- Não quero mais uma fada!
Foi tudo o que ele disse para mim, enquanto aqueles olhos verdes chispavam. Nenhuma outra palavra, nenhuma outra expressão. Apenas a decisão de um garoto de dez anos, com aquele olhar sério que nunca tinha visto antes.
Os meus olhos azul-dentro-de-azul se arregalaram e minhas mãos pousaram-se sobre meus lábios. A maioria das crianças, assim que dá seus primeiros passos e diz suas primeiras palavras, é presenteada com uma fada-companheira, para que possa ser protegida e ter uma companheira para seus primeiros anos. Eu, Carys, fui a fada designada para acompanhar o pequeno Harald., logo que ele completou três anos de idade.
Cheguei, como todas as fadas chegam, dentro de uma estrela-cadente, e não foi difícil apegar-me ao meu protegido. Eu contava para ele histórias durante a noite, acariciava seus cabelos quando se machucava, para que a dor pudesse passar. Encorajava a cordialidade, os estudos, o companheirismo, todas essas coisas que as crianças precisam para crescer. Brincávamos juntos, ríamos juntos, ele me dava lições com aquela sabedoria pura das crianças, mesmo que não soubesse disso.
Acompanhava-o junto de seus amigos, onde ficava sobrevoando e observando o transcorrer das brincadeiras. A alegria das brincadeiras infantis me deixava feliz também, mas às vezes eu me sentia posta de lado. Uma fada ciumenta, ora vejam!
Entretanto, há um detalhe cruel no contrato entre fadas e crianças: a fada pode acompanhá-la durante toda a sua vida mas, se a criança não desejar mais uma fada, esta poderá ser mandada embora e a criança se esquecerá de tudo aquilo que viveram juntos. Uma fada deve estar pronta para isso – o contrato não será necessariamente eterno, mas poderá ser rompido a qualquer momento.
Só que eu... me esqueci disso. Aqueles olhos gentis, aquele cuidado e aquela educação... Como eu não poderia ter certeza de que o contrato não seria eterno?
Mas não era e o pequeno Harald, ali em minha frente, repetia o que eu não queria ouvir.
- Desejo não ter mais uma fada!
Lágrimas cristalinas teimaram em cair dos meus olhos. Como um humano ousa tirar lágrimas de uma fada?, alguém poderia perguntar, mas para mim aquela violação não importava. Meu coração se partira em mil pedaços, meu mundo desaparecera na escuridão. Na verdade... eu fora mandada embora de meu próprio mundo, que se convertia naquele quarto, naqueles brinquedos... e naquela criança.
Por quê? Era tudo o que eu perguntava, enquanto voava em disparada para longe dali, daquele mundo que já não pertencia a mim. Seria a escola nova, ingressada naquele ano? Os amigos novos? De repente ter uma fada companheira tornou-se um fardo, uma coisa ruim, e minha presença tornou-se insuportável. Então o que eu tinha feito de errado para isso acontecer?
Era tudo o que eu pensava enquanto, sentada no miolo de um girassol, derramava mais lágrimas cristalinas. Importava? Abracei meus joelhos, aninhada entre as pétalas. Foram anos tão especiais para mim, por que acabaram assim tão de repente, como o bater das asas de um beija-flor? Era meu lindo castelo que desabava e me feria com seus escombros.
Tantos humanos, monstros e deuses desejavam ter uma fada e, de repente, alguém que a tinha simplesmente a dispensou! E, o que é pior, nunca mais poder ver aqueles olhos, aquele sorriso, ouvir aquela risada, fazer-lhe cócegas! Mas se ele desejava percorrer seu caminho sem mim, o que eu poderia fazer? Se queria sentir as dores do mundo sem uma fada a seu lado, quem era eu para crer no contrário?
Continuei voando rumo ao horizonte distante, as lágrimas cobrindo meus olhos. Não percebi quando cheguei à terra das fadas e fui abraçada por alguma companheira.
- Carys, como é bom vê-la depois de tanto tempo!
Não é preciso dizer que eu não gostaria de voltar. Simplesmente sorri educadamente de volta.
- Mas o que houve com você?
Contei toda a minha história de meu coração partido para ela, que me olhou com ternura e disse, enquanto acariciava meus cabelos azuis:
- A natureza das fadas é tão diferente da natureza dos humanos, minha querida... Mas vai passar, fique aqui em nossos campos o tempo que você precisar. Logo, você vai atender ao chamado de outro alguém e, quem sabe, poderá ser bem melhor do que foi.
Assenti, enquanto rapidamente me sentei em uma mesinha de cogumelos em um jardim, onde logo alguma outra fada apareceria para contar as últimas novidades. Sim, algum dia haveria outro contrato, mas, por enquanto, apenas aqueles olhos e aquele sorriso estavam na minha mente. E mais e mais lágrimas de fada insistiam em cair de meus olhos.
5 comentários:
Vontade de chorar junto com a fada...
Vai ter continuação?
Já há algum tempo que sigo a blog, e repito que gosto muito.
Por isso nomeei-vos para o "Prémio Dardos" e o "Olha que blog maneiro", duas daquelas correntes que andam de blog em blog.
Podem ver aqui: http://nekko-mimi.blogspot.com/2009/01/selos-correntes-que-nunca-acabam.html
Oi, Carol! Que saudades! Adorei o conto "Lágrimas de Fada"!!! Interessantíssimo! Abraços, Samuel.
Acabei de entrar no seu blog e me deparei com esse conto maravilhoso! Você escreve muito bem.
Um belo trabalho. Parabéns
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