terça-feira, janeiro 23, 2007

Gotas Urbanas

Nem me lembro como o conheci e, naquela altura do campeonato, nem interessava. Não sei o que me atraiu nele, talvez a expressão sempre sisuda e o porte elegante de um rapaz mal-saído das fraldas que já queria enfrentar o mundo, quase um lobo querendo fundar sua alcatéia. Acho que gostava de espiar aqueles olhos verdes e esperar um sorrisinho sacana em seu rosto, qualquer coisa que lhe arranhasse a máscara de “eu sou melhor que você” que inconscientemente vestia dia após dia.

Quando o conheci, nem sabia mais o que esperar da vida. Minha instabilidade emocional corroia-me dia após dia, talvez eu fosse meio masoquista, gostava de me machucar evitando os sentimentos certos e buscando relacionamentos auto-destrutivos. Com ele foi diferente. Ele não precisou de muito para que eu me envolvesse, assim como para tornar-se essencial em minha vida.

Era uma tarde modorrenta de verão, mais uma em que eu o encontrava na saída do prédio comercial moderno no centro da cidade, na minha imaginação parecia um garoto de programa com aqueles ternos caros e bem cortados, prostituindo-se em uma empresa para conquistar fama e fortuna. Eu, metida em minhas calças jeans e camisetas de estudante universitária, cumprimentei-o com um sorriso breve, logo retribuído.

Não que tivéssemos qualquer coisa, apenas rolava uma tensão resistível entre a gente. Talvez fosse a vontade de puxá-lo pela gravata e fazer sexo no meio da rua, sem me importar muito com convenções sociais, ou talvez a paz que ele me trazia com suas palavras cotidianas. Vizinhos de bairro, pegávamos o mesmo ônibus e quase fazíamos força para nos esbarrar o dia inteiro no horário de trabalho dele e de estudos meus. Acabamos descobrindo muito um do outro, acabei acreditando naquelas babaquices de igrejas, buquês e vestidos brancos, desde que fosse com ele. Tudo bem, sempre fui meio estranha e contraditória mesmo.

Conversávamos as bobagens de sempre, dessa vez qualquer coisa sobre Almodóvar. Não que eu soubesse muito mais do que o lido em capas de DVD’s e resenhas sobre seus filmes – e sabia que a recíproca era verdadeira - , mas para mostrar-me minimamente antenada com alguma coisa minimamente inteligente. Nem percebemos o céu fechado e muito menos o trovão, mas o assunto só saiu enlatado quando a chuva caiu forte.

- Trouxe uma sombrinha? – Ele disse olhando para mim.

- Não!

A solução foi nos abrigarmos debaixo de uma marquise. Era engraçado ver as pessoas correndo desesperadas fugindo das forças que agem acima de nós. A água caindo caudalosa, os pingos se espatifando no chão, nos telhados, em todos os lugares. E aqueles olhos verdes compenetrados na água que caía e no caos urbano instalado.

A vontade foi irresistível.

- Vamos!

Puxei-o pelo braço – a primeira vez que nos tocamos – e logo estávamos no meio da rua, tomando um belo banho de chuva. No começo, podia senti-lo hesitar, talvez medo de molhar o terno de marca, mas pouco depois, quando viu que já que estava na chuva era para se molhar, com o perdão do trocadilho e lugar-comum inevitáveis, resolveu se entregar. Olhei para trás, vi que ele sorria. Mais, que ria. Quase como uma criança grande brincando de executivo.

Ri de volta. Ríamos, nos molhávamos, ignorávamos os olhares de censura das pessoas na rua. Por um momento, pareceu que o mundo parou, apenas o gelado dos pingos atingindo a pele – e o quente de sua mão tocando a minha – importava. Por um momento, éramos duas crianças urbanas nadando em um mar de edifícios e confusões cotidianas.

Nunca tinha sentido que ele fosse tão humano, capaz de rir, brincar, brilhar os olhos. Parei, molhada, olhando para ele, sorrindo, encantada pelo seu jeito tão encantador. Ele me beijou de pronto, afogando-me com o mais saboroso dos beijos, enquanto eu estava sedenta pelo próximo. Beijávamos, consumíamos um ao outro, sentíamos a água, o tesão, tudo junto se acumulando de uma vez só.

Nossa primeira vez ocorreu pouco depois, sob as gotas quentes do chuveiro da casa dele.

***

Conto vomitado.
Diferente no estilo, mas pelo menos é algo coerente...

Tentando me reencontrar no meio de um Lego gigante de possibilidades...

4 comentários:

Anônimo disse...

Ficou ótimo, Bella \o\

Anônimo disse...

Bella, ficou excelente, suas habilidades de escrita são absolutamente ótimas. Mas, claro, não vou comentar os aspectos gramáticos do conto, por isso reitero: Ficou excelente. Meus parabéns ^^

Cezar Berger Junior disse...

Parabéns, achei o texto muito escrito e muito diferente dos muitos que vemos por aí hoje em dia. Seu português é ótima, sem falar da gramática. Pena que eu tenha visto esse Blog só agora, se não teria acompanhado desde cedo!

[]s

Henry Bugalho disse...

Não gostei, Ana.

É claro que sempre é difícil quando precisamos sair de nossas área de domínio, no seu caso fantasia (que são textos excelentes e incrivelmente originais), e nos aventurar em outros temas.
Algumas das metáforas não funcionam tão bem e o desfecho surge rápido demais. Mas aí está o prazer da experimentação, às vezes, acertamos, noutras, não.

Abraços e sucesso.