Era como se a própria percepção da realidade tivesse alterado. Era como se de repente tivesse sido eu tragada por uma nova dimensão, como se o próprio ar tivesse se modificado ou as cores de todas as coisas borrado e se tornado opacas. Estava decepcionada. Não com uma pessoa em especial, mas com todas as circunstâncias, com todo aquele dia que começara estranho.
Olhei meus trajes de sacerdotisa e senti-me ridícula. Tive vontade de despir-me, correr nua pelos campos até ser apanhada pela primeira besta faminta com ganas de me devorar. Ser abandonada às aves de rapina, entregar meu corpo por minha vontade, mas antes do tempo, ao ciclo natural de renovação deste mundo. Invejei as mesmas aves que em meus devaneios se alimentariam de meu cadáver. Elas tinham asas. Elas podiam voar, podiam ver o mundo do alto. Eu não, era reles filha do chão, por mais que meu coração ansiasse as alturas.
Minhas pernas me levavam para os campos longe do templo, como se sair correndo me afastasse de meus problemas ou preocupações. Fui detida por uma pedra no meio do caminho, que me fez tropeçar e me derrubou na grama. As mãos ardiam, esfoladas. Foi o suficiente para que minhas lágrimas, difíceis de sair, escorressem com força por meu corpo.
Chorar era realmente tudo o que desejava. Sou o tipo de pessoa que não sabe externar seus sentimentos, logo apesar das lágrimas encherem os olhos, para mim é difícil chorar. Conseguia liberar toda minha tristeza, angústia e frustração naquele momento, toda a frustração de alguém que lutara mas, na hora mais decisiva, vira tudo se perder. Era a dor de quem fora derrotada por circunstâncias maiores, mas que acreditava serem passíveis de contorno.
Olhei para os céus avermelhados apenas para ver um relâmpago cruzá-los. Estava eu em campo aberto, mas não me importaria se fosse fulminada por um deles. Ou melhor, que algum dos deuses resolvesse ser menos sádico que meu próprio destino e me fulminasse, me libertando da prisão de um corpo tão medíocre!
A chuva não demorou a cair sobre meu corpo, enquanto eu me deitava no solo, fazendo com que lágrimas, gotas e lama se misturassem. Meus trajes alvos enlameados, todo o meu ser sujo...
Levantei-me, limpando meus olhos e sentindo o frio das gotas em minha pele. Finalmente as lágrimas tinham secado e, após me levantar, pus-me a girar tal qual uma criança embalada pela chuva: era bom limpar minha alma. Tinha ganhado um banho para me limpar de toda a energia negativa.
***
Originalmente escrito em 26/10/05
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2 comentários:
Oi,
Acho que ainda não tinha linkado seu Blog no meu site. Agora está lá! Pode ver na página "LINKS" de:
http://geocities.yahoo.com.br/rafitchos/
Abração e feliz 2006,
Rafa
Não sei bem porque, mas ficou meio infantil ...
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