para ela, o espetáculo elétrico proporcionado pela natureza tinha dimensões apocalípticas a seus olhos. Fechou os olhos e abriu depressa para continuar olhando pela janela.
Horizonte... Nunca entendera direito a dimensão de tal palavra antes de morar naquele lugar. Podia ver o ponto onde céu e terra se tocavam, lá longe... O mundo era muito mais grandioso do que podia imaginar, seu encanto com a vista tão distante apenas a lembrava de que havia muito mais para ver e viver do que o aparente.
Sonhava em ser mais velha... Os doze anos eram suficientes apenas para admirar o horizonte, não serviam ainda para rumar de encontro ao ponto onde o céu tocava a terra. Gostava de se imaginar com seus dezenove ou vinte anos, como seria sua aparência, seu jeito de ser. Queria ser bonita e usar roupas bonitas, mas ser mais conhecida por sua inteligência. Talvez nessa idade já teria terminado de escrever seu romance, não seria linda uma noite de estréia?
Mas tinha tanta vergonha de mostrar aquilo que escrevia para os outros! Se não estava no computador naquela hora era justamente por isso, por saber que havia mais gente no quarto e o fato a incomodar, por mais que essas pessoas não se importassem muito com o que quer que estivesse escrevendo.
Continuou a olhar pela janela. Por alguma razão, era uma de suas principais diversões passar as horas ali, apenas sentindo a brisa em seu rosto ou vendo algum carro passar e quebrar a monotonia. Morava em um prédio, imediatamente em sua frente havia a cobertura de outro prédio, desocupada. Havia também três casas grandes que chamavam sua atenção: a primeira a esquerda tinha um quintal enorme todo cheio de azulejos e um cachorro um tanto barulhento. A da direita era grande, mas mal-ocupada: uma piscina pequena, um galinheiro próximo, uma casa velha de apenas um andar. Era engraçado notar que todos os anos, na Sexta-Feira Santa, o dono da casa servia um churrasco aos familiares. A casa do meio, todavia, era a que detinha sua atenção por mais tempo sempre que as observava... Tinha uma piscina enorme, ao seu redor o chão forrado de grandes pedras de cor cinza, além de um jardim cheio de plantas bonitas e bem-cuidadas. Era uma bela e moderna casa de dois andares, pelo que observara, de um casal de mais idade que de tempos em tempos recebia os filhos adultos. Desejava ter uma casa assim quando fosse uma profissional e pudesse receber seus filhos.
Pouco adiante, uma das avenidas mais agitadas da cidade. Era onde se reuniam os barzinhos e os apreciadores de música sertaneja, principalmente aquelas colocadas nas caixas de som dos carros nos domingos de tarde. Se nunca fora muito simpática a sertanejo, as constantes perturbações de seu sossego dominical faziam com que definitivamente não apreciasse o estilo.
Podia ver também uma simpática agência bancária. Era divertido quando havia greve dos bancários ou assaltos – duas vezes por semana religiosamente. Quando não via movimento nos filmes dos quais tanto gostava, era ali que procurava sua dose semanal de ação.
Um raio iluminou uma das nuvens, fazendo com que todo o seu corpo tremesse. Não podia chover, não queria que chovesse, não enquanto estivesse ali... Tinha vontade de se esconder debaixo da cama ou dentro de um dos armários, mas essa seria mais uma das chuvas que teria de enfrentar...
Havia um livro sobre a escrivaninha próxima, eram lições de matemática. Sobre elas, alguns desenhos de vestidos. Como gostaria de ter sua própria coleção de moda algum dia! Ela seria altamente glamourosa e tão elegante que qualquer mulher do mundo sonharia em vestir uma peça assinada por ela! Tinha de terminar os exercícios também, no dia seguinte haveria aula logo cedo e seria bom que tudo estivesse pronto a tempo.
Sorriu antes de fechar a veneziana da janela e sentar-se na cadeira cor-de-rosa em um pulo. Era bom dar uma última olhadinha naquele horizonte enorme que representava tudo aquilo que desejava para o futuro!
***
Desculpem, mas acho difícil exprimir a idéia de "anoitecer de junho ter cheiro de canela" em um texto. ^^
E até sexta. Espero. =)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
3 comentários:
Doce e nostálgico.
Gosto do resultado. :)
Bem nostálgico, mas muito bem escrito.
ei Ana, eu te novo por aqui...
gostei viu, só achei um pouco melancolico!
Postar um comentário