terça-feira, fevereiro 07, 2006

Copélia

Apenas um invólucro de cera. Era tudo o que desejava ao me fazer!

Nasci por obra de suas mãos habilidosas, que me moldaram, criaram, fizeram aquilo que sou. Fui sua obra-prima, aquela da qual tinha orgulho em seu atelier, que colocou em sua vitrine, que exibiu com todo o orgulho de criador.

Até o belo dia em que o invólucro ganhou conteúdo. Que passei a ter o sopro da vida... Sem carne, mas com uma alma. E passei a observar seu trabalho, sua rotina, seu mundo de bonecas.

Eu era apenas a maior delas, não? Olhei-me no espelho, encantei-me com meus próprios olhos azuis e cachos negros. Minha pele rosada de formas perfeitas, um vestido delicadamente de cor-de-rosa. Seu carinho de acariciar levemente meu rosto e me chamar de “minha querida” antes de sentar-se e fazer outras iguais a mim.

Todos os dias meninas invadiam seu atelier. Buscavam suas companheiras para brincadeiras nas prateleiras, enchiam o lugar de risadas e alegria. Gostava de observá-las, desejava ser uma delas. Ofereceram muito dinheiro por mim, me chamaram de “réplica perfeita”, ofereceram somas enormes de dinheiro. E você sempre recusou, dizia que nenhum dinheiro do mundo poderia me comprar.

Observava pacientemente suas noites árduas de trabalho, especialmente nas vésperas do Natal, quando crianças e pais invadiam sua loja em busca do mais belo presente para marcar a data. Era com alegria que eu percebia o sorriso de satisfação em seu rosto por vê-las tão contentes, exultantes com os novos brinquedos. Sempre amou vê-las sorrindo, então era por isso que se tornara artesão?

Até que, certo dia, começou a conversar comigo. Contava histórias de terras distantes, lendas e aventuras que eu me deliciava em ouvir, mesmo sem poder responder. Seus olhos brilhavam enquanto as contava, assim como havia um belo sorriso em seu rosto cansado. Como eu queria dizer que adorava o som de sua voz!

Acariciou meu rosto. Disse que gostaria muito que eu estivesse com você. E eu sempre estava, em todos os momentos, em todas as circunstâncias... Desejei ter uma voz para poder dizer isso, assim como sonhei carne e sangue para acalentá-lo em meus braços. Da mesma maneira que eu ganhei uma alma, queria ganhar um corpo, queria poder retribuir os seus desejos, abraçá-lo, beijá-lo, dizer que eu sempre estaria a seu lado. Todos os dias ele me dizia as coisas mais belas, sobre o quanto gostaria de estar comigo caso isso fosse possível. E como tal perspectiva, por mais que me parecesse impossível, me fazia feliz!

Até o dia da verdade e da desilusão.

Foram suas palavras... Disse que eu nunca deveria tê-lo deixado. Mas como poderia, mesmo que por um minuto, deixar meu Criador se não posso me mexer? Foi quando compreendi. Eu era apenas uma imagem, apenas a representação daquela que te deixou. Apenas um objeto de suas saudades.

Não me amava mais do que um artesão ama sua obra perfeita, ou mesmo me via além da boneca que tinha a forma de uma pessoa querida. Era eu um objeto de cera, não mais do que isso, apenas um enfeite em seu atelier representando seus sentimentos. Não era um ser autônomo.

Implorei então por quem me presenteara com uma alma... Para que tê-la se jamais poderia estar com você? Para que sentimentos e pensamentos se jamais poderia expressá-los? Para que ser presenteada com tanto sofrimento?

Foi com espanto e certa emoção que vi seus olhos desconcertados para os meus, que vertiam lágrimas.

***

Jamais magoe o coração de uma boneca. A consequência pode ser péssima =P

Atualização extraordinária na sexta, caso não ocorram problemas técnicos. Aguardem!

4 comentários:

Anônimo disse...

parece uma versão pra adultos de pinoquio ^^
rss
gostei do texto ta otimo de ser lido
sem enchimento de linguaça .... bonito e coeso (nuam sei se é asis mq escreve rss)
continua assim ^^
parabens pelos textos

Anônimo disse...

Eu gostei.

A idéia do boneco com alma se tornou um pouco comum após Pinóquio, mas a sua estória trata de outra coisa.

Uma boneca com alma, mas que, para o criador - ao contrário de Gepeto - não passava de uma lembrança.

Desilusão de boneca!

Legal... Bom texto!

Beijão!

Anônimo disse...

Nunca magoe uma boneca em qqer um dos sentidos, elas são delicadas e sensíveis.
E um tanto melancólicas, mas alvez esses fatores que construam a graça delas, não?!
Bjocas!

Anônimo disse...

Direto e poético ...