terça-feira, agosto 16, 2005

O Mar

Levantou-se da cama devagar para que seu movimento não acordasse a pessoa que dormia a seu lado e, com passos suaves, aproximou-se da grande janela, apoiando de leve suas mãos na vidraça. Era madrugada, uma enorme lua cheia iluminava o céu e todo o ambiente além daquelas janelas. Podia ouvir o barulho das ondas ao se arrebentarem nas pedras, assim como a espuma que se espalhava pela areia devagar, apenas para voltar ao mar.

O mar... O cheiro da maresia, o barulho das ondas, a areia que grudava em seus pés... Suspirou profundamente. Tinha saudades dos tempos em que podia correr pela praia com seus pés descalços e cabelos soltos ao vento, entrar no mar sem se preocupar em estragar o vestido, brincar com as ondas, procurar conchas para fazer colares.

Era essa sua vida, há algum tempo. Morava em uma pobre aldeia de pescadores, junto com seus pais e irmãos. Viviam com austeridade, mas nunca passara falta de coisa alguma e nem desejara mais do que aquilo que o mar trazia de sustento. Sua principal diversão era brincar entre as ondas, buscar conchas e fazer colares, correr livremente pela areia junto de suas amigas. Acompanhar as preces pela vida dos homens que enfrentavam as águas, celebrar os frutos da pescaria e as festas de agradecimento ao mar pelas bênçãos ofertadas.

Foi crescendo, ganhando as formas de uma adolescente, porém sem jamais perder sua paixão pelo mar. Era sempre diante da imensidão das águas que estava, banhando-se, divertindo-se, rindo sozinha pela alegria de estar ali. Ou mesmo admirando as perigosas tempestades. Enquanto sua mãe rezava pela vida de seu pai e irmãos, gostava de admirar os raios que cortavam o céu e ouvir o estrondo dos trovões, perceber que aquilo tão pacífico poderia se tornar assustadoramente violento e mortal.

Fora depois de uma tempestade que a roda do destino começara a girar para ela. Os homens trouxeram em um dos barcos um rapaz desacordado e ferido – o barco onde estava tinha naufragado devido à fúria do tempo. Um dos pescadores recolheu-o a sua casa enquanto precisava de cuidados, logo ele poderia partir.

Na verdade, apesar dos dezessete anos, nunca tinha se interessado por homem algum. Apesar de ser bonita e receber investidas dos rapazes da aldeia, além das indiretas de sua mãe sobre já estar na idade de se casar, não sabia o que era se apaixonar, o que era se sentir atraída por alguém. Foi descobrir em uma noite de festa, enquanto dançava diante de uma fogueira as músicas tão comuns em suas terras. Ao olhar para trás, percebeu que o forasteiro não tirava os olhos dela e se deu conta que também não conseguia tirar os olhos dele...

Ainda por algumas semanas ele precisou de cuidados até estar reestabelecido e, durante todos os dias que esse cuidado durou, ela estava a seu lado – cuidando de seus ferimentos, conversando, rindo, compartilhando histórias... Percebeu que o amava, como nunca amara ninguém antes.

No dia em que ele se curou, revelou-lhe que era o herdeiro de uma enorme fortuna em um lugar distante, que precisava voltar para casa e recuperar aquilo que lhe era de direito – mas tão logo fosse possível, voltaria para se casar com ela.

Fora chamada de estúpida muitas vezes por acreditar em tal promessa e guardar-se enquanto o esperava, mas nunca se importou com os comentários e críticas. Era no mar, o mesmo mar que lhe trouxera seu amor, o mesmo mar que a acompanhara durante todos os seus momentos, que buscava consolo. Era no mar que limpava suas lágrimas, que tentava fazer com que o tempo passasse depressa e o dia de seu casamento chegasse logo.

Oito meses se passaram até que seu amado voltasse e se entregasse a ele em um vestido de um branco virginal. Aquele fora o casamento mais belo de todo o mundo, era a noiva mais feliz de todas, a mulher mais amada e que amava com a mesma força em retribuição. Lembrava-se das lágrimas de felicidade de sua mãe ao ver a filha casada, do pai que a conduzira ao altar, dos irmãos e de todas as pessoas do lugar onde sempre vivera. E que era chegada hora de partir...

Ao invés de jogar seu buquê para as moças que desejavam se casar – e que nunca acreditaram que estaria casada com o homem que amava -, atirou-o nas ondas, como retribuição ao mar que sempre estivera com ela.

Era chegado a hora de partir. Não podia imaginar o quanto sua vida mudaria após aquele momento.

Ao chegar na cidade, fora levada às modistas, aos sapateiros, aos cabeleireiros – era a esposa de um homem rico, não poderia mais vestir-se como a garota da vila de pescadores. Já não corria descalça, seus vestidos não eram leves e seus cabelos não estavam soltos pelo vento – e, principalmente, estava longe do mar.

Tivera de aprender a se comportar de acordo com regras sociais que nem sabia existir, não podia falar o que pensava, não podia rir alto, não podia desviar-se de um padrão imposto – e não podia ver as ondas se arrebentarem na costa.

Nunca tivera motivos para reclamar de seu marido – era tão carinhoso e solícito quanto no primeiro dia em que a vira -, mas sentia-se sozinha e presa em um mundo que não era o seu. Não havia o mar, não havia sua liberdade...

Ele tentava de todas as formas agradá-la: passeios, presentes caros, bichos de estimação para que não se sentisse tão só, um jardim para que pudesse tomar conta. Ocupava seu tempo e até mesmo podia experimentar o gosto da felicidade algumas vezes, mas não se sentia completa, algo muito importante já não estava lá.

No momento, após alguns poucos anos de casamento, estavam numa casa de praia. Era uma mansão lindamente decorada e perto do mar – para que ela se sentisse feliz, lembrava-se de ouvir o marido dizer. Na verdade, ele tinha sido orientado por um médico – se a esposa continuasse tão triste, adoeceria.

Os olhos percorreram a praia iluminada pela lua. Podia ver o mar, mas estava separada dele por vidraças, por amarras, por convenções. Fechou os olhos devagar e abriu-os novamente. Sentia vontade de abandonar aquela casa e aquela vida para voltar ao seu lugar, a correr pela areia, ter seus cabelos bagunçados pelo vento, não ter medo de molhar seu vestido. Tinha vontade de abandonar tudo o que tinha para voltar à felicidade de antes.

Seus pensamentos foram interrompidos por uma pequena pressão em seu ventre, como para lembrá-la que aquele desejo era impossível. Acariciou-o devagar. O filho não demoraria muito mais tempo para nascer, ficaria naquela casa por algumas poucas semanas. Não podia abandonar a vida que escolhera, não havia retorno para o caminho que tinha escolhido. Tentava acreditar que quando fosse mãe não se sentiria tão só, que as coisas poderiam ser melhores.

Fechou as cortinas devagar e, antes de se deitar, observou o marido adormecido. Tinha certeza de que o amava tanto quanto no dia em que o vira pela primeira vez...

Deitou-se novamente, tentando dormir.

***
Eu continuo melancólica :P
Mas tudo bem, semana que vem tento compensar...
Ah... COMENTEM E ME DEIXEM FELIZ!!!! ç_ç

8 comentários:

Alexandre Lancaster disse...

sutil, suave. você está se refinando. :)

Anônimo disse...

aaah o mar...
eu queria ser marinheiro e viver nele!!!! :)

beijos pra ti escritora.

Anônimo disse...

Hey, não é justo isso, eu quero ler o final! ._.

Unknown disse...

Muito lindo, e muito romântico...aiai...:)

Anônimo disse...

hmm
vejo que a comunicação é dificil...
pelo que parece a garota casou-se com a pessoa errada...
enfim sao seus os textos?
de uma olhada em meu ...

Anônimo disse...

Nossa...Carol, adorei o texto. amo o meio como vc detalha tudo. tá bom msm...inclusive lerei os anteriores, já q naum o fiz antes...sorry^^'

Anônimo disse...

Sutil sem dúvida, mas ácido, com uma pontada de rerssentimento e melancolia indisfarçável, enfim, é de uma suavidade exasperante.

Anônimo disse...

Vc vai me matar, mas eu me lembrei daquele filme tosco "A Lagoa Azul" nem sei pq....
E o mar, com seus encantos e mistérios, sempre é um bom tópico p/ divagações!!
Belo texto!
Bjocas da fã nº zero