terça-feira, agosto 30, 2005
Estrelas
A frase fora pronunciada por um rapaz deitado em um gramado. O céu noturno estava limpo, permitindo que as estrelas pudessem ser vistas. Um de seus braços estava estendido apontando a constelação enquanto o outro aninhava a garota deitada em seu peito, que também olhava para o céu.
- Estou vendo sim! Ouvi dizer que Órion era um grande caçador que despertou a ira de uma deusa e, quando morto, os deuses levaram seu corpo para os céus...
Um sorriso amargo formou-se no rosto do jovem, enquanto seu braço envolveu com mais força sua acompanhante, como para não deixá-la se distanciar nem que por alguns centímetros apenas. A mão que estava erguida encostou-se nos cabelos da moça em seus braços e seus dedos começaram a percorrer os fios de leve.
- Sabe de uma coisa, Dan? Eu queria que as estrelas fossem como aquelas que desenhávamos quando crianças: tivessem cinco pontas, fossem fofinhas e gostosas de apertar. Preferencialmente com rostinhos sorridentes e que conversassem conosco! – A garota voltou a falar.
- Li certa vez que as estrelas falam... E apenas aqueles que amam têm o poder de ouvi-las. – Daniel disse com certa provocação no tom de voz.
- É? Então o que elas têm a dizer para mim? – A garota tampou os olhos com as mãos e sorriu em silêncio por alguns instantes. – Ouvi algo sobre Daniel ser o melhor namorado do mundo!
A luz das estrelas foi interrompida pela sombra da garota que se erguia sobre o seu corpo rapidamente para beijá-lo repetidas vezes. Era bom sentir o toque de seus lábios, o calor de sua pele, sua presença... Tinha de concentrar seus pensamentos naquele momento, sem se lembrar de tudo o que viria depois, de todas as provações pelas quais logo passaria. Não queria pensar em mais nada que não fosse o céu estrelado ou a amada em seus braços.
Em um movimento rápido, porém delicado, deitou-a novamente na grama e inclinou-se sobre ela, apenas para vê-la sorrindo tal qual uma criança satisfeita com um brinquedo e a luz das estrelas acima deles refletidas em seus olhos.
- Acho que elas dizem o mesmo a respeito de minha Stella...
Ela sorriu antes de buscar novamente seus lábios, reiniciando a sessão de carinhos interrompida há pouco. Não podia deixar de achar que tinha muita sorte em ser tão feliz! Nunca pudera imaginar que algum dia uma garota que mal saíra do segundo ano de treinamento pudesse namorar um dos rapazes do nono ano... Em todos os treinamentos e principalmente nos intervalos e atividades comuns, suas colegas paqueravam os veteranos como verdadeiro esporte, mas fora a menina tímida e concentrada que conquistara a atenção daquele considerado o mais brilhante aluno de sua turma. Tais fatos ocorreram três anos antes e, desde então, eram um dos casais mais unidos e apaixonados dos quais poderia haver notícias.
- Se alguém da Academia nos pegar aqui a essa hora, estaremos ferrados!
- Não se preocupe, estrelinha. Eles não vão nos pegar, algum dia pegaram? – Daniel disse enquanto acariciava os cabelos da namorada levemente.
- Não parece o melhor aluno do penúltimo ano falando! – Stella disse rindo, repetindo a piada que sempre fazia quando mencionava que poderiam ser encontrados por algum dos superiores e Daniel afirmava que nada aconteceria.
- Sim, sou...
As estrelas dos olhos de Daniel pareceram se apagar quando ele disse tais palavras. Ao invés de rir e falar alguma coisa sobre melhores alunos terem direito a namoradas, como sempre fazia, seu rosto tomou contornos sombrios. A garota, percebendo a mudança, perguntou com o mais sério tom de voz que tinha:
- O que está acontecendo?
Daniel deu um longo suspiro e sentou-se no gramado, acomodando a namorada em seu colo. Disse, olhando para os olhos refletores de estrelas externas e preocupações internas:
- Você sabe o que estamos fazendo aqui? Digo, por que estamos na Academia?
- Estamos estudando para sermos grandes pilotos e comandantes, para que este planeta possa continuar protegido, assim como as pessoas que vivem nele. Sei também que é graças aos esforços da Academia e do monitoramento de órbita que podemos ter o privilégio de ver o céu estrelado da noite porque a paz está mantida. – Stella repetia as palavras ensinadas como mantras por seus professores com um mau pressentimento.
- Lembra do que disse agora pouco sobre desejar que as estrelas fossem palpáveis e fofinhas? – A voz de Daniel ganhava uma entonação nervosa e era com dificuldade que ele dizia tais palavras.
- Sim...
- Eu tenho uma estrela dessas em meus braços agora... Mas terei de me separar dela. – Ao terminar a frase, desviou o olhar e fechou os olhos.
- Se... pa... rar...?
- Tal qual Órion, terei de ir aos céus... Fui escolhido para uma missão perigosa, justamente por ser o melhor aluno de meu ano. Deverei partir para a estação de treinamento orbital amanhã e não sei se haverá um retorno.
Stella quis argumentar que ele ainda não estava no ano de se formar. Que haveria um retorno em breve. Que era tudo uma grande mentira e ele estava dizendo aquilo apenas para desesperá-la. Que não suportaria vê-lo partir. Não conseguiu dizer nada, entretanto; sua única reação foi olhar estática para seu rosto com uma expressão desesperada.
- Sabe muito bem que estamos aqui justamente para isso e corremos o risco de partir quando solicitados.
- Eu sei... – Foi tudo o que ela conseguiu responder. Como gostaria de não saber disso!
- Recebi a notícia hoje de tarde, parece que o serviço de inteligência detectou a proximidade de um ataque e deveremos desestabilizar as bases inimigas antes que este ocorra. Fui chamado por ser considerado brilhante demais... Saberá disso, assim como todos os outros alunos, amanhã pela manhã. Em teoria, era apenas para os alunos do último ano partirem em missão, mas irei com eles.
Daniel apertou a namorada com força entre seus braços, não querendo soltá-la ou dizer coisa alguma naquele momento. Não tinha escolha, era parte de seus deveres como jovem oficial obedecer às ordens mesmo quando estas lhe parecessem desagradáveis ou descabidas. Tinha sido ensinado durante os últimos doze anos o quanto a vida de um era um preço baixo a se pagar pela felicidade de todos e que a segurança do planeta e das pessoas que o habitavam era mais importante do que seus desejos e ambições pessoais. Mas, mais do que nunca, tudo o que queria era mandar a Academia às favas e partir com Stella para uma vida onde não houvesse riscos iminentes ou missões perigosas, mas apenas a paz de sua companhia e o conforto de seus braços, olhos e sorriso.
Todavia, apesar de seus desejos, tinha total consciência de sua responsabilidade e de todos os fatos que decorriam dela. Mesmo a amada também sendo piloto em potencial, estando mais segura nos alojamentos e salas de aula da Academia do que em outro lugar do mundo, sabia que sua missão também serviria para proteger a vida que lhe era mais cara.
- Dan... Daniel... Você está chorando... – Stella disse enquanto passava os dedos de leve pelo rosto do namorado. – Pilotos não podem chorar...
- Futuras oficiais também não... – Daniel disse enquanto limpava as lágrimas da namorada. – Eu vou voltar para você, entendeu? Não interessa quanto tempo leve, eu vou voltar para minha estrela!
O casal abraçou-se com força, unido nas lágrimas e pela dor de uma saudade anunciada. Em silêncio, com apenas o som de alguns soluços que não podiam ser contidos de tempos em tempos, estavam abraçados apenas sentindo o corpo um do outro, sensação única da qual não poderiam mais desfrutar por um longo tempo. Poderia, inclusive, ser aquela a última vez.
- Todas as noites... Ao observar as estrelas... Vou te procurar entre elas... – Stella disse, entre lágrimas.
- E eu vou me lembrar todos os dias da estrela que deixo na terra...
Abraçaram-se novamente em silêncio, aproveitando os últimos momentos antes das luzes do céu se apagarem.
***
Informação extra-textual extra:
Na Academia de Oficiais, os alunos entram com 11 anos e saem com 23. Os que demonstram mais aptidão se tornam pilotos, os outros se tornam outro tipo de oficiais.
Tentei construir um texto um bocadinho diferente dos das outras semanas, espero ter agradado. E só saberei se agradei ou desagradei se receber comentários, ok?
Então... Até terça que vem!
terça-feira, agosto 23, 2005
Imperatriz
Jóia... Podia ser considerada bela e realmente o era, mas não era o aspecto físico seu maior trunfo. Além do que, era uma bela peça de decoração como rainha, era um belo adorno ao lado de seu rei. Estava casada com um homem que tinha idade para ser seu pai e não por amor, mas por jogos políticos que estavam fora de seu controle. Era a herdeira de parte do mesmo clã, o casamento era uma ótima jogada para ambos os lados. Era pouco mais do que uma menina, não podia fazer mais do que consentir e preparar-se para a união.
Por uma dessas ironias do destino, fora se apaixonar pelo filho dele... Era um belo rapaz que fazia seu coração pulsar, mas era um amor muito mais do que proibido. Era rainha, madrasta e, o que realmente fazia diferença, não era vista com olhos de desejo por seu amado...
Quem se importava com isso? Entre nobres havia política, não amor. Era secundário – sempre poderia ter os amantes que desejasse caso soubesse como agir, apesar dessa não ser sua vontade.
Além do que, havia mais a ser cultivado do que simplesmente uma paixão. Tinha desejo pelo poder, de ser muito mais do que uma consorte de decoração, mas rainha e imperatriz. Ter o poder de uma galáxia em suas mãos, ter a força de um império sob seu comando! Ser muito mais do que simplesmente a figura secundária que fora criada para ser, mas a estrela máxima diante da qual todo o resto orbitaria.
E, caso seu objetivo fosse alcançado, até mesmo uma paixão poderia ser correspondida. Rei morto, rei posto, vida longa ao novo rei; não era esse o lema? Não seria rainha se fosse viúva, mas certamente as circunstâncias lhe seriam favoráveis durante a sucessão real. Certamente um casamento seria arranjado com o príncipe herdeiro – em intenções, casamento de fachada, mas com o potencial de ser muito mais do que isso.
Deliciava-se ao pensar nisso. Certamente haveria intrigas e burburinhos durante a sucessão, assim como alguma ala do clã que desejasse o poder – mas tentaria pôr toda a força política de seus pais e sua própria para que se casasse com o príncipe herdeiro, seu amado, colocando-o no trono e reinando a seu lado. Seria mais fácil depois disso alimentar seus objetivos pelo poder, estaria tão próxima! Conquistaria muito mais do que seu coração, mas também a possibilidade de um poder repartido, de ser mais do que simplesmente sua consorte para governar a seu lado.
Os passos suaves foram interrompidos pelo barulho de uma pequena coisa que caía no chão, o que provocou uma pequena alteração nos belos olhos causada pela surpresa e fez com que a coluna se curvasse e as mãos tateassem o chão para que pegasse o objeto que havia derrubado. Um pequeno frasco contendo algum medicamento.
Colocou-o depressa em uma das dobras de seu vestido, lugar de onde não deveria ter caído. Deveria lembrar-se de consumi-lo nos horários recomendados, era apenas um pequeno problema de saúde sem conseqüências maiores que demandava cuidados. Não seriam seus desejos e ânsias pela sucessão que a tornariam uma assassina, pelo menos não naquele momento. Haveria tempo para tudo futuramente...
Após ajeitar-se, continuou seu caminho pelos corredores. Se agisse corretamente, teria a pessoa que amava em seus braços dentro de muito breve. Mais do que isso, junto dela estaria o poder que tanto ambicionava e o trono que tanto desejava.
Afinal... Seu maior trunfo era sua astúcia.
***
Tudo bem. Não está muito bom...
Estava preparando, na verdade, OUTRO texto para essa semana, mas seria uma trinca de textos melancólicos, então achei melhor guardá-lo para uma ocasião vindoura.
Esse texto foi inpirado por Princes of the Universe, do Queen, e por uma conversa dominical a respeito de "lugares onde você gostaria de estar". Acabou que ouvindo a música e após a conversa ficou um pouco claro para mim o que escrever.
Visualizei um universo que não é meu - esse texto é uma adaptação livre de certa obra de certa pessoa. Não é homenagem digna ao autor, mas serve como desafio: uma obra digna de virar e dizer: "Fiz para você.".
Então... até terça que vem!
terça-feira, agosto 16, 2005
O Mar
O mar... O cheiro da maresia, o barulho das ondas, a areia que grudava em seus pés... Suspirou profundamente. Tinha saudades dos tempos em que podia correr pela praia com seus pés descalços e cabelos soltos ao vento, entrar no mar sem se preocupar em estragar o vestido, brincar com as ondas, procurar conchas para fazer colares.
Era essa sua vida, há algum tempo. Morava em uma pobre aldeia de pescadores, junto com seus pais e irmãos. Viviam com austeridade, mas nunca passara falta de coisa alguma e nem desejara mais do que aquilo que o mar trazia de sustento. Sua principal diversão era brincar entre as ondas, buscar conchas e fazer colares, correr livremente pela areia junto de suas amigas. Acompanhar as preces pela vida dos homens que enfrentavam as águas, celebrar os frutos da pescaria e as festas de agradecimento ao mar pelas bênçãos ofertadas.
Foi crescendo, ganhando as formas de uma adolescente, porém sem jamais perder sua paixão pelo mar. Era sempre diante da imensidão das águas que estava, banhando-se, divertindo-se, rindo sozinha pela alegria de estar ali. Ou mesmo admirando as perigosas tempestades. Enquanto sua mãe rezava pela vida de seu pai e irmãos, gostava de admirar os raios que cortavam o céu e ouvir o estrondo dos trovões, perceber que aquilo tão pacífico poderia se tornar assustadoramente violento e mortal.
Fora depois de uma tempestade que a roda do destino começara a girar para ela. Os homens trouxeram em um dos barcos um rapaz desacordado e ferido – o barco onde estava tinha naufragado devido à fúria do tempo. Um dos pescadores recolheu-o a sua casa enquanto precisava de cuidados, logo ele poderia partir.
Na verdade, apesar dos dezessete anos, nunca tinha se interessado por homem algum. Apesar de ser bonita e receber investidas dos rapazes da aldeia, além das indiretas de sua mãe sobre já estar na idade de se casar, não sabia o que era se apaixonar, o que era se sentir atraída por alguém. Foi descobrir em uma noite de festa, enquanto dançava diante de uma fogueira as músicas tão comuns em suas terras. Ao olhar para trás, percebeu que o forasteiro não tirava os olhos dela e se deu conta que também não conseguia tirar os olhos dele...
Ainda por algumas semanas ele precisou de cuidados até estar reestabelecido e, durante todos os dias que esse cuidado durou, ela estava a seu lado – cuidando de seus ferimentos, conversando, rindo, compartilhando histórias... Percebeu que o amava, como nunca amara ninguém antes.
No dia em que ele se curou, revelou-lhe que era o herdeiro de uma enorme fortuna em um lugar distante, que precisava voltar para casa e recuperar aquilo que lhe era de direito – mas tão logo fosse possível, voltaria para se casar com ela.
Fora chamada de estúpida muitas vezes por acreditar em tal promessa e guardar-se enquanto o esperava, mas nunca se importou com os comentários e críticas. Era no mar, o mesmo mar que lhe trouxera seu amor, o mesmo mar que a acompanhara durante todos os seus momentos, que buscava consolo. Era no mar que limpava suas lágrimas, que tentava fazer com que o tempo passasse depressa e o dia de seu casamento chegasse logo.
Oito meses se passaram até que seu amado voltasse e se entregasse a ele em um vestido de um branco virginal. Aquele fora o casamento mais belo de todo o mundo, era a noiva mais feliz de todas, a mulher mais amada e que amava com a mesma força em retribuição. Lembrava-se das lágrimas de felicidade de sua mãe ao ver a filha casada, do pai que a conduzira ao altar, dos irmãos e de todas as pessoas do lugar onde sempre vivera. E que era chegada hora de partir...
Ao invés de jogar seu buquê para as moças que desejavam se casar – e que nunca acreditaram que estaria casada com o homem que amava -, atirou-o nas ondas, como retribuição ao mar que sempre estivera com ela.
Era chegado a hora de partir. Não podia imaginar o quanto sua vida mudaria após aquele momento.
Ao chegar na cidade, fora levada às modistas, aos sapateiros, aos cabeleireiros – era a esposa de um homem rico, não poderia mais vestir-se como a garota da vila de pescadores. Já não corria descalça, seus vestidos não eram leves e seus cabelos não estavam soltos pelo vento – e, principalmente, estava longe do mar.
Tivera de aprender a se comportar de acordo com regras sociais que nem sabia existir, não podia falar o que pensava, não podia rir alto, não podia desviar-se de um padrão imposto – e não podia ver as ondas se arrebentarem na costa.
Nunca tivera motivos para reclamar de seu marido – era tão carinhoso e solícito quanto no primeiro dia em que a vira -, mas sentia-se sozinha e presa em um mundo que não era o seu. Não havia o mar, não havia sua liberdade...
Ele tentava de todas as formas agradá-la: passeios, presentes caros, bichos de estimação para que não se sentisse tão só, um jardim para que pudesse tomar conta. Ocupava seu tempo e até mesmo podia experimentar o gosto da felicidade algumas vezes, mas não se sentia completa, algo muito importante já não estava lá.
No momento, após alguns poucos anos de casamento, estavam numa casa de praia. Era uma mansão lindamente decorada e perto do mar – para que ela se sentisse feliz, lembrava-se de ouvir o marido dizer. Na verdade, ele tinha sido orientado por um médico – se a esposa continuasse tão triste, adoeceria.
Os olhos percorreram a praia iluminada pela lua. Podia ver o mar, mas estava separada dele por vidraças, por amarras, por convenções. Fechou os olhos devagar e abriu-os novamente. Sentia vontade de abandonar aquela casa e aquela vida para voltar ao seu lugar, a correr pela areia, ter seus cabelos bagunçados pelo vento, não ter medo de molhar seu vestido. Tinha vontade de abandonar tudo o que tinha para voltar à felicidade de antes.
Seus pensamentos foram interrompidos por uma pequena pressão em seu ventre, como para lembrá-la que aquele desejo era impossível. Acariciou-o devagar. O filho não demoraria muito mais tempo para nascer, ficaria naquela casa por algumas poucas semanas. Não podia abandonar a vida que escolhera, não havia retorno para o caminho que tinha escolhido. Tentava acreditar que quando fosse mãe não se sentiria tão só, que as coisas poderiam ser melhores.
Fechou as cortinas devagar e, antes de se deitar, observou o marido adormecido. Tinha certeza de que o amava tanto quanto no dia em que o vira pela primeira vez...
Deitou-se novamente, tentando dormir.
***
Eu continuo melancólica :P
Mas tudo bem, semana que vem tento compensar...
Ah... COMENTEM E ME DEIXEM FELIZ!!!! ç_ç
segunda-feira, agosto 08, 2005
Salvador
“Encontre-me”, foram as palavras que por todo aquele tempo ecoaram em sua mente. Era o som daquelas poucas sílabas perdidos em alguma memória ao que recorria quando sentia-se inseguro, quando cogitara desistir, quando enfrentara adversários poderosos, até mesmo nas vezes em que teve certeza estar próximo aos portões do mundo dos mortos.
Fora a vontade de sentir novamente os lábios doces, o toque delicado, o cheiro suave, de passar os dedos vagarosamente pelos cabelos compridos como se o tempo já não existisse que o movera por todos os percalços. Quando sentiu frio, lembrou-se de seu calor; quando sentiu medo, de seu sorriso; quando perdeu-se, de seus braços.
Podia lembrar-se de como se separaram: em um mundo em guerra, felicidade era privilégio para poucos e, quando acontecia, era fadada a ser destruída depressa. O dia da despedida, as últimas palavras que ela conseguiu pronunciar antes de ser levada pela multidão... “Encontre-me”. Seu mantra, sua prece, sua sina.
Já fazia três anos desde a destruição do vilarejo, desde o momento em que as habilidades dela foram requisitadas para uma guerra com a qual não concordava. De sua desorientação inicial, das provas que precisou passar para se tornar um médico andarilho, das mazelas que presenciara em seu trabalho. Era necessário, era o único método para poder encontrá-la. De vila em vila, de cidade em cidade, de boato em boato; a oportunidade de descobrir onde ela estava.
Finalmente após toda procura, encontrara. Ela estava na torre logo a sua frente: uma prisão para os piores desertores. Conseguira infiltrar-se nas fileiras da invasão daquela cidade e até mesmo chegara a lutar na batalha decisiva pela tomada do lugar, muito além de apenas cuidar dos feridos. Seria fácil libertar aquela prisioneira de seu cativeiro, tinha a permissão dos oficiais, pelos serviços prestados, de resgatá-la.
Era para esse resgate que caminhava com passos decisivos naquele momento.
***
Não fora muito difícil encontrar os calabouços, mas não estava esperado para encontrar o que podia ver diante de seus olhos: a menina delicada que costumava usar vestidos floridos metida em trajes grosseiros; toda a delicadeza dos tecidos delicados trocada pelos trajes de uma mercenária. Todo o porte feérico dera lugar a pernas jogadas no chão displicentemente enquanto estava sentada, os braços erguidos e presos por correntes, a cabeça abaixada e os cabelos que costumavam ser tão sedosos sujos e maltratados.
Sussurrou seu nome de leve, apenas para ela levantar os olhos. Continuavam grandes e profundos, mas carregavam uma selvageria que desconhecia.
- Finalmente te encontrei...
Após os momentos de estranhamento inicial, ouviu-a rir, surpresa com a situação.
- Está bastante diferente do que me lembre...
- Você também. – Não podia disfarçar a surpresa de seus olhos.
- Veio visitar-me?
- Vim tirá-la daqui.
As palavras foram suficientes para fazê-la gargalhar. Estava realmente surpresa em vê-lo ali, na porta daquela cela pronto para libertá-la. Se tinha alguma ilusão a respeito de príncipes em cavalos brancos, a guerra tinha se encarregado de destruí-la e não deixava de ser uma surpresa vê-lo ali, naquele momento.
O médico foi rápido em soltar sua amada dos grilhões. Sempre esperá-la encontrar com o mesmo sorriso doce, com os olhos marotos de uma garota, o mesmo vestidinho rodado, os mesmos pés descalços correndo pela grama e os cabelos esvoaçando com o efeito do vento... Era a doce imagem que carregava durante todas as noites e dias, em seus sonhos em pensamento, em suas motivações e metas.
- Tornou-se um médico, não?
- Sim. Trabalho com a salvação nas linhas de batalha... Foi o jeito que achei para encontrá-la.
Ela sorriu de uma maneira estranha ao ouvir a frase. Não era o sorriso de uma menina alegre que se animava ao ouvir as novidades de um dia, mas de alguém que ouvira uma história tão absurda na qual não conseguia acreditar.
- Encontrou-me em um bom momento.
Ele sorriu envergonhado, enquanto abria a porta educadamente para que ela passasse. Os passos eram duros e fortes, gingados como de alguém que precisava mover-se da melhor forma possível em batalhas. Ela disse duramente enquanto saíam da construção:
- Sabe por que fui presa? - O médico limitou-se a negar com a cabeça. – Porque entreguei aqueles idiotas a quem pagava um preço melhor. Olha só... Acabei descoberta, mas são realmente um bando de incompetentes achando que dariam um fim a mim.
As palavras eram duras, o coração talvez fosse mais. Ele sentia como se algo dentro dele fosse destruído devagar e dolorosamente, como se tivesse cometido um engano terrível. Era numa mercenária que pensava apenas em dinheiro que sua doce menina se transformara? A linda moça que adorava sentir o perfume das flores se transformara em uma guerreira que nenhum valor dava a uma vida?
Ao chegarem ao lado de fora, ao invés das palavras que ensaiara durante todo aquele tempo a respeito de viverem novamente como os amantes que eram, em como era bom reencontrá-la, em contar a respeito de todas as batalhas que presenciara e em cada momento que pensara nela, conseguiu dizer apenas:
- Para onde vai agora?
- Não sei. Procurar quem me pague melhor em algum lugar.
Tinha a esperança vazia de que talvez ela dissesse que queria seguir com ele para qualquer lugar que fosse, que pudessem estar juntos novamente. Era como se toda a caminhada que fizera até aquele ponto não tivesse sentido algum.
- Você certamente quer um agradecimento, não?
Sentiu os lábios que não eram mais doces beijando-o com furor. Já não era o beijo que continha o paraíso... Era marcado pela luxúria, pelo prazer do corpo, pelas inúmeras camas onde ela já tinha se deitado. Afastou-a levemente enquanto sussurrou baixinho, muito mais para ele mesmo do que para qualquer outra pessoa:
- Adeus.
Partiu sem voltar os olhos para trás, enquanto evitava com todas as forças que alguma lágrima caísse de seu rosto. As vidas salvas valiam toda a caminhada, as alegrias de poder colaborar para trazer um pouco de felicidade às vítimas dos tempos compensara todos os esforços. Continuaria caminhando para salvar inocentes, era aquele o caminho que tinha escolhido para si e não tinha por que voltar atrás. Mas, naquele momento, percebeu que a única pessoa que gostaria realmente de salvar estava eternamente perdida.
Sua amada, seu sonho, sua meta... Estava para sempre morta.
***
Sim, é melancólico. Estou meio melancólica.
Foi inspirado em duas frases... "Heaven is in your kiss / Salvation lies just a touch away". Não parece muito com elas, enfim...
Então... Até a próxima terça!
terça-feira, agosto 02, 2005
Encontro
Sentou-se sob a sombra de uma árvore e tomou um gole de água, enquanto descansava um pouco seus pés. Tinha partido antes do amanhecer de seu acampamento, não sabia há quantos dias estava na estrada, tinha perdido a conta. O cansaço não era apenas físico, toda a sua caminhada já parecia não fazer sentido. Não podia voltar para onde viera, na verdade, era uma caminhada sem retorno. O máximo de retorno possível era voltar alguns passos para tomar um novo rumo, não voltar ao ponto de partida. Na verdade, sabia bem, isso era impossível – tampouco desejado. A partir do momento em que saíra, já não havia retorno.
Ouviu o som dos pássaros e, ao olhar para cima, percebeu o pequeno ninho sendo construído. Invejou-os por alguns instantes. Será que deveria, ele próprio, ter um ninho naquele lugar? Repousar sobre a sombra da árvore, procurar por água fresca e desistir de sua jornada, parando ali?
Parecia tentador, apesar daquele lugar não se parecer muito com o fim que gostaria de dar a sua jornada... Podia ter sombra, mas sempre sonhara com muito mais do que uma simples árvore à beira de um caminho.
Reclinou-se, chateado. O sol brilhava forte, o que o desanimava ainda prosseguir. Logo teria sede, sua pele seria queimada, se cansaria depressa... A sombra da árvore não era o ideal que fora buscar, mas parecia tão melhor do que toda a caminhada que tinha pela frente!
- Você poderia me dar um pouco de água?
Olhou para a direção da voz. Em sua frente, um homem com as roupas de um viajante esperava enquanto olhava para ele. Sua reação foi estender o cantil. O homem sentou-se a seu lado e, após beber a água, continuou a falar:
- Para onde está indo?
Estava indo construir seu próprio caminho, foi o que respondeu.
- Estou indo para um rumo já traçado, ao sul. Você gostaria de me acompanhar?
Pouco depois, levantam-se os dois. O sol esquentava o caminho, porém já não parecia ofuscá-lo tanto quanto quando parara para descansar e foi com animação que deu os primeiros passos com o companheiro. Logo no começo, percebeu que acompanhado podia fazer o caminho mais rapidamente.
Como tudo parecia mais fácil! A estrada não parecia tão perigosa para duas pessoas que andavam juntas: podiam desfazer armadilhas e cortar barreiras de plantas juntos. Podiam decidir qual trecho poderiam seguir ou se seria conveniente pegar um atalho. Quando um estava cansado, o outro lhe contava histórias de sua própria jornada; quando um tinha sede, o outro lhe cedia um pouco de sua água. Quando ambos se cansavam, era bom perceber que havia companhia e não era hora de desistir – não eram responsáveis por apenas sua própria vida, mas um pouco pela do outro.
Ao andarem, podiam debater se flores brilhantes eram na verdade venenosas ou se uma fruta mais excêntrica poderia servir de bom alimento. Perderam-se juntos algumas vezes da estrada principal, porém discutindo era muito mais fácil descobrir novamente o caminho correto.
E assim foi por muitos dias – era como apenas uma viagem de apenas uma pessoa, afinal estavam realizando o mesmo percurso. O viajante olhou para cima, intrigado, em um dos incontáveis dias de caminhada. Eram aves migratórias em sua formação: até mesmo pássaros precisavam de cooperação se queriam seguir sua rota. Ao olhar para o companheiro, este lhe sorriu e disse:
- Está vendo esse caminho que vai ao sul? – Apontou por uma estrada que germinava da principal. – É minha hora de seguir por ele. Obrigado por ter me acompanhado, por ter permitido que seguisse com você até aqui. Certamente eu teria desistido ou mesmo caído em uma das armadilhas... Caso chegasse até aqui ainda assim, tudo teria sido muito mais difícil. Fizemos esse trajeto juntos, vivemo-nos juntos, mas está na hora de ir.
O viajante sorriu. Agradecia pela companhia e sabia muito bem sentir o mesmo: estava ele mesmo agradecido pela companhia. Estivera a ponto de desistir, porém continuara o trajeto. Sabia que o rumo para sua própria rota era diferente e que não podia se desviar e nem fazer o companheiro se desviar. As lembranças da viagem em conjunto estariam para sempre em sua memória, assim como a esperança de que, um dia, as andanças desembocassem em algum lugar onde pudessem novamente compartilhar uma mesma estrada.
Despediram-se então, partindo cada um por seu caminho escolhido rumo às buscas desejadas.
***
Não, não é necessariamente uma continuação do conto anterior, apesar de sair do mesmo pressuposto.
E até a próxima terça!