terça-feira, agosto 02, 2005

Encontro

Estava cansado de andar.


Sentou-se sob a sombra de uma árvore e tomou um gole de água, enquanto descansava um pouco seus pés. Tinha partido antes do amanhecer de seu acampamento, não sabia há quantos dias estava na estrada, tinha perdido a conta. O cansaço não era apenas físico, toda a sua caminhada já parecia não fazer sentido. Não podia voltar para onde viera, na verdade, era uma caminhada sem retorno. O máximo de retorno possível era voltar alguns passos para tomar um novo rumo, não voltar ao ponto de partida. Na verdade, sabia bem, isso era impossível – tampouco desejado. A partir do momento em que saíra, já não havia retorno.


Ouviu o som dos pássaros e, ao olhar para cima, percebeu o pequeno ninho sendo construído. Invejou-os por alguns instantes. Será que deveria, ele próprio, ter um ninho naquele lugar? Repousar sobre a sombra da árvore, procurar por água fresca e desistir de sua jornada, parando ali?


Parecia tentador, apesar daquele lugar não se parecer muito com o fim que gostaria de dar a sua jornada... Podia ter sombra, mas sempre sonhara com muito mais do que uma simples árvore à beira de um caminho.


Reclinou-se, chateado. O sol brilhava forte, o que o desanimava ainda prosseguir. Logo teria sede, sua pele seria queimada, se cansaria depressa... A sombra da árvore não era o ideal que fora buscar, mas parecia tão melhor do que toda a caminhada que tinha pela frente!


- Você poderia me dar um pouco de água?


Olhou para a direção da voz. Em sua frente, um homem com as roupas de um viajante esperava enquanto olhava para ele. Sua reação foi estender o cantil. O homem sentou-se a seu lado e, após beber a água, continuou a falar:


- Para onde está indo?


Estava indo construir seu próprio caminho, foi o que respondeu.


- Estou indo para um rumo já traçado, ao sul. Você gostaria de me acompanhar?


Pouco depois, levantam-se os dois. O sol esquentava o caminho, porém já não parecia ofuscá-lo tanto quanto quando parara para descansar e foi com animação que deu os primeiros passos com o companheiro. Logo no começo, percebeu que acompanhado podia fazer o caminho mais rapidamente.


Como tudo parecia mais fácil! A estrada não parecia tão perigosa para duas pessoas que andavam juntas: podiam desfazer armadilhas e cortar barreiras de plantas juntos. Podiam decidir qual trecho poderiam seguir ou se seria conveniente pegar um atalho. Quando um estava cansado, o outro lhe contava histórias de sua própria jornada; quando um tinha sede, o outro lhe cedia um pouco de sua água. Quando ambos se cansavam, era bom perceber que havia companhia e não era hora de desistir – não eram responsáveis por apenas sua própria vida, mas um pouco pela do outro.


Ao andarem, podiam debater se flores brilhantes eram na verdade venenosas ou se uma fruta mais excêntrica poderia servir de bom alimento. Perderam-se juntos algumas vezes da estrada principal, porém discutindo era muito mais fácil descobrir novamente o caminho correto.


E assim foi por muitos dias – era como apenas uma viagem de apenas uma pessoa, afinal estavam realizando o mesmo percurso. O viajante olhou para cima, intrigado, em um dos incontáveis dias de caminhada. Eram aves migratórias em sua formação: até mesmo pássaros precisavam de cooperação se queriam seguir sua rota. Ao olhar para o companheiro, este lhe sorriu e disse:


- Está vendo esse caminho que vai ao sul? – Apontou por uma estrada que germinava da principal. – É minha hora de seguir por ele. Obrigado por ter me acompanhado, por ter permitido que seguisse com você até aqui. Certamente eu teria desistido ou mesmo caído em uma das armadilhas... Caso chegasse até aqui ainda assim, tudo teria sido muito mais difícil. Fizemos esse trajeto juntos, vivemo-nos juntos, mas está na hora de ir.


O viajante sorriu. Agradecia pela companhia e sabia muito bem sentir o mesmo: estava ele mesmo agradecido pela companhia. Estivera a ponto de desistir, porém continuara o trajeto. Sabia que o rumo para sua própria rota era diferente e que não podia se desviar e nem fazer o companheiro se desviar. As lembranças da viagem em conjunto estariam para sempre em sua memória, assim como a esperança de que, um dia, as andanças desembocassem em algum lugar onde pudessem novamente compartilhar uma mesma estrada.


Despediram-se então, partindo cada um por seu caminho escolhido rumo às buscas desejadas.


***
Não, não é necessariamente uma continuação do conto anterior, apesar de sair do mesmo pressuposto.
E até a próxima terça!

6 comentários:

Márcio "Mazur" Gonçalves disse...

Tá muito bom. Gosto do seu jeito meio "lírico" de escrever. O plot em si ficou meio Paulo Coelho demais p/ meu gosto (hehehe eu sei que tu odeia ele, mas ficou parecido! Pois você está recontando uma parábola, o que ele basicamente faz em seus livros), mas a prosa está excelente. Trabalhada sem ser muito rebuscada, com um ritmo calmo sem deixar de ser objetiva.

Alexandre Lancaster disse...

Belo trabalho. Simples, simpático... difícil de não gostar.;)

Anônimo disse...

Eu gostei do texto, gostei da analogia, por mais Paulo Coelho que ele tenha sido(qdo eu li o comment anterior, tive que concordar).
Bom, isso é até aceitável para quem estava "profética" no texto anterior.....tsc, tsc....

Bjos da fã número zero!!

Unknown disse...

xará, parabéns, ficou suave e profundo ao mesmo tempo.
beijo

Ana

Anônimo disse...

Ficou muito bom, simples, lírico, quase metafísico, mas tenho que concordar quer lembra muito os textos de Paulo Coelho.

Anônimo disse...

encontros e desencontros dessa vida.