segunda-feira, outubro 24, 2005

Profetisa

Ajoelhei-me diante de seu altar. Impura, mulher impura e indigna! Indigna de clamar seu nome entre meus dentes enquanto desesperava-me, a mulher desejada que negara um dom sagrado! O corpo a tremer pelo desespero, pensamentos e mãos vacilantes na esperança daquele ser o único lugar seguro.

As chamas, finalmente materializadas, finalmente muito mais do que apenas visões esparsas de um destino certo! Mas não era isso o que queria? Não fui um brinquedo em suas mãos, a tola que diria as verdades – apenas para rirem delas? Sofram por sua própria ignorância, troianos!, era o que parte de meu ser dizia. Mas não adiantava, era o sangue de meu povo que lavava os portões, era toda a tradição de séculos alimentando as chamas.

Eram meus irmãos mortos pelos belos olhos de uma mulher proibida.

“A mais bela dentre as mulheres”. Helena. Atingida pelo maior poder de todos: cega pelo amor, assim como meu irmão. Não posso julgá-los por isso. Talvez seja a maior das forças deste mundo, talvez sua deusa seja realmente a mais poderosa, talvez pelos seus caprichos as maiores guerras sejam travadas – e as mais resistentes armaduras sejam forjadas. Como se eu não soubesse que cedo ou tarde tal fato não ocorreria. E ela era realmente bela... Pude acreditar na existência do chamado “poder do amor” ao ver seus olhos, que levaram a perdição a meu irmão.

E a todas as minhas terras.

Nunca fui tola o suficiente para achar que tudo ocorrera apenas por Helena. Não, neste mundo de homens e política não somos mais do que objetos decorativos e muitas vezes até moeda de pagamento ou troca. Havia muito mais em jogo do que sua beleza, aquele fora apenas o catalisador de algo que já estava para ocorrer há tempos.

E eu não a culpava por voltar para seu antigo marido. Com meu irmão morto, não haveria nenhuma outra opção para ela a não ser aquele destino que me esperava: ser espólio, ser escrava, ser cativa.

Destino... Clamei por seu nome novamente, alimentada por minhas vãs esperanças.

Atraí sua atenção, era eu a mortal que atraiu a atenção do próprio Sol. Amou-me... Assim como a tantas outras amantes suas. Presenteou-me com a clarividência para tentar levar-me à sua cama. E quão idiota fui... Quanta petulância a de uma mortal que recusa a cama de um deus! Criança tola, como sempre fui... Só que sempre soube que era um deus. Que estava acima de mim, que após tornar-me sua amante por uma noite, abandonaria-me para sempre enquanto iria iluminar qualquer outra garota. Pelas intrigas que ouvi no quarto das mulheres, diz-se até mesmo que foi amante de minha mãe. Tive medo. Tive medo de ser apenas uma garotinha fascinada por seu brilho, de ser apenas mais uma mortal nos jogos dos deuses!

E selei meu próprio destino, aquele que não desejava.

Sou apenas um jogo em suas mãos? O peso de sua vingança é tornar-me um passatempo para os Maiores?

Pois para os olhos de todos, era eu apenas uma menina estúpida. Menina estúpida atormentada pelo futuro, pelo destino selado, mas sob a pena da dúvida. De ser taxada de louca ou idiota. De ver Tróia em chamas, de ver meus irmãos mortos, de ver tudo aquilo que vinha e ninguém acreditar. Ninguém nunca acreditar. De ser apenas estúpida, de ouvir meu pai rir de mim e me chamar de criança tola. Como aquela risada irônica que me depreciava me feria!
Por mais que eu tentasse correr e gritar, clamar pela salvação daquilo que já estava fadado à destruição!

Afinal, era eu só uma menina em um mundo de adultos, que nunca dariam ouvidos a uma... mulher. Ainda mais, a mulher que rejeitou um deus – como se soubessem disso! Você deve estar rindo de mim agora. Se é que não deixou de rir em nenhum desses dias em todos esses anos.

Sinto mãos masculinas fortes me envolverem, me puxarem. Tento lutar, mas é em vão. Ainda sou uma princesa, afinal. E ainda sou Tróia. Violar-me significa violar Tróia, humilhar e submeter os antigos inimigos.

- Apolo... – Sinto meus lábios dizerem, enquanto uma lágrima escorrega por meu rosto.
Apego-me à ilusão de que virá por mim. De que o próprio sol intercederá por minha vida, me salvará e me deixará em segurança. Porém, sei que sou tola. Que não virá, afinal meu destino jaz longe daqui, tenho o privilégio de saber como irei deixar esse mundo.

Aliás... Para você, morador do Olimpo, senhor da luz solar, quanto vale a vida de uma mísera mortal?

***

Só faz sentido se for postado hoje.

E até sexta, espero :-)

3 comentários:

Unknown disse...

Já disse qdo li em primeira mão.
Repito:

FODA

Anônimo disse...

Oi Ana, li e gostei mas não vou comentar nada porque você sabe como está o meu estado de espírito

Anônimo disse...

Muito bom, mas como observação extra textual: a culpa é sempre dos deuses?