terça-feira, setembro 13, 2005

Diversão

As unhas de tom escarlate arranharam de leve os finos lençóis de seda daquela cama, enquanto a dona de tão belas unhas acordava calmamente como se não houvesse um mundo do lado de fora, como se pudesse dar-se ao luxo de repousar por quantas horas fosse necessário. A noite anterior e posterior madrugada tinham exaurido muito de suas forças, mas não se lembrava da última vez que se divertira tanto. Precisava satisfazer seus próprios desejos de vez em quando, tinha o direito de tentar relaxar um pouco às vezes.

Percebeu que sua companhia ainda estava adormecida logo a seu lado, mas bastou que se sentasse na cama, enrolando displicentemente um lençol sobre o corpo para pegar suas roupas, para que ele despertasse e se levantasse rapidamente:

- Gatinha, dormiu bem? – Disse ele, ainda inebriado pelo sono.

O apelido fez com que ela sorrisse. Gatinha, sim... Naquilo que gatos tinham de mais ágil e ferino. No porte delicado e ao mesmo tempo altivo, na independência e destreza... Em ser uma verdadeira caçadora, apesar de parecer até mesmo delicada quando assim o desejasse.

- Muito bem. Tivemos uma boa noite.

O homem sorriu, aproximando-se. Sentiu que suas mãos percorriam as linhas de suas costas antes dele perguntar:

- Por que tantas cicatrizes?

- Ossos do ofício. Não é tão simples quanto pode parecer em um filme. Preciso ser ágil e sutil, mas às vezes nem toda agilidade e sutileza do mundo são suficientes para me deixar escapar de armadilhas. Já vi a morte de perto muitas vezes. Ou melhor: a morte é minha grande companheira.

- Sei muito bem que carrega a morte consigo, gatinha.

Desvencilhou-se daqueles braços rapidamente para poder se levantar, procurando suas roupas pelo chão. Sim, carregava a morte consigo, mas não deixava de ser um trabalho interessante. Apesar de saber muito bem o que era ser sua mensageira, o que era ver o horror nos olhos de suas vítimas momentos antes do fim, a pequena lágrima que alguma morte mais impactante lhe trazia, o que era ter a consciência de que certas pessoas teriam um grande futuro caso continuassem vivas, não gostaria de trocar seu trabalho por nenhuma proposta que qualquer um pudesse lhe fazer. Sua vida era aquela, não tinha a intenção de trocá-la por nenhuma outra.

- Mas você não sente por suas vítimas?

- Às vezes. – Disse ela enquanto colocava rapidamente a calcinha de cor preta.

- E se arrepende do que faz?

As pernas que se esforçavam para caber na calça de couro pararam por um instante enquanto pensava na pergunta. Arrependimento? Se fosse pensar em arrependimento, não conseguiria viver. Não apenas por suas vítimas, mas por cada escolha que teve de fazer durante sua vida toda. Se fosse procurar motivos para se arrepender, não levaria mais do que um minuto para dar um tiro na cabeça.

- Não.

- Mas é um serviço que alguém deve fazer, afinal... Deve ser motivo de orgulho estar em um posto tão alto da polícia, em um esquadrão de elite.

Não conteve uma pequena risada enquanto colocava a camiseta também preta. Sentou-se diante de um espelho e, tirando um pente de sua bolsa, começou a ajeitar os cabelos tingidos de vermelho muito lisos em um rabo-de-cavalo.

- Nisso você está certo, é um serviço que alguém tem de fazer. E não é qualquer um que consegue agüentar, sabe? Se você for do tipo que se assombra com fantasmas, pode esquecer. Eles te perseguirão. Quanto a mim... Sinceramente, não me importo.

- Não tem pesadelos?

- Às vezes, como qualquer outra pessoa. – Passou uma camada de batom do mesmo tom de seu esmalte nos lábios. – Mas pesadelos são apenas sombras. Não correspondem à realidade.

- Definitivamente, gatinha, não consigo entender... – O homem disse, enquanto se sentava apoiando as costas na cabeceira da cama.

- Não peço que entenda, nem o julgo por isso... – Ela disse secamente enquanto colocava os sapatos.

Julgamentos de valor... Era submetida a eles o tempo todo. Ele mesmo não dissera que ela carregava a morte? E não era sempre diante de um julgamento de valor que estava? Não era a criminosa, a assassina, a impiedosa? Não estava fazendo coisas erradas? Não deveria mofar numa cadeia ou ser morta assim como as pessoas que matou? Não diziam até mesmo que iria arder no fogo do inferno?

No fundo, quem se importava com tais juízos?

- A propósito... – Ela disse, enquanto colocava a bolsa e pegava sua pistola 9mm com silenciador, pequena proteção pessoal para quando não estava trabalhando.

- O que foi, gatinha?

- Eu menti. Na verdade, não sou uma policial do esquadrão de elite. Sou, isso sim, uma assassina bem paga para eliminar pessoas que são entraves para planos de outras pessoas. Sem juízo de valor, sem mocinhos e sem bandidos. Apenas interesses, não mais do que isso. Nem bem e nem mal, apenas o melhor pagamento.

Olhava para sua arma de leve, sem encarar o companheiro. Não precisava olhar para ele para perceber a expressão de choque em seu rosto. Continuou a falar.

- Para sua própria segurança – e também para a minha – é melhor guardar essa informação consigo e levá-la para o túmulo... Mas sabe? Foi uma noite divertida. Foi um prazer encontrá-lo.

- Igualmente... – Disse ele, ainda surpreso e chocado.

- Adeus.

O corpo do homem estava na mesma posição, porém se inclinava levemente para um dos lados e o sangue jorrava abundante pelo lugar onde a bala tinha entrado em sua cabeça. Melhor assim. Ele não precisaria lhe mandar flores no dia seguinte agora...

Colocou a pistola na cintura, camuflada entre calça e camiseta e saiu do quarto de hotel. Não perguntara o nome do companheiro, só agora se dava conta disso.

Não tinha importância. Fantasmas não precisavam de nomes.

***
Não custa deixar um comentariozinho, né? ^^
Então até terça que vem. ^^

7 comentários:

Anônimo disse...

Apesar de um pouco previsível, ficou ótimo! Muito bem construído e bem cuidado, com um final de certa forma previsivel, mas condinzente com a personagem criada para o texto. Ou deveria dizer usada, já que, como comentamos, ninguém disse que ELA não pode pintar os cabelos né? XD

Anônimo disse...

Hmmm...

Bem condizente a personagem, ainda mais no sentido de "fêmea-leoa", que caça e sacia suas vontades. Mas que ela tava mais com cara de víuva negra no final do texto, que mata o macho depois do ato...

Anônimo disse...

mais um texto fantastico! gostei msm. mas como ja comentaram, o final foi um pouco previsivel sim, mas a finalização foi barbara. adorei a frase final^^

Anônimo disse...

Um pouco previsível, mas ainda assim bom.

Anônimo disse...

bloooood!!!! :)

ótemo.

Anônimo disse...

Ei Aninha!!!
Vc está cada vez melhor!! Hihihi! Muito mal essa mulherzinha aí, gostei!!!
Bjooooo

Anônimo disse...

Previsível ou não, eu sempre fui e ainda sou uma das maiores fãs da viúva negra...
E qdo eu crescer quero ser igual a ela....hehehehehe
Bjocas!!