terça-feira, outubro 18, 2005

Iniciação

Estava ansioso, afinal aquele seria um dia decisivo em minha vida! Seria quando eu finalmente, após anos de estudos, privações e preparação, finalmente poderia me tornar um xamã. Todo o meu corpo tremia, todo o meu ser estava ansioso e receoso por aquilo que viria. Não sabia o que esperar, não sabia o que poderia acontecer.

Vesti-me apenas com a túnica mais simples e, enquanto as mulheres de meu povo cantavam alegres canções, fui levado até os anciões. Ajoelhei-me, submetendo à vontade daqueles que cuidavam da comunidade. Ouvi com atenção as palavras que disseram... Ou melhor, nada pude entender. Concordei instintivamente com o que diziam, o nervosismo e ansiedade não me deixavam estar totalmente lúcido.

O cerimonial efetivamente começou quando postei-me diante do antigo xamã, meu mestre, que me treinara para aquela função. Naquela noite, dizia ele, deveria eu abrir o portão que conecta nosso mundo aos espíritos ancestrais e deixá-los falarem a meu coração, deveria eu trazer a mensagem para a maior das perguntas quando retornasse.

Estendeu-me então uma cuia com um líquido vermelho brilhante, um combinado de plantas que “abriria meus ouvidos para os sons dos Superiores”. O gosto era amargo, porém suportável. O canto e dança continuavam enquanto eu, no centro da comunidade, tonto devido ao líquido que havia bebido, recebia bênçãos e conselhos.

Fui escoltado por todo o meu povo até o cume de uma colina, onde deveria ficar sentado meditando até ouvir o som dos Superiores. Apenas se eu fosse digno eles apareceriam, apenas se eu pudesse ser o novo xamã ouviria o que teriam a me dizer. Tive medo. De não poder vê-los, dos animais selvagens, de frustrar todos aqueles que esperavam por mim e principalmente a mim mesmo.

A noite passava devagar e eu observava as estrelas no céu. Será que eu não era digno? A tensão abateu-se em meu corpo, já sob o efeito da tontura constante provocada pelo chá. Será que, no dia seguinte, pela manhã, quando me buscassem, tudo estaria acabado e eu seria apenas um perdedor, alguém que não alcançara tudo o que desejara?

Mas eu tinha estudado bastante toda a teoria sobre o céu e a terra! Ouvira as histórias sobre meus ancestrais, aprendera a respeitar tudo aquilo que vive e a buscar sabedoria e consolo Naqueles Acima de Nós. Ouvir os sons trazidos pelo vento, identificar a música dos pássaros, a voz dos animais, a vida em uma árvore ou na menor da flor. Respeitar tudo aquilo que vive e levar a lição de respeito a todo o meu povo. Orientá-los nas crises, assisti-los nas necessidades, auxiliá-los nas dificuldades, aconselhá-los nas dúvidas. Era essa a função do xamã, afinal, seria essa minha função. A comunidade precisaria de mim, assim como eu precisaria dela para poder ser aquilo que nasci para ser.

As estrelas desapareciam e o céu vestia-se de rosa para esperar o sol quando comecei a ouvir sons estranhos. Era como se meu corpo tivesse virado pedra e, ao meu lado, um animal que eu nunca tinha visto estava sentado, como se quisesse minha companhia. Ao olhar para frente, vi uma estranha e colorida águia, junto com uma criatura que parecia ter forma humana, dotada de grandes e macias asas como a do mais belo pássaro e corpo parecido com o dos felinos, cheios de manchas em sua pelagem delicada. A criatura sorriu-me. Seria aquela visão um fruto dos narcóticos que tomara?

Os olhos me olhavam com curiosidade. Eram tão profundos e ao mesmo tempo puros, eram como os de uma criança que encara o mundo pela primeira vez. Tentei formular a pergunta, a maior das perguntas, aquela que eu deveria fazer para poder cumprir meu destino. Apenas vacilava sem conseguir me expressar, mas a criatura olhou e me disse, com a voz terna como a de uma mãe:

- A resposta sempre esteve em seu coração.

Após essas palavras, juntamente com a águia saiu voando. O pequeno animal ao seu lado também desaparecera, porém entendi o que queria dizer. A resposta estava dada e me satisfazia.

Junto com o sol, que se espalhava pelas planícies, naquela manhã um xamã tinha nascido.

***

AVISOS:
1) A continuação do texto de semana passada ocorrerá na SEXTA-FEIRA. Por quê? Porque como será uma série, não sei quantas semanas ficariam "travadas" até sua conclusão. Então, para continuar com o andamento do blog como o planejado, às TERÇAS-FEIRAS teremos os contos padrão e às sextas nossa minissérie ultralegal e fantástica =D
2) Perdões pelo atraso
3) Até a sexta-feira ;-)
4) Espero comentários

4 comentários:

Anônimo disse...

Blz menina,
gostei muito, altamente transcendental o nascimento do xamã, uma descrição concissa e clara do ambiente. Parabens.
Joao Julio.

João Trindade disse...

Fiquei curioso. E olha que eu estava com a mente zunindo depois de uma maratona de shaman king, com aquelas shamãs street fighters, sem tanta ligação assim com a idéia original.

Gostei. Estou esperando pela continuação;)

Anônimo disse...

Muito bom, bela descrição o ambiente e do personagem, mas confesso que gostaria que o cara falhasse .

Anônimo disse...

um pouco "sureal", interessante...
Gostei da resposta, mais vaga impossível....
Bjus Aninha