segunda-feira, dezembro 13, 2010

O Louvar de Nix

Nix, minha amante, minha sede, minha musa, o manto negro que percorre-me e acaricia-me, que acalma minh'alma e clareia minha mente.
A ti entrego-me, teu abraço espero e em teu regaço refugio-me.
Guarda-me até que a Aurora rompa o céu com seus róseos dedos e inspira-me em teu silêncio e frescor a percorrer o invólucro de meu próprio eu.

quinta-feira, julho 15, 2010

História Inominada - Primeiro capítulo descartado

Esses posts são especiais para todos aqueles que querem saber O QUE RAIOS é História Inominada. É uma história longa que ando escrevendo e que anda mudando de formato nos últimos nove anos.

Estou mostrando o primeiro capíulo porque essa versão foi DESCARTADA. Mudei idades de personagens, nomes, motivações, eventos, enfim, tudo, para que a história fique menor, mais coesa e faça mais sentido. Várias tramas paralelas e personagens foram eliminados, a trama principal ganhou outros contornos e tudo foi repensado e remodelado.

Por isso, resolvi mostrar o primeiro capítulo, já descartado(o novo está em fase de últimos ajustes e fica guardado para quando o texto todo sair - ou quem sabe antes disso?). Então lá vai. Divirtam-se!

***

Dor. A única sensação experimentada naquele momento era a aflição de todo o seu corpo. A respiração ofegante e pesada, as mãos ensopadas de uma mistura de sangue e terra estendidas em sua frente, a sensação de que todo o seu ser se esvaía por cada um de seus poros naquele instante.
No rosto, filetes de lágrimas escorriam, fazendo uma pequena trilha sobre o rosto sujo. Experimentava em sua mente um desespero indescritível: não sabia explicar se era causado pela dor física ou por ter visto todo o mundo que conhecia e amava desabar diante de seus olhos naquele dia. Uma única certeza a trespassava: todos os seus esforços foram em vão, se é que não contribuíram de forma decisiva para o fim. Tudo aquilo que amara, respeitara, cultivara e reverenciara estava lentamente deixando de existir, sua própria vida se esvaía com rapidez. Falhara, miseravelmente, quando tentara salvar e proteger.
Uma doce voz atraiu por alguns instantes sua atenção:
- Não precisa ter medo, minha criança.

Amostra - pt 2

Sabrina abriu os olhos depressa, demorando alguns instantes para perceber que acordara de um sonho. “Não é possível”, pensou enquanto se sentava na cama e encarava as mãos perfeitamente limpas, da mesma forma como havia ido dormir na noite anterior. Tinha sido real demais para apenas um sonho, pudera sentir a dor e a angústia em cada partícula do seu corpo.
Ao olhar para o relógio no criado-mudo ao lado da cama, percebeu que era madrugada. A descoberta foi acompanhada por um longo suspiro: ainda podia sentir o eco de todas as sensações experimentadas percorrê-la, seria incapaz de dormir novamente. Encolheu-se, abraçando as pernas e apoiando levemente a cabeça nos joelhos, com os olhos fechados. Por que se incomodar tanto assim com um mero pesadelo? Talvez, pensou ela, porque não fosse apenas um sonho. Abraçou as pernas com mais força enquanto lembrou-se, angustiada, dos acontecimentos estranhos que a rodeavam desde a infância.
Saber o que uma pessoa diria instantes antes que a mesma o dissesse, conhecer perfeitamente algum lugar sem nunca antes ter sequer ouvido falar nele, intuir dados e respostas de problemas antes mesmo de terminar de ler seus enunciados. Meras coincidências, diziam seus pais, fruto de seu raciocínio aguçado de criança superdotada. Para eles era desconcertante perceber que a filha falava, andava e raciocinava mais rápido do que as demais crianças de sua idade, quase como se para ela as pequenas descobertas da infância não representassem uma novidade tão grande assim.
Com dois anos, começara a ler, um pouco antes de três, já estava realizando operações matemáticas. Seus pais, assombrados, levaram-na para consultar-se com especialistas em superdotados – e com três anos Sabrina já tinha iniciado a escola. Aos doze, terminara o ensino médio e, incentivada pelos pais, começara a faculdade de farmácia – não que aos doze anos uma pessoa pudesse fazer uma escolha que já era difícil aos dezoito, mas para que pudesse prosseguir seus estudos em uma área que se sentisse atraída a estudar. Terminara a graduação no fim do ano anterior, com seu trabalho final publicado nas mais renomadas revistas científicas internacionais, coisa que certamente encheria de orgulho seus pais.
Este era um dos acontecimentos estranhos aos quais se referira mentalmente. Aconteceu alguns meses antes de sua formatura. Os pais fariam uma viagem a trabalho e, quando lhe contaram, a reação foi imediata: começou a gritar e chorar em desespero para que eles não fossem, pois seria uma viagem sem volta. Entretanto, por mais que chorasse e gritasse, não lhe deram ouvidos. Apesar de superdotada, ainda tinha quinze anos, não estava imune a chantagens emocionais para que os pais pudessem ficar com ela. Mas não era nada disso, queria impedir que uma tragédia acontecesse! Mas, como raramente lhe davam ouvidos, no dia marcado os pais foram viajar – e, conforme previsto, foram vitimados por um acidente.
Não sabia se chorava pela perda ou por não ter sido convincente o suficiente para impedi-los de partir. Mas, como ainda tinha sua própria vida para tomar conta, ficara no apartamento enorme e cheio de lembranças até o aniversário de dezesseis anos, quando pudera alugar o apartamento pequeno em que atualmente morava. Não quis morar com nenhum parente - a bem da verdade nenhum dos poucos parentes distantes demonstrou algum interesse em acolhê-la - e em seu íntimo, era melhor mesmo ficar sozinha. Afinal, não tinha nenhum amigo ou pessoa próxima, por que deveria compartilhar sua vida com estranhos?
Após a formatura, um de seus professores, que fora amigo de seus pais e se afeiçoara a ela, encaminhou-a para trabalhar no Instituto Andrade, que estava desenvolvendo um projeto semelhante àquele que ela desenvolveu na universidade. Para ela estava ótimo, afinal estaria dentro do laboratório, que era o que mais gostava de fazer, e poderia esperar o passar dos anos – qual empresa contrataria uma garota de dezesseis anos para seus quadros?
Ao olhar novamente para o relógio, suspirou profundamente: quatro da manhã e não conseguiria dormir de novo...
Depois de mais algumas horas de divagações, percebeu que a luz do sol invadia lentamente seu quarto, para lembrá-la de que precisava se levantar e ir trabalhar. Em um pulo, a garota já estava no banheiro, atirando as peças do pijama no chão. Abriu o chuveiro e, sem hesitar, entrou de uma só vez. Era bom sentir a água batendo em seu corpo... Tinha altura mediana e fazia o tipo mignon – e como torcia para que pudesse ganhar alguns centímetros de altura e vários de seios e quadris até sua fase de crescimento terminar!
Saiu do banho rapidamente e enrolou uma toalha nos cabelos molhados. Vestiu a primeira calça jeans e a primeira camiseta que encontrou em seu guarda-roupa e calçou um par de tênis, antes de sentar-se próxima à penteadeira antiga, que já estava na família há várias gerações. Remexendo uma gaveta, achou um tubo de corretivo, que passou na região dos olhos para tentar camuflar as olheiras: a pele clara não era favorável para escondê-las a contento, além de que os olhos verdes atraíam bastante a atenção para seu rosto.
Após um rápido café da manhã, desenrolou os cabelos com uma rápida interjeição de desgosto: aquela era sua luta diária, tentar arrumar os cabelos longos, com algumas leves ondulações e de um tom loiro-escuro, mas que eram terrivelmente armados! Após penteá-los, jogou um prendedor dentro de sua bolsa e decidiu que já estava pronta para sair.
Não morava a mais do que três quadras de distância da estação de metrô que, como na maioria dos dias, estava lotada. Com mais meia hora de viagem e dez minutos de caminhada, estava entrando no prédio onde trabalhava, cumprimentando alegremente o porteiro. Ao caminhar rumo ao laboratório, repassava mentalmente as tarefas do dia: precisava verificar o andamento de seu experimento, conferir a lista de materiais, analisar como as cobaias estavam reagindo... Era difícil lembrar-se de tudo ainda incomodada pelas imagens do pesadelo de algumas horas antes, mas não podia deixar que sua vida fosse atrapalhada por sonhos mais realistas do que o habitual...
Nem percebeu que já estava no laboratório e vestia o jaleco, enquanto Amanda, a outra funcionária, a cumprimentava gentilmente. Respondeu ao cumprimento em um modo automático, enquanto aproximava-se da estufa onde deixara os reagentes no dia anterior. Era impossível parar de pensar, era impossível não sentir o cheiro do sangue enquanto analisava uma amostra no microscópio, não pensar no sofrimento enquanto ouvia a colega conversar com alguma outra pessoa que viera verificar alguma coisa naquele laboratório, não sentir a dor da morte em seu corpo enquanto pesava os camundongos e verificava como estavam indo! E o desespero de quem tinha visto seu próprio mundo ser destruído diante de seus olhos, era impossível não pensar em tudo aquilo que vivenciara durante a noite!
-- Está tudo bem, Sabrina?
A garota olhou para sua interlocutora que a observava com uma expressão de surpresa, enquanto percebia que estava prestes a adicionar um reagente errado a uma fórmula em sua frente.
-- Sim, tudo bem sim! - Disse em um sobressalto.
Amanda lançou-lhe um olhar de preocupação e voltou sua atenção novamente para suas atividades. A companheira ainda era uma adolescente, então não era de se espantar que estivesse com a cabeça nas nuvens e distraída de vez em quando – mas tal distração poderia ser mortal em um laboratório e ela precisava estar consciente disso, de que poderia representar um risco para si mesma e para os demais.
A adolescente, por sua vez, olhava para as próprias mãos enquanto fazia algumas anotações em uma prancheta. Estavam perfeitamente limpas debaixo das luvas, mas ainda podia ver o sangue e a terra nelas, ainda podia sentir a dor dos ferimentos pelo corpo. Por que tais sensações não a deixavam? Em sua vida tivera pesadelos tão mais assustadores do que aquele, então por que não parava de remoê-lo? Por que não conseguia esquecer as sensações experimentadas, não conseguia trazer sua mente novamente para o trabalho?
Colocou a prancheta sobre a bancada e apoiou suas mãos, respirando fundo. Fechou os olhos, procurando apagar de sua mente aquelas sensações, procurando concentrar-se em qualquer outra coisa. Porém, ao invés do consolo que procurava, foi invadida por imagens ainda mais vivas e apavorantes: o prédio do centro de pesquisas tomado pela fumaça e pelas chamas, enquanto tudo se consumia aos poucos: laboratórios, salas, vidas! Era como se passeasse por ali sem estar lá, podia observar o transcorrer dos fatos em pânico: as sirenes dos bombeiros, alguns sobreviventes sendo atendidos por ambulância, a dor de quem perdera amigos e conhecimentos naquele lugar. Sabia não se tratar de uma ilusão ou alucinação: era a mesma, a mesmíssima sensação de quando pudera prever a morte de seus pais – a certeza absoluta de que aquele era o futuro, de que os fatos iriam acontecer daquela maneira exata e a vontade de impedir a realização daquilo que vira que a dominava por completo.
Sua reação imediata foi gritar, como se assim pudesse espantar todos os seus fantasmas, pudesse impedir que aquelas cenas horríveis virassem realidade! Levou as mãos à cabeça, ainda gritando, como se fosse mais um pesadelo, desejando que fosse apenas mais um pesadelo! Amanda, mais do que depressa, parou o que estava fazendo e se aproximou da colega, agarrando seus pulsos e afastando-os para que pudesse olhar diretamente para seus olhos:
--Sabrina, olha para mim, agora!
-- Tudo vai explodir, vai pelos ares, precisamos sair daqui, precisamos sair daqui agora, precisamos avisar aos outros... - a garota não conseguia formular pensamentos conexos.
-- Sabrina! Acalme-se! - A pesquisadora sacudiu levemente a colega, em uma tentativa de fazer com que se acalmasse.
-- Precisamos ir embora daqui agora e avisar a todos os outros! - A adolescente respondeu, com lágrimas nos olhos.
Amanda respirou fundo, enquanto pensava em qual atitude podia tomar. Era o que lhe faltava, não havia nada em seu contrato que dissesse sobre socorrer pessoas no meio de crises nervosas! Sabia apenas que naquele estado mental, Sabrina representava um perigo iminente. Era melhor não correr nenhum risco desnecessário permitindo que ela continuasse ali pelo resto do dia. Pegou a companheira pelo braço, ainda transtornada, não se esquecendo de dar-lhe a bolsa, e foram andando juntas até o corredor:
-- Não podemos ficar aqui hoje, você não entende? Vai haver um acidente, o prédio vai pelos ares, tudo vai ser destruído!
-- Pssh... Não precisa falar tão alto e assustar as pessoas. Dá para perceber que não está tudo bem com você. O que acha de ir para casa e descansar pelo resto do dia? Amanhã você retoma os experimentos e tudo estará bem melhor, vai ver só!
-- Mas Amanda, você não entende o que está para acontecer?
-- Vou conversar com o Professor Andrade, não haverá problema nenhum para você por ir embora mais cedo por hoje, tudo bem?
-- Mas não quero ir embora, quero avisar a todos, quero impedir que o pior aconteça!
-- Calma, fique calma que tudo vai se resolver.
Neste ponto, as colegas já estavam fora do prédio e Amanda fazia sinal para um táxi. Não sabia que reagentes químicos podiam causar delírios, mas teria uma conversa séria com o Professor Andrade sobre os acontecimentos daquela manhã: será que era mesmo recomendado ter uma garota de dezesseis anos que perdera os pais recentemente no laboratório? Não seria melhor pagar-lhe algum tratamento psiquiátrico para evitar que surtos como aquele acontecessem novamente e, enquanto não se assegurava que tudo voltara ao normal, mantê-la em casa? A pesquisadora colocou a adolescente no banco de trás do carro e disse ao motorista, após explicar o endereço do destino e dar-lhe algum dinheiro:
-- Não dê ouvidos ao que ela diz, ela está no meio de um surto, está tendo delírios. Leve-a para casa, tudo bem?
-- Avise os outros, Amanda, eles precisam ir embora agora, antes que seja tarde demais!
-- Vai ficar tudo bem... - foi tudo o que ela disse antes que o carro desse a partida.
Sabrina engoliu em seco ao perceber que o táxi andava depressa e dar-se conta da cena que tinha aprontado pouco antes. Não pensava que Amanda ou alguma outra pessoa fosse capaz de compreender o que era ter aquele tipo de visão e saber que correspondia a um destino imperioso, mas não precisava agir como uma maluca! Passou a mão pela testa, molhada de suor, enquanto respirava e tentava ficar calma novamente, pois certamente ninguém daria crédito a alguém que gritasse que o mundo iria acabar a plenos pulmões no meio de uma rua movimentada.
-- Moço, a gente pode voltar? Acho que esqueci meu material no laboratório...
Conforme as instruções recebidas, o motorista ignorou o que a garota disse e continuou seu caminho pela avenida, aproveitando que todos os sinais estavam verdes e não precisaria ficar retido. A adolescente sentiu-se tomada pelo desespero, enquanto não podia mais controlar a tensão e ansiedade de sua voz:
-- Moço, por favor, eu preciso voltar, me leva de volta!
-- Não podemos voltar agora, menina, já estamos quase no destino.
Sabrina conhecia as ruas da redondeza muito bem para saber que ainda demorava um bom pedaço para chegar em sua casa. Precisava ser convincente o suficiente para fazê-lo voltar, precisava evacuar o prédio! Precisava fazer com que acreditassem nela!
-- Por favor, me leva de volta, eu pago o dobro, o triplo do valor da corrida, mas eu preciso voltar para lá!
Sabrina chorava enquanto pronunciava essas palavras, fazendo com que o motorista de táxi desviasse um pouco a atenção do caminho e a observasse um pouco: a menina parecia tão transtornada que não podia acreditar totalmente que não havia motivo para levá-la de volta! Ele mesmo tinha filhas adolescentes e sabia o quanto coisas que para ele pareciam banais para elas representavam verdadeiras tragédias. Talvez não houvesse nada de tão grave assim para que não pudesse levar a garota de volta ao laboratório, ela estava se comportando até muito bem para quem estava no meio de um surto ou de uma crise nervosa... Podia se arrepender do que estava fazendo, mas a levaria de volta ao prédio, conforme sua vontade.
-- Olha, mocinha, vou descer a próxima rua para procurarmos um retorno mais rápido na Marginal, tudo bem?
Sabrina sorriu entre as lágrimas, aliviada, porém tal sensação durou pouco tempo: o carro virou a esquina indicada apenas para deparar-se com um congestionamento a perder de vista! A garota levou as mãos à cabeça, não acreditando que aquilo estivesse acontecendo, enquanto continuava a falar:
-- Não podemos voltar de ré, não tem jeito, nenhum jeito de sairmos daqui?
Não foi necessária uma resposta. Ao olhar para trás, podia ver a fila de carros que já havia se formado atrás do táxi, tornando impossível qualquer manobra. Estavam presos no congestionamento, não havia nenhuma escolha possível a não ser esperar que o fluxo pudesse ocorrer, nem que vagarosamente, para que pudessem virar em qualquer rua e escapar dali!
A garota já não sabia há quanto tempo estavam parados ali: quinze minutos, meia hora, alguns segundos... A noção de tempo já tinha deixado de existir diante do desespero – e tinham andado pouco mais de cinquenta metros neste meio-tempo! A próxima rua pela qual poderiam sair estava dali a cem, será que seria possível alcançá-la antes que fosse tarde demais? Remexia-se no banco de trás do carro: passava a mão pelo rosto, mudava de lugar, olhava pelas janelas esperando ver alguma solução para sair dali! O motorista de táxi procurava uma estação de rádio enquanto dizia, calmamente:
-- Pelo jeito vamos nos atrasar um pouco...
Sabrina colocou as mãos sobre o rosto. Não havia um pingo do consolo desejado naquelas palavras, mas o que poderia fazer naquele momento? Em um impulso súbito, abriu a bolsa depressa, procurando o telefone celular, talvez pudesse ligar para a portaria ou mesmo para o Professor Andrade! Entretanto, não pôde segurar um grito ao se dar conta de que deixara o aparelho em casa! Cada minuto era fundamental, precisava fazer alguma coisa!
Seu desespero transformou-se em pânico quando ouviu as primeiras sirenes e as primeiras ambulâncias correndo em disparada do outro lado da marginal. Caso fosse um acidente de trânsito ou alguma outra eventualidade habitual, não haveria a necessidade de tantos carros – havia acontecido algo realmente grandioso.
Em um impulso, abriu a porta do táxi, parado no congestionamento, e começou a correr no sentido contrário, naquele que as ambulâncias seguiam, numa esperança cega de conseguir chegar a tempo. Tal esperança não durou mais do que alguns metros, até que a jovem caiu de joelhos no chão, não conseguindo mais segurar as lágrimas e os gritos de desespero.
Novamente falhara, não conseguira fazer Amanda acreditar nela, não conseguira voltar a tempo de tentar avisar a alguém, não conseguira mudar o futuro que enxergara! E, novamente, tinha perdido seu próprio mundo...
Não percebeu que o taxista a amparara e levara de volta para o carro, ainda sem entender o que havia com ela, nem que ele ouvira no rádio a notícia sobre a explosão de um laboratório na Zona Norte, associara todos os fatos e fizera algumas perguntas, nem que conseguira explicar o caminho de casa, nem que chegara. Apenas voltou a si quando notou-se deitada em sua cama, abraçada a um travesseiro, chorando todas as lágrimas que tinha e que não tinha.

*~

Sabrina abriu os olhos devagar, incomodada pelo barulho do telefone celular que tocava sobre seu criado-mudo. Não percebera que tinha adormecido, talvez tudo aquilo fosse um pesadelo da qual acabara de acordar! Os olhos inchados e ardidos rapidamente demonstraram que não, que tudo aquilo ocorrera de verdade, que aquele não era um pesadelo da qual poderia acordar. Estendeu o braço para pegar o telefone:
-- Alô?
-- Sabrina, está tudo bem?
-- Professor Andrade! - Ela exclamou, em êxtase. - O senhor está vivo! Como estão todos, o que houve, estão todos bem?
-- Calma, teremos tempo para isso mais tarde. - O cientista disse com uma estranha frieza para quem acabara de perder seu laboratório em um acidente. - Amanda me contou o que aconteceu hoje pela manhã.
-- Então todos foram avisados? - O êxtase aumentava a cada palavra.
-- Bom, gostaria de conversar com você hoje. Pegue um táxi às oito horas e venha para o endereço que direi agora. Tem uma caneta por perto?
Sabrina pulou rapidamente até a sala e anotou o endereço fornecido pelo professor, que não estendeu a conversa além deste ponto. Ao reler o endereço, com calma, estranhou nunca ter ouvido falar naquela rua e naqueles pontos de referência anteriormente, mas São Paulo era uma cidade tão grande que a afirmação de que a conhecia por inteiro seria impossível. Agora, restava esperar pela hora combinada e torcer para que tudo estivesse bem! Se todos estivessem a salvo, logo reconstruiriam uma nova sede e poderiam retomar as pesquisas!

História Inominada - Amostra pt 3

-- Que lugar... estranho.

Foi tudo o que aquele jovem pôde dizer enquanto observava por trás do visor do capacete. Bairro estranho aquele e não conseguia enxergar o número de onde o pedido tinha vindo! Todas as casas pareciam abandonadas, as poucas vidraças ainda existentes quebradas, a pintura descascada e as paredes cheias de infiltrações, não havia nenhuma pessoa andando pela rua, um único poste iluminava a rua... Aquele lugar exalava decadência, obviamente tinha sido abandonado, como acharia alguém que ainda morava ali?

Não tinha muito tempo para procurar, também, levara mais de uma hora para conseguir encontrar aquela rua! Não que fizesse sentido que uma pessoa naquele lugar encomendasse uma pizza em uma pizzaria qualquer da Zona Leste, pois não seria fácil chegar ali antes que o pedido se transformasse em uma borracha fria, mas quem era ele para questionar a clientela?

O pensamento pareceu coincidir com o toque do celular em seu bolso, que ele se prontificou a atender:

-- Onde você se meteu, bambino?

-- Estou fazendo a entrega, senhor Nestor.

-- Ma che, onde você foi se meter? O cliente ligou aqui perguntando pela pizza, mandei o Danilo fazer a entrega e ele já voltou enquanto você passeia por aí! Vou descontar a pizza e a gasolina do seu ordenado!

-- Mas eu estou aqui na rua Alfredo Flores procurando o número 466!

-- Alfredo Flores? Enlouqueceu? Era rua Augusto Flores, três quarteirões para cima da pizzaria!

-- Mas... - O jovem entregador olhava novamente o bilhete onde o endereço fora anotado e lá constava perfeitamente Alfredo Flores!

-- Não me venha com desculpas furadas, quero você aqui imediatamente ou não vai ter emprego algum amanhã, Henrique!

O entregador ainda olhava, atônito, para o celular em sua mão, após encerrada a chamada. Tinha sido mandado para o endereço errado, naquele lugar abandonado, correra todos os riscos possíveis de assalto e ainda levara uma bronca do chefe? Era demais para a cabeça dele!

Colocou o telefone no bolso rapidamente, enquanto observava que a luz do poste começava a piscar de uma forma agitada. Era visível que não estava sendo um bom dia, agora era melhor dar partida na moto e sair dali o mais rápido possível! Porém, quando se preparava para sair, pôde ver uma pessoa andando na rua perpendicular àquela, passando pela esquina entre as duas ruas.

Ao observá-la, percebeu se tratar de uma menina, que olhava assustada para os lados, como se estivesse procurando algum lugar e que toda aquela atmosfera de decadência a apavorasse. Que perigo, pensou, como uma garota, sozinha, podia se arriscar a ficar por ali? A chance de que aquele passeio não acabasse nada bem era alta demais para ser ignorada!

Contrariando o próprio bom-senso, Henrique parou a moto em algum canto um pouco mais escondido e tirou seu capacete, guardando-o. Com um suspiro de auto-reprovação, tirou o celular do bolso apenas para desligá-lo e evitar qualquer outra ligação do chefe naquele momento. Para ser sincero, não sabia por que estava fazendo aquilo, mas havia um senso de necessidade dentro de si que não podia ignorar.

Com passos leves, começou a seguir a garota, para se assegurar que tudo terminaria bem para ela...


Sabrina estava apavorada, enquanto observava as casas abandonadas com a pouca luz que havia naquele lugar. Por que o Professor Andrade marcara um encontro em um bairro como aquele? O motorista do táxi se recusara a subir aquela rua, desde alguns quarteirões atrás estava andando a pé, sozinha. A cada passo, uma maior dose de medo era injetada em seu sangue. O que cada esquina escura daquelas poderia lhe reservar?

E aquela sensação que começara pouco antes, de que estava sendo observada? Sentiu o sangue congelar em suas veias, enquanto tornava-se cada vez mais difícil manter o passo. Logo encontraria o Professor Andrade e estaria segura, sua vida não correria risco muito maior do que por aquelas ruas!

Pôde ver um único prédio iluminado pouco a frente. Verificou o número, era exatamente ali o ponto de encontro. Não demorou muito para encontrar uma porta aberta e escadas que levavam ao subsolo iluminadas, como se a trilha já estivesse preparara para ela. Desceu-as devagar, com a esperança de que logo tudo estaria esclarecido e poderia voltar para sua casa!

No final da escada, havia um pequeno corredor e uma porta, também aberta. Atravessou-a para encontrar um porão ou depósito, com várias caixas de papelão e objetos velhos e diversos espalhados pelo chão. Podia ver também duas cadeiras entre as caixas e, pouco à frente delas, um homem que observava um relógio, de pé.

-- Professor Andrade! - Ela disse, com alegria na voz.

-- Bem na hora... - Após dizer isso, a garota ouviu o estrondo da porta atrás de si que se fechava. - Venha cá, Sabrina, e sente-se, temos muito a conversar.

A jovem aproximou-se das cadeiras e sentou-se rapidamente. Tinha tantas coisas a perguntar! Será que todos estavam bem, que tudo não passara de um susto? E o que estavam fazendo naquele lugar isolado e abandonado, por que não se encontravam em algum escritório do centro da cidade ou em algum lugar mais confortável? Como será que o chefe estava se sentindo com todas as perdas sofridas? Ao observá-lo novamente, percebeu que ele não se sentara e não a olhava diretamente, mas apenas para seu relógio de pulso. Ele voltou a falar:

-- Amanda me contou que aconteceram alguns problemas pela manhã e ela te mandou para casa. Você dizia ter certeza de que o laboratório seria destruído exatamente naquele dia e que deveria avisar a todos e ela pensou que se tratavam de delírios.

-- Sim! - Sabrina afirmou com convicção. - Eu queria avisar a todos para que pudessem fugir e evitar o pior!

-- Sabrina... Como você sabia que isso estava para acontecer exatamente hoje?

A jovem sentiu toda a cor escapar de seu rosto ao olhar diretamente para os olhos do cientista logo a sua frente, que agora a encarava. Não era o olhar de alguém que tinha perdido seu local de trabalho ou seus experimentos, mas de uma besta selvagem, de um demônio cujo ódio mais profundo tinha sido despertado. Parecia não estar olhando mais para o mestre simpático, mas sim para um monstro. As palavras morreram em sua garganta antes que pudesse formulá-las.

-- É uma pergunta simples, minha cara. Como você sabia que isso aconteceria? O que você andou ouvindo pelos cantos?

-- Eu... eu não... eu não... - não conseguia formular uma frase, mas de qualquer forma, como ele iria acreditar que ela simplesmente sabia? E, afinal, por que ela deveria saber de antemão de um acidente?

-- Eu quero uma resposta! - O cientista colocou as mãos sobre seus ombros e a sacudiu, antes de olhar novamente diretamente para seus olhos. - E pode ter certeza, tenho vários meios de tirar essa resposta de você! Portanto, pense direito...

O pânico fazia com que não conseguisse raciocinar direito, ou que seu cérebro funcionasse um pouco mais rápido do que era capaz de entender. Se havia uma possibilidade racional de que alguém soubesse que um acidente ocorreria antes dele acontecer... então não havia acidente algum! E se o Professor Andrade fazia tanta questão assim de saber por que ela sabia o que iria acontecer, bem como não havia nenhuma sombra de tristeza em suas palavras, mas apenas uma frieza infinita, então... então... então...

Quando concluiu o raciocínio, não pôde controlar o impulso de vomitar.


Henrique observava pela vidraça de uma pequena janela de iluminação do porão o que acontecia em seu interior. Podia ouvir muito pouco do diálogo, mas pelo que tinha conseguido captar, a menina sabia de alguma coisa que não deveria saber! Era melhor continuar a observar para entender o que estava acontecendo.


-- Por quê? - Foi tudo o que Sabrina pode dizer após sua reação mais física do que desejava.

-- Eu faço as perguntas aqui. O que andou ouvindo por aí e de quem andou ouvindo?

-- Não ouvi nada, não sei de nada!

-- Não minta, isso só torna as coisas piores. - Não havia nenhum vestígio de qualquer sentimento na voz do cientista. - Sabe, – disse ele, enquanto passou uma das mãos levemente pelos cabelos loiros da jovem – após um acidente de tamanhas proporções, a perícia demora dias para fechar uma lista de mortos. E que falta faria uma garota de dezesseis anos que nem família tem? O que a impediria de ter morrido enquanto cuidava de algum experimento, inocentemente? - Ele aproximou as mãos para o pescoço da jovem e o pressionou, levemente. - Esse foi o seu destino, Sabrina, afinal, você desaparecerá para sempre. Vai se encontrar com Amanda e com os outros.

A jovem sentiu que o medo se transformava em pânico em seu corpo.

-- Mas eu nunca soube de nada!

-- Não minta. - O cientista apertou com mais força seu pescoço. - Sabe, há muitas maneiras de tirar isso de você e nem todas elas são agradáveis. E, lembre-se: sua vida está em minhas mãos agora.

O professor se afastou, enquanto Sabrina tocava levemente seu pescoço enquanto retomava a respiração agitada e irregular. O que estava acontecendo ali? Em que tipo de pesadelo tinha se metido? E, principalmente, o que poderia fazer para sair dele?

O desespero tomou conta de seu corpo e a fez correr até a entrada da sala, tentando desesperadamente abrir a porta de entrada. Precisava fugir dali, o mais rápido possível! O cientista andou vagarosamente até onde estava e, agarrando seus pulsos, atirou-a no chão, de onde o olhava em desespero:

-- Você realmente acredita que vai escapar daqui hoje? Vamos, é só me dizer aquilo que quero ouvir, não precisa ser uma experiência dolorosa...


O entregador não suportou ver aquelas cenas. Ele precisava fazer alguma coisa, precisava ajudar aquela menina a escapar daquele inferno, não podia ficar simplesmente observando! Distraído como estava, não percebeu que alguém se aproximara dele e encostara um taser em suas costas, para paralisá-lo e eliminar sua visita indesejada.

“Estranho”, pensou, “cócegas?”. Hora imprópria para sentir cócegas em algum ponto de suas costas. Ao passar a mão na região lombar para entender o que estava acontecendo, percebeu o objeto estranho. Ao virar-se, percebeu o capanga atrás de si, impressionado porque sua arma não surtira efeito!

Antes de perguntar o que estava acontecendo, Henrique fechou a mão e deu um soco no capanga. Para seu espanto, ele caiu no chão em espasmos, como se tivesse tomado um choque de alta voltagem. Ainda sem entender muito bem o que estava acontecendo, o entregador colocou o taser no bolso de sua jaqueta e correu para dentro daquele prédio. Era melhor salvar aquela garota e sair dali o mais rápido possível, depois procuraria alguma explicação!


-- Eu não sei de nada, nada! - Sabrina disse, com um tom de súplica na voz.

-- Mentiras não vão te salvar e é bom que saiba disso. - O cientista se aproximou de onde a menina estava caída e levantou-a, imobilizando seus braços. - Já que não quer responder por bem, então vou ter de tirar a resposta de você, e não pense que haverá algum príncipe encantado ou super-herói para salvá-la...

-- Não – ela disse, suplicando – Não, não... - as lágrimas teimavam em cair de seus olhos.

Neste momento, o som da porta de entrada que era arrombada fez com que a atenção do cientista e da jovem se fixasse em um estranho jovem com uma jaqueta que entrava naquele momento na sala e dizia:

-- Solte a garota.

-- O que você está fazendo aqui? - O cientista disse, espantado.

-- Não interessa. Eu quero que solte a moça, só isso.

Sabrina, aproveitando o momento de surpresa de seu antigo chefe, soltou-se e correu em direção ao desconhecido, sua última atitude consciente antes de desmaiar em seus braços. Henrique, antes de qualquer outro acontecimento, pegou-a no colo e saiu correndo pelo lugar onde tinha entrado, o mais rápido possível. Ao sair, perceber outros dois homens tentando socorrer o capanga que tinha derrubado, e que foram em sua direção ao vê-lo. Antes que conseguissem fazer alguma coisa, correu até onde estava sua moto, ajeitou Sabrina da melhor forma que conseguiu e deu a partida, deixando apenas um rastro de poeira atrás de si...


^-^~